sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Pena, nem tudo é Carnaval!!!


Pena, nem tudo é Carnaval!!!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Se por um lado é compreensível que o (a) brasileiro (a) esteja ávido pelos dias de folia carnavalesca, depois de tempos tão difíceis e cruéis, por outro, passada a euforia, a vida vai entrar nos seus eixos realistas e exigir bom senso, equilíbrio e responsabilidade. Afinal, ao chegar a quarta-feira de cinzas é que o país mergulha, de fato, na sua empreitada de trabalho e reconstrução.

Então, pensando sobre tudo isso, percebi que era necessário trazer algumas considerações importantes no campo da Economia, tendo em vista que as últimas semanas enviesaram o assunto para a questão das altas taxas de juros empregadas no país. Acontece que antes de olhar para a matemática, nua e crua, das finanças, prefiro atentar para a figura maior do processo que é o ser humano.   

Embora muito tenha se falado sobre a queda do percentual de desemprego, no último trimestre de 2022, para 8,1%, as condições do cenário econômico nacional não contribuem acenando de maneira alvissareira. O Brasil vem lidando não só com uma precarização do trabalho, mas com uma perda de postos formais, que tem levado milhares de cidadãos para a informalidade e contribuído para o achatamento vertiginoso da renda, impactando a normalidade cotidiana e afetando a dignidade cidadã.

E a materialidade dessa situação se expressa, então, no fato de que “Entre 2020 e 2022, a proporção de famílias endividadas passou de 66,5% para 77,9%, uma alta de 11,4 pontos percentuais” 1. Segundo dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), “Tanto famílias de baixa renda quanto as de renda mais alta entraram em 2023 mais endividadas”, ou seja, aquelas que “ganham até 3 salários mínimos, estavam proporcionalmente mais endividadas em janeiro (79,2% do total, contra 76,5% há um ano), assim como as que ganham mais de 10 salários mínimos (74,4%, contra 71, 2% em janeiro de 2022)” 2.

Trata-se, portanto, de um ciclo que se retroalimenta, sendo estabelecido entre a inflação, a alta dos juros, o consumo, o desemprego, a precarização trabalhista e o achatamento da renda.  De modo que por mais que o cidadão tente romper com essa dinâmica, ele acaba vencido pelas forças das circunstâncias. Veja, por exemplo, que entre 2020 e 2022, “a taxa básica de juros da economia brasileira (Selic) foi elevada de 2% para os atuais 13,75%”3.

Como o país pretende romper efetivamente com essa situação é o que todos querem saber. Afinal, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seu informe anual sobre o desemprego global, manifestou não só que “a queda da taxa do desemprego no Brasil em 2023 perderá fôlego”; mas, que haverá “um total de 208 milhões de desempregados no mundo. Isso significa 3 milhões a mais de pessoas sem trabalho que em 2022, principalmente nos países ricos, em uma taxa global de 5,8%” 4.

Daí soar tão dissonante da realidade quaisquer decisões institucionais que criem obstáculos empregatícios no país. Como, por exemplo, uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) ao estabelecer que “Além da apreensão da CNH e do passaporte, os inadimplentes podem ser proibidos de participar de concursos públicos e de licitações com o poder público” 5; apesar de considerar algumas exceções.

Porque ainda que exista um ponto comum ao endividamento e à inadimplência no país, não se pode desconsiderar as particularidades e especificidades de cada situação; posto que, cada indivíduo é único.

No entanto, quando nas exceções dessa decisão se afirma que “Para que alguém tenha o documento apreendido ou seja barrado de participar de concursos públicos, será necessária uma decisão judicial” 6, abre-se um precedente de favorecimento para os indivíduos que tenham acesso ao Judiciário, ou seja, possam buscar pela assistência gratuita ou arcar com a contratação de um advogado.

O que aponta para a existência de uma generalização implícita, como se tal medida estivesse, realmente, ao alcance de todos sem distinção de qualquer natureza. Além disso, é de conhecimento público a morosidade natural do judiciário. Fato é que, nessa situação, o problema seria agravado e a solução poderia não satisfazer a necessidade imediata do cidadão, tornando-se uma ação inócua.

Por todas as considerações acima é que eu alerto, não deixem que os confetes, as serpentinas, as alegorias e os adereços anestesiem a sua cidadania, além do permitido na ocasião. Dizia Caio Fernando Abreu, “Mas de que adianta sair para festa e voltar para casa sempre com o coração vazio? ”. Embora a euforia agrade bem mais do que a austeridade, ela passa, não se sustenta, não preenche os vazios.

Desse modo, quando a quarta-feira chegar, e ela sempre chega, nosso riso e nossa alegria serão obrigatoriamente sublimados e devolvidos à condição de cinzas, porque no fundo da nossa inconsciência, a realidade nunca deixou de existir, ela só deu um breve cochilo antes de voltar a pulsar.