Ciclos
Por
Alessandra Leles Rocha
Quem disse que a efemeridade contemporânea
é assunto pacificado, hein? Por trás da história de se dar bem com o frenético movimento
da vida, com todas as suas idas e vindas, há sim, uma imensa dificuldade de digerir
o fim dos ciclos. Nada que tenha a ver necessariamente com a marcação do tempo;
mas, com a impossibilidade de o ser humano ter domínio sobre escolhas e
decisões alheias. Afinal, cada um sabe de si e Deus sabe de todos!
De repente, é como se sentíssemos
que alguém arbitrou sobre nossas vidas sem pedir licença, considerando que
aquele dado contexto, ou fato, já fazia parte da nossa própria história, há
tempos. Mais uma vez, olhando só para o próprio umbigo do nosso individualismo crônico,
esquecemos de respeitar as perspectivas, as expectativas, as demandas do outro,
por conta de um pseudodesrespeito que pulsa em nós, sem muito sentido de ser. Ora,
nem todo fim de ciclo precisa ou depende da nossa anuência. O mundo não gira na
nossa órbita!
Mas, talvez, o que explique parte
dessa frustração indignada esteja mesmo no fato de não podermos sorver até a
última gota daquilo que nos é tão caro, tão especial. Guardar na mente, na
alma, no corpo, os derradeiros impulsos de alegria, de bem-estar, de
contentamento, de euforia, ainda que entre sorrisos e lágrimas que não se pode
controlar. Todo aquele conjunto de emoções e de sentimentos que só o mais
profundo espaço do inconsciente é capaz de manter intacto pelas dimensões da
eternidade.
Desse modo, um fim de ciclo sem a
possibilidade da nossa participação não deixa de ser um tipo de luto que não se
vivencia por completo. A certeza de que não haverá outra vez é sim, dolorida. Acontece
que as conjunturas do cotidiano, sob diferentes circunstâncias, nem sempre nos
possibilitam as despedidas. São os compromissos inegociáveis. São as distâncias
que a geografia impõe. São os imprevistos de última hora. É a grana curta para
satisfazer os desejos e vontades. É a hesitação que bate sem pedir licença. Enfim...
Por sorte, a própria
contemporaneidade nos valeu a solução. Para certos ciclos que se encerram
podemos contar com as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) para
mitigar esse desalento. Podemos sim, nos tornar parte integrante e integrada
desse final que acena no horizonte. Salve, salve, a internet e todas as suas
plataformas digitais! Que por um breve instante nos permitem viajar pelo tempo e
pelo espaço para estar onde queremos, experenciando de maneira muito especial
um registro de nossa própria existência.
Notícia boa? Lamento; mas, só em
parte. Porque nem todos os ciclos chegam pensados sob diferentes perspectivas,
o que leva essa possibilidade a não figurar no rol das decisões de
planejamento. Aí, voltamos à estaca zero! Ensimesmados na melancolia carente de
um adeus efetivamente materializado, que não vai poder acontecer. Não se
esqueça de que somos energia. Mesmo à distância, no mundo virtual e tecnológico,
essa energia se propaga e estabelece seu intercâmbio natural. Pontos de luz que
se retroalimentam pelos maiores e melhores sentimentos e emoções.
Por isso, em tempos nos quais se fala tanto sobre empatia, igualdade, fraternidade, respeito, comunhão, trazer para o encerramento de um ciclo o papel democrático e abrangente estabelecido por uma acessibilidade humana que rompe barreiras materiais e subjetivas importantes, seria fechar com verdadeira chave de ouro. Seria hastear a bandeira mais bonita da última lição, depois de tantas memoráveis. Sem se importar sobre quem, como, onde e quando. Todos juntos emanados pela mesma energia, mesma vibração, mesmo encantamento. E assim, em uníssono, dizer: “A vida me ensinou a dizer adeus às pessoas que amo, sem tirá-las do meu coração” (Charles Spencer Chaplin Jr.).