sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Escolha e Representatividade


Escolha e Representatividade

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O tempo é o senhor da justiça. O seu movimento impõe necessariamente a revisão contínua dos paradigmas, das convicções, das certezas. O que é hoje pode não ser mais amanhã. Daí a verdade inconteste de que diversas práxis sociais vêm sendo questionadas e abolidas, a fim de se constituir um mundo melhor, mais justo e mais humanitário.

Nesse sentido, é fundamental compreender que não se trata de simplesmente seguir o fluxo das transformações, para caber na nova sociedade que emerge; mas, de internalizar reflexivamente os argumentos que provam e comprovam a necessidade da mudança. Não basta que as bocas digam isso ou aquilo. É preciso que as mentes e os corações pulsem na consciência do novo.

O governo recém-eleito manifestou publicamente que não pode errar, que não tem o direito de errar. Ótima iniciativa! Mas, que isso não seja fruto somente de precaução em relação a possíveis questionamentos e ataques opositores. Porque o país demanda de acertos que sejam frutos da simbiose perfeita entre a razão e a sensibilidade mergulhadas na realidade do cenário contemporâneo.

Tanto que diversos veículos de informação e comunicação já exibem uma certa frustração e desconforto diante da baixa diversidade na composição do quadro ministerial. Infelizmente, a força do inconsciente histórico coletivo ainda se sobrepõe às demandas da transformação. Um exemplo disso está na escolha para o Ministério da Educação. Mais uma vez um homem está no topo da lista de indicação, quando estudos e mais estudos mostram como é marcado o processo de feminização docente 1 no país.

Sim, temos que considerar os efeitos deletérios causados pela má representatividade da diversidade humana dentro da sociedade brasileira. Esse comportamento fortalece uma narrativa de inacessibilidade, de inadequação, para que certos indivíduos alcancem a possibilidade legítima de ocupar esse ou aquele lugar social. Para que pessoas despertem o interesse em se dedicar a esse ou aquele assunto, investindo tempo, esforço e dedicação, há por trás um estímulo poderoso da representatividade. Na história, na trajetória de alguém socialmente semelhante, os cidadãos se sentem inspirados e legitimados a seguir aquele caminho.

Basta ver o resultado das eleições! O presidente eleito é a expressão da representatividade de milhões de brasileiros e brasileiras. Mas, isso não é tudo! Porque o Brasil de tantas desigualdades institucionalizadas historicamente precisa atenção e cuidado nas suas escolhas do staff governamental. Mais do que competência, do que articulação política, experiência, capacidade dialógica, os rostos do governo precisam ser os rostos da pluralidade humana nacional ajustados dentro de áreas que façam realmente sentido a sua escolha e que possam assim, promover o desejo de alcançar esse lugar por parte das futuras gerações.

Há um imenso equívoco em pensar na desigualdade apenas do ponto de vista socioeconômico. Não, a desigualdade transita pelo objetivo e o subjetivo dos espaços sociais. O que significa que ela está sim, no lugar de fala, na representatividade, na acessibilidade, no ir e vir. E se há a intenção de resgatar o país do seu limbo histórico para alçá-lo à afirmação de todo o seu potencial protagonista, certos aspectos não podem, em hipótese alguma, serem negligenciados.

Olhando para as conjunturas contemporâneas, penso que o tempo da retórica ficou para trás. Discursos, narrativas, palavras, tudo o que não se firmar pela autoridade das ações, pelo vigor dos valores e princípios, se perderá na fragilidade do descrédito e da desconfiança. Lembremo-nos do que dizia Walt Disney: “Para começar, pare de falar e comece a fazer”.

Pensando bem, essa é uma oportunidade de ouro, considerando o cenário de terra arrasada que recebe a atual gestão. Na medida em que será preciso reconstruir, recolocar cada coisa no seu devido lugar, há infinitas possibilidades para fazer melhor, fazer diferente. Então, parece oportuno olhar para a desigualdade e pensar a seu respeito sobre outros vieses, outras perspectivas.

Segundo o filósofo renascentista francês Michel De Montaigne, “Nunca houve no mundo duas opiniões iguais, nem dois fios de cabelo ou grãos. A qualidade mais universal é a diversidade”.  Certamente é pela diversidade, pela pluralidade humana, que constitui a sua identidade nacional, é que o Brasil poderá se reinventar para superar seus desafios de ontem, de hoje e de amanhã. Assim, pensemos a respeito!