O
cartão de vacinas...
Por
Alessandra Leles Rocha
Não haveria discussão sobre
interesse público ou à privacidade, em relação ao fato de o ex-presidente da
República ter se vacinado ou não contra à COVID-19, se ele próprio tivesse
cumprido a liturgia do cargo que ocupava.
Mas, não. Diante da mais terrível
tragédia de saúde pública ocorrida no mundo contemporâneo, que vitimou, só no
Brasil, quase 700 mil cidadãos, ele não poderia jamais ter brincado com algo
tão sério, tão grave, como fez. Partiu dele polemizar o assunto.
Daí o interesse em saber como,
nos bastidores, ele de fato se comportou. Se todo o seu negacionismo à Ciência,
a sua fanfarronice abjeta, a sua irresponsabilidade ignorante, a sua aversão à
vacinação, eram realmente seguidos ao pé da letra por pura convicção, ou se
apenas faziam parte da narrativa que sustentava o modelo necropolítico que ele
visava estabelecer e afirmar no país.
Afinal, como bem se sabe, ele se
transformou em um nome de influência midiática entre os simpatizantes da
direita nacional, em todos os seus matizes, fosse no espectro dos menos ou dos
mais radicais. Então, seguindo a máxima de que “o exemplo vem de cima”, faz sim, muita diferença saber até que
ponto ele manipulou a opinião pública em relação ao movimento antivacinas, a
recusa ao uso de máscaras e outras medidas de prevenção, as quais tanto
colaboraram para o agravamento dos quadros da COVID-19, no Brasil.
Felizmente, os tempos em que a
errônea ideia de que a figura do Presidente da República está acima do Bem e do
Mal, acima das leis, blindado contra o cumprimento da justiça, acabou. Ele,
agora, não pode mais qualquer controle a esse respeito. Não pode ferir mais com
sua leviandade administrativa certos princípios da Administração Pública, tais
como, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade.
De modo que, agora, ele está sob
o escrutínio da justiça e da opinião pública. E esses detalhes emergem com a
força e a importância que realmente lhes são pertinentes. Não, não há nisso
quaisquer traços de revanchismo ou interesse de exposição; mas, o direito que
todo cidadão tem de conhecer os fatos da sua história com a isenção que a
verdade exige.
Ora, quando tudo está
perfeitamente de acordo com os parâmetros sociais e legais vigentes, ninguém
faz questão de esconder, ou de omitir, absolutamente nada. Muito pelo
contrário! Faz questão de bradar aos quatro cantos os feitos incríveis,
maravilhosos, extraordinários. Então, por quê o ex-presidente impôs 1.108
sigilos de cem anos 1, ao logo
da sua gestão? Não era ele mesmo quem afirmava que conhecer a verdade liberta? Então.
Mas, que haja justiça no sentido
de elucidar não só aquilo que foi mantido em sigilo pelo ex-presidente da
República; mas, em relação a outras figuras ligadas ao governo diretamente, que
se não impuseram sigilo a certos atos seus, no mínimo deixaram silenciosas
lacunas a respeito da sua conduta.
Já dizia o padre António Vieira,
no século XVII, que “Para aprender não
basta só ouvir por fora, é necessário entender por dentro”. Aí, então, fica
claro como “Nós somos o que fazemos. O que
não se faz não existe. Nos dias em que não fazemos apenas duramos” (Pe. António
Vieira). Talvez, esteja nessa consciência o que se revelará a partir do
cartão de vacinas do ex-presidente da República.