Escolha
e Representatividade
Por
Alessandra Leles Rocha
O tempo é o senhor da justiça. O
seu movimento impõe necessariamente a revisão contínua dos paradigmas, das
convicções, das certezas. O que é hoje pode não ser mais amanhã. Daí a verdade
inconteste de que diversas práxis sociais vêm sendo questionadas e abolidas, a
fim de se constituir um mundo melhor, mais justo e mais humanitário.
Nesse sentido, é fundamental
compreender que não se trata de simplesmente seguir o fluxo das transformações,
para caber na nova sociedade que emerge; mas, de internalizar reflexivamente os
argumentos que provam e comprovam a necessidade da mudança. Não basta que as
bocas digam isso ou aquilo. É preciso que as mentes e os corações pulsem na consciência
do novo.
O governo recém-eleito manifestou
publicamente que não pode errar, que não tem o direito de errar. Ótima iniciativa!
Mas, que isso não seja fruto somente de precaução em relação a possíveis questionamentos
e ataques opositores. Porque o país demanda de acertos que sejam frutos da
simbiose perfeita entre a razão e a sensibilidade mergulhadas na realidade do
cenário contemporâneo.
Tanto que diversos veículos de
informação e comunicação já exibem uma certa frustração e desconforto diante da
baixa diversidade na composição do quadro ministerial. Infelizmente, a força do
inconsciente histórico coletivo ainda se sobrepõe às demandas da transformação.
Um exemplo disso está na escolha para o Ministério da Educação. Mais uma vez um
homem está no topo da lista de indicação, quando estudos e mais estudos mostram
como é marcado o processo de feminização docente 1
no país.
Sim, temos que considerar os
efeitos deletérios causados pela má representatividade da diversidade humana
dentro da sociedade brasileira. Esse comportamento fortalece uma narrativa de
inacessibilidade, de inadequação, para que certos indivíduos alcancem a
possibilidade legítima de ocupar esse ou aquele lugar social. Para que pessoas
despertem o interesse em se dedicar a esse ou aquele assunto, investindo tempo,
esforço e dedicação, há por trás um estímulo poderoso da representatividade. Na
história, na trajetória de alguém socialmente semelhante, os cidadãos se sentem
inspirados e legitimados a seguir aquele caminho.
Basta ver o resultado das
eleições! O presidente eleito é a expressão da representatividade de milhões de
brasileiros e brasileiras. Mas, isso não é tudo! Porque o Brasil de tantas
desigualdades institucionalizadas historicamente precisa atenção e cuidado nas
suas escolhas do staff governamental.
Mais do que competência, do que articulação política, experiência, capacidade dialógica,
os rostos do governo precisam ser os rostos da pluralidade humana nacional
ajustados dentro de áreas que façam realmente sentido a sua escolha e que
possam assim, promover o desejo de alcançar esse lugar por parte das futuras
gerações.
Há um imenso equívoco em pensar
na desigualdade apenas do ponto de vista socioeconômico. Não, a desigualdade transita
pelo objetivo e o subjetivo dos espaços sociais. O que significa que ela está
sim, no lugar de fala, na representatividade, na acessibilidade, no ir e vir. E
se há a intenção de resgatar o país do seu limbo histórico para alçá-lo à
afirmação de todo o seu potencial protagonista, certos aspectos não podem, em hipótese
alguma, serem negligenciados.
Olhando para as conjunturas contemporâneas,
penso que o tempo da retórica ficou para trás. Discursos, narrativas, palavras,
tudo o que não se firmar pela autoridade das ações, pelo vigor dos valores e princípios,
se perderá na fragilidade do descrédito e da desconfiança. Lembremo-nos do que
dizia Walt Disney: “Para começar, pare de
falar e comece a fazer”.
Pensando bem, essa é uma
oportunidade de ouro, considerando o cenário de terra arrasada que recebe a
atual gestão. Na medida em que será preciso reconstruir, recolocar cada coisa
no seu devido lugar, há infinitas possibilidades para fazer melhor, fazer
diferente. Então, parece oportuno olhar para a desigualdade e pensar a seu respeito
sobre outros vieses, outras perspectivas.
Segundo o filósofo renascentista
francês Michel De Montaigne, “Nunca houve
no mundo duas opiniões iguais, nem dois fios de cabelo ou grãos. A qualidade
mais universal é a diversidade”. Certamente
é pela diversidade, pela pluralidade humana, que constitui a sua identidade
nacional, é que o Brasil poderá se reinventar para superar seus desafios de
ontem, de hoje e de amanhã. Assim, pensemos a respeito!