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bilhões de seres humanos ...
Por
Alessandra Leles Rocha
Penso que uma das mais
importantes perguntas a se fazer na contemporaneidade é: qual o preço que se
paga por não reconhecer as prioridades do mundo 1?
Prestes a completar um ano, a guerra russa contra a Ucrânia é o ponto de
partida para essa reflexão. Afinal, o planeta nem tinha dado os primeiros
passos de retomada das suas atividades, depois do auge da Pandemia de COVID-19,
e um novo evento extremo desencadeava novas ondas de terror e tensão sobre os
viventes.
Pois é, quem diria que isso iria
acontecer? Mas, aconteceu. Como se a humanidade estivesse mesmo, em uma posição
demasiadamente confortável para se permitir viver sob solavancos, ameaças,
instabilidade em último grau. Deixando claro o quanto a vida perdeu valor, importância,
ao ponto de não fazer a menor diferença se ela é ou não submetida a condições
que comprometam direta ou indiretamente à sua dignidade.
O que não se parou para pensar
foi que independentemente de qualquer ação genuinamente antrópica, a existência
humana por si só se equilibra sobre fatores totalmente insólitos. Que arrasam
com a previsibilidade e tomam de assalto o controle da situação. Nem todas as
doenças dispõem de prevenção, de tratamento ou de cura. Nem todas as mudanças
climáticas dispõem de prevenção, de mitigação ou de solução. ... Tudo pode
mudar em um piscar de olhos, à revelia da minha, da sua, da vontade de qualquer
um.
De modo que a raça humana deveria
estar mais concentrada em trabalhar a favor do equilíbrio, não o contrário. Motivar
a desordem, o desarranjo, a beligerância, é algo totalmente antiproducente. Esse
não é um caminho que promova nada de positivo, de melhor, para nenhum ser
humano ou para o próprio planeta. Simplesmente, porque essas ações se cruzam
dentro de um cenário já contaminado e severamente impactado pelos
desdobramentos e consequências do imponderável.
E quanto mais se observa a luta
das elites em manter o seu poder social, o seu status capital, mais a realidade
sinaliza com o empobrecimento global. Nada de ilógico ou absurdo nisso, na
medida em que manter tantas frentes de batalha, de confronto, de dominação, exige
volumes expressivos de recurso. Porém, no fim das contas, o resultado desse
movimento caótico se assemelha a uma mão que tenta segurar um punhado de areia;
mas, ela escapa entre os dedos até não restar nenhum grão.
No entanto, não se trata só de um
empobrecimento monetário, financeiro. O mundo está empobrecendo em diferentes níveis
e aspectos. Ideológico. Filosófico. Técnico. Científico. Ético. Moral. Comportamental.
Afetivo. Humanitário. Como se estivesse
submetido a uma deterioração no cerne da sua essência. Desaprendendo a ser, a
conviver, a coexistir, a dialogar, a compartilhar.
Daí a razão pela qual, talvez,
ele realmente não consiga responder qual o preço que se paga por não reconhecer
as prioridades do mundo. Porque a sua miséria humana, existencial, é tão brutal
que ela impede, inclusive, que ele se questione a respeito.
Aliás, apesar de um
individualismo narcísico potente na contemporaneidade, que faz muita gente
dizer por aí que não há senso de alteridade entre as pessoas, de percepção em
relação ao outro, de se colocar no lugar deste, de entender suas angústias e seus
sofrimentos, o próprio indivíduo faz pouco do seu instinto de sobrevivência, da
sua vida.
Diante dessa encruzilhada, que ele
próprio se colocou, parece haver uma dificuldade de encontrar um caminho de
volta nesse processo. No momento em que o ser humano disputa espaço com a sua própria
criação tecnológica, ele se distancia cada vez mais do sentido original da
vida. Por isso, pouco importa, matar ou morrer, ganhar ou perder.
Dizia Stephen Covey que “Muitos de nós gastamos muito tempo com o
que é urgente e não o tempo suficiente com o que é importante”. Olhando para
o drama dos Yanomamis, dos atingidos pelo terremoto na Turquia e na Síria, dos
desalojados e desabrigados pela chuva torrencial no litoral norte de São Paulo,
dos incêndios florestais no Chile, dos contaminados pelo vírus Marburg na Guiné
Equatorial, ... Fica claro como há uma tendência em focar no problema
dissociando-o da figura principal que é sempre o ser humano.
As situações só chegam a
ultrapassar seus limites porque as pessoas deixaram de ser o importante, a
prioridade. Aí quando a tensão explode, as conjunturas começam a ruir, essas figuras
invisíveis, quase fantasmagóricas, ressurgem entre escombros, entre cinzas,
entre lágrimas, entre pedras, entre sofrimentos objetivos e subjetivos diversos.
Portanto, não nos permitamos mais esquecer de que “A prioridade absoluta tem de ser o ser humano. Acima dessa não
reconheço nenhuma outra prioridade” (José Saramago).