quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

8 bilhões de seres humanos ...


8 bilhões de seres humanos ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Penso que uma das mais importantes perguntas a se fazer na contemporaneidade é: qual o preço que se paga por não reconhecer as prioridades do mundo 1? Prestes a completar um ano, a guerra russa contra a Ucrânia é o ponto de partida para essa reflexão. Afinal, o planeta nem tinha dado os primeiros passos de retomada das suas atividades, depois do auge da Pandemia de COVID-19, e um novo evento extremo desencadeava novas ondas de terror e tensão sobre os viventes.

Pois é, quem diria que isso iria acontecer? Mas, aconteceu. Como se a humanidade estivesse mesmo, em uma posição demasiadamente confortável para se permitir viver sob solavancos, ameaças, instabilidade em último grau. Deixando claro o quanto a vida perdeu valor, importância, ao ponto de não fazer a menor diferença se ela é ou não submetida a condições que comprometam direta ou indiretamente à sua dignidade.

O que não se parou para pensar foi que independentemente de qualquer ação genuinamente antrópica, a existência humana por si só se equilibra sobre fatores totalmente insólitos. Que arrasam com a previsibilidade e tomam de assalto o controle da situação. Nem todas as doenças dispõem de prevenção, de tratamento ou de cura. Nem todas as mudanças climáticas dispõem de prevenção, de mitigação ou de solução. ... Tudo pode mudar em um piscar de olhos, à revelia da minha, da sua, da vontade de qualquer um.

De modo que a raça humana deveria estar mais concentrada em trabalhar a favor do equilíbrio, não o contrário. Motivar a desordem, o desarranjo, a beligerância, é algo totalmente antiproducente. Esse não é um caminho que promova nada de positivo, de melhor, para nenhum ser humano ou para o próprio planeta. Simplesmente, porque essas ações se cruzam dentro de um cenário já contaminado e severamente impactado pelos desdobramentos e consequências do imponderável.  

E quanto mais se observa a luta das elites em manter o seu poder social, o seu status capital, mais a realidade sinaliza com o empobrecimento global. Nada de ilógico ou absurdo nisso, na medida em que manter tantas frentes de batalha, de confronto, de dominação, exige volumes expressivos de recurso. Porém, no fim das contas, o resultado desse movimento caótico se assemelha a uma mão que tenta segurar um punhado de areia; mas, ela escapa entre os dedos até não restar nenhum grão.

No entanto, não se trata só de um empobrecimento monetário, financeiro. O mundo está empobrecendo em diferentes níveis e aspectos. Ideológico. Filosófico. Técnico. Científico. Ético. Moral. Comportamental. Afetivo. Humanitário.  Como se estivesse submetido a uma deterioração no cerne da sua essência. Desaprendendo a ser, a conviver, a coexistir, a dialogar, a compartilhar.  

Daí a razão pela qual, talvez, ele realmente não consiga responder qual o preço que se paga por não reconhecer as prioridades do mundo. Porque a sua miséria humana, existencial, é tão brutal que ela impede, inclusive, que ele se questione a respeito.  

Aliás, apesar de um individualismo narcísico potente na contemporaneidade, que faz muita gente dizer por aí que não há senso de alteridade entre as pessoas, de percepção em relação ao outro, de se colocar no lugar deste, de entender suas angústias e seus sofrimentos, o próprio indivíduo faz pouco do seu instinto de sobrevivência, da sua vida.

Diante dessa encruzilhada, que ele próprio se colocou, parece haver uma dificuldade de encontrar um caminho de volta nesse processo. No momento em que o ser humano disputa espaço com a sua própria criação tecnológica, ele se distancia cada vez mais do sentido original da vida. Por isso, pouco importa, matar ou morrer, ganhar ou perder.  

Dizia Stephen Covey que “Muitos de nós gastamos muito tempo com o que é urgente e não o tempo suficiente com o que é importante”. Olhando para o drama dos Yanomamis, dos atingidos pelo terremoto na Turquia e na Síria, dos desalojados e desabrigados pela chuva torrencial no litoral norte de São Paulo, dos incêndios florestais no Chile, dos contaminados pelo vírus Marburg na Guiné Equatorial, ... Fica claro como há uma tendência em focar no problema dissociando-o da figura principal que é sempre o ser humano.

As situações só chegam a ultrapassar seus limites porque as pessoas deixaram de ser o importante, a prioridade. Aí quando a tensão explode, as conjunturas começam a ruir, essas figuras invisíveis, quase fantasmagóricas, ressurgem entre escombros, entre cinzas, entre lágrimas, entre pedras, entre sofrimentos objetivos e subjetivos diversos. Portanto, não nos permitamos mais esquecer de que “A prioridade absoluta tem de ser o ser humano. Acima dessa não reconheço nenhuma outra prioridade” (José Saramago).