sábado, 18 de fevereiro de 2023

O cartão de vacinas...


O cartão de vacinas...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não haveria discussão sobre interesse público ou à privacidade, em relação ao fato de o ex-presidente da República ter se vacinado ou não contra à COVID-19, se ele próprio tivesse cumprido a liturgia do cargo que ocupava.

Mas, não. Diante da mais terrível tragédia de saúde pública ocorrida no mundo contemporâneo, que vitimou, só no Brasil, quase 700 mil cidadãos, ele não poderia jamais ter brincado com algo tão sério, tão grave, como fez. Partiu dele polemizar o assunto.

Daí o interesse em saber como, nos bastidores, ele de fato se comportou. Se todo o seu negacionismo à Ciência, a sua fanfarronice abjeta, a sua irresponsabilidade ignorante, a sua aversão à vacinação, eram realmente seguidos ao pé da letra por pura convicção, ou se apenas faziam parte da narrativa que sustentava o modelo necropolítico que ele visava estabelecer e afirmar no país.

Afinal, como bem se sabe, ele se transformou em um nome de influência midiática entre os simpatizantes da direita nacional, em todos os seus matizes, fosse no espectro dos menos ou dos mais radicais. Então, seguindo a máxima de que “o exemplo vem de cima”, faz sim, muita diferença saber até que ponto ele manipulou a opinião pública em relação ao movimento antivacinas, a recusa ao uso de máscaras e outras medidas de prevenção, as quais tanto colaboraram para o agravamento dos quadros da COVID-19, no Brasil.

Felizmente, os tempos em que a errônea ideia de que a figura do Presidente da República está acima do Bem e do Mal, acima das leis, blindado contra o cumprimento da justiça, acabou. Ele, agora, não pode mais qualquer controle a esse respeito. Não pode ferir mais com sua leviandade administrativa certos princípios da Administração Pública, tais como, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade.

De modo que, agora, ele está sob o escrutínio da justiça e da opinião pública. E esses detalhes emergem com a força e a importância que realmente lhes são pertinentes. Não, não há nisso quaisquer traços de revanchismo ou interesse de exposição; mas, o direito que todo cidadão tem de conhecer os fatos da sua história com a isenção que a verdade exige.

Ora, quando tudo está perfeitamente de acordo com os parâmetros sociais e legais vigentes, ninguém faz questão de esconder, ou de omitir, absolutamente nada. Muito pelo contrário! Faz questão de bradar aos quatro cantos os feitos incríveis, maravilhosos, extraordinários. Então, por quê o ex-presidente impôs 1.108 sigilos de cem anos 1, ao logo da sua gestão? Não era ele mesmo quem afirmava que conhecer a verdade liberta? Então.

Mas, que haja justiça no sentido de elucidar não só aquilo que foi mantido em sigilo pelo ex-presidente da República; mas, em relação a outras figuras ligadas ao governo diretamente, que se não impuseram sigilo a certos atos seus, no mínimo deixaram silenciosas lacunas a respeito da sua conduta.

Já dizia o padre António Vieira, no século XVII, que “Para aprender não basta só ouvir por fora, é necessário entender por dentro”. Aí, então, fica claro como “Nós somos o que fazemos. O que não se faz não existe. Nos dias em que não fazemos apenas duramos” (Pe. António Vieira). Talvez, esteja nessa consciência o que se revelará a partir do cartão de vacinas do ex-presidente da República.