O
som do silêncio
Por
Alessandra Leles Rocha
Se engana quem pensa que o silêncio
não diz nada. O não expressar em sons, as ideias, os pensamentos, os
sentimentos e as intenções, não significa que eles não estão sendo produzidos,
que eles não existam. O cognitivo humano não para! E a comunicação não se dá
somente por uma via de linguagem. O corpo fala. As atitudes falam. Os olhares
falam. Os suspiros falam. Enfim...
De modo que essa não é a melhor estratégia
para todos aqueles que estão desesperadamente tentando se dissociar dos atos antidemocráticos
de 08 de janeiro, em Brasília/DF 1. Cada um
deles no seu silêncio foi bastante eloquente e, talvez, muito mais revelador do
que possa imaginar. Não dizem por aí que “quem
cala consente”? Então ... Seguindo por essa máxima, muita gente passou
recibo sobre suas crenças, valores e princípios.
Ora, o silêncio não apaga as
virtudes e nem os defeitos. O silêncio não é referência do bem ou do mal. Por
isso, é bom lembrar que, depois de proclamado, ainda que inadvertidamente, o
silêncio não se permite ser substituído pelas palavras. Quase sempre, quando
isso acontece, a emenda fica pior que o soneto! Porque o lapso temporal que se
estabelece entre silêncio e palavra já consolidou a ideia, a mensagem, a
informação.
Assim, um pouco de atenção, de perspicácia,
para decodificar o silêncio de alguém, tomando como ponto de partida a própria coerência
existencial que lhe é particular. Porque os silêncios são como atos na
encenação da vida. Silêncios têm sempre uma razão, uma motivação. Eles arrastam
consigo um conjunto lógico de situações e conjunturas. Silêncios não são obra
do acaso para substituir a ausência de palavras. Não. Eles são medidos, pesados
e pensados, antes de serem postos em prática.
O que significa que estamos
falando de algo em um nível de profundidade que nenhuma palavra é capaz de
alcançar, porque a voz do silêncio é a voz da subjetividade humana, ou seja, da
essência que constitui cada indivíduo.
De modo que o silêncio
desnuda, revela, traz à tona as sombras e as luzes da interface consciência/inconsciência.
O silêncio, então, está mais para biombo do que para muralha. Ele tenta esconder;
mas, não protege.
E em um mundo onde a verborragia
é um traço do comportamento social tão marcante, cada silêncio desperta
estranheza, desconforto, desconfiança, à medida em que subverte a lógica
vigente.
No rol das excepcionalidades, o
silenciar contemporâneo aponta para algo de natureza muito importante, que foge
às trivialidades. Daí alguns silêncios serem individuais, outros coletivos. Silêncios
impactantes. Silêncios reverberantes. Silêncios imparciais. Silêncios comprometedores.
Silêncios ... Seja aqui, ali ou acolá. Com ou sem passaporte.
Não é à toa que Aldous Huxley
dizia, “O silêncio está tão repleto de sabedoria
e de espírito em potência como o mármore não talhado é rico em escultura”; por
isso, “As grandes verdades só se
comunicam através do silêncio” (Paul Claudel).
Haja vista o silêncio contido nos
atos de destruição da sede dos poderes na capital federal. Por trás de cada
golpe desferido contra o patrimônio público havia vozes inaudíveis, repercutindo
a estridência histórica e identitária daqueles acontecimentos.
Como escreveu Lulu Santos e
Nelson Motta, “Não existiria som / Se não
houvesse o silêncio[...]” 2. A
explicação perfeita para uma breve análise da direita brasileira, em todos os
seus matizes; bem como, do contexto de tudo o que vem acontecendo no país.
Camadas e camadas de silêncios cidadãos, institucionais, midiáticos. Silêncios
voluntários. Silêncios opressores. ... Silêncios que, a partir de agora,
parecem incapazes de se manter no seu estado natural e começam a mudar de fase,
de forma.
Porque a sociedade brasileira foi
confrontada, ainda que a contragosto, a admitir o fato de que “A verdade mora no silêncio que existe em
volta das palavras. Prestar atenção ao que não foi dito, ler as entrelinhas. A atenção
flutua, toca as palavras sem ser por elas enfeitiçada. Cuidado com a sedução da
clareza! Cuidado com o engano do óbvio! ” (Rubem Alves).