Lados.
Escolhas. Acontecimentos. ... O significado de um país desunido.
Por
Alessandra Leles Rocha
A falta de unanimidade na decisão
do STF 1 a respeito de eventual omissão e
conivência das autoridades com os atos terroristas em Brasília, no último dia
08 de janeiro, merece reflexão. Lamento, mas não se pode atribuir aos dois
ministros que se opuseram a iniciativa, o fato de terem sido eles indicados
pelo ex-presidente da República. Ministros da Suprema Corte não são ministros
de Governo. São ministros de Estado. São guardiões da Constituição Federal.
Portanto, o que se viu nessa
atitude, é o total desapreço que contamina outros milhares de brasileiros e
brasileiras em relação à sua cidadania, à democracia, ao Estado de Direito, à
identidade nacional. Está posto, para quem quiser ver, sobre o que pesam suas
crenças, valores, convicções e princípios, para que não reste dúvidas a
respeito de qual lado da história eles preferem ficar.
O que aconteceu na capital
federal não foi grave, foi gravíssimo. Em tese, era de se esperar uma
manifestação muito mais coesa dos brasileiros, numa significância numérica
muito mais representativa do repúdio, da indignação, da consternação. Mas,
apesar dos pesares, de tudo o que houve de mais bárbaro e brutal em Brasília,
elementos do espectro ultradireitista nacional permanecem impávidos hasteando a
bandeira do país à frente de suas residências ou em seus veículos, como forma
de reafirmar o seu posicionamento político-ideológico.
Não, eles não estão constrangidos
ou envergonhados. Embora devessem. Acontece que os sinais dados por muitas
autoridades, nesses últimos quatro anos, foram de uma contemporização
absurdamente equivocada em relação à antidemocracia e à anticidadania. Cada manifestação
chegada às instâncias superiores dos poderes e arquivadas, apesar da gravidade
dos conteúdos que as motivaram, era uma indicação de permissividade perigosa. Tivessem
medidas legais de contenção e de punição imediata ocorrido ao primeiro fato
publicamente noticiado, nada disso teria acontecido.
É sabido ser de a natureza humana,
desde a mais tenra idade, testar os limites para saber até onde se pode ir sem
sofrer represálias ou castigos. Mas dada a gravidade com a qual a trama
antidemocrática foi tecida no país, a partir do campo político-partidário, é inadmissível
que adultos não tenham sido tratados como adultos. Que compromissos intrínsecos
aos papeis sociais assumidos por certos indivíduos tenham se tornado altamente flexíveis
na sua interpretação. Jamais, na história desse país, a ética foi tão aviltada!
Tudo porque o corporativismo nas
instâncias do poder parece pisar em ovos, como se cada indivíduo pensasse, não
com a razão; mas, com a emoção dos interesses privados, na hora de deliberar e
agir sobre determinadas questões. Como se pairasse no ar o temor de se tornar a
próxima bola da vez, caso trilhasse os mesmos caminhos. Daí tantas mesuras,
tantos rapapés, tentando criar uma diplomacia resolutiva que acaba por ser
ineficaz, considerando que ela própria nasce na incapacidade de cumprir seu
papel objetivamente e de maneira plena.
Pois é, já dizia Friedrich
Nietzsche, “Quem luta com monstros deve
velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu
olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti” 2. Afinal, as relações humanas tendem
a nos contaminar, dependendo do tempo e da profundidade com a qual se estabelecem,
vindo a nos conduzir por destinos impensados, os quais eventualmente podem
subverter a ética da lógica e da razão.
Sendo assim, lembremo-nos das palavras de Mark Twain, “As pessoas são como a Lua: têm sempre um lado escuro que não mostram a ninguém”. Agora, no Brasil, essa máxima caiu por terra. Nunca a realidade foi tão cristalina! O trigo e o joio na República Federativa do Brasil estão, enfim, separados. As escolhas foram feitas. Os lados foram ocupados. Os resultados apresentados. E isso é muito bom porque, segundo o padre António Vieira, em seus Sermões, “Muito mais para temer é o inimigo oculto e dissimulado, que descoberto”.
1 https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/01/11/em-julgamento-no-supremo-moraes-vota-para-manter-governador-do-df-afastado.ghtml
2 NIETZSCHE, F. Além do bem e do mal: Prelúdio a uma filosofia do futuro. Traduzido por Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.