O
silêncio e a busca do triunfo do ego
Por
Alessandra Leles Rocha
Veículos de informação e
comunicação tentam interpretar o silêncio do ainda presidente brasileiro, após
a eleição, como uma estratégia tanto de mobilização dos seus apoiadores quanto de
uma possível consolidação como liderança da ultradireita nacional. De certo
modo essas hipóteses fazem algum sentido; mas, como em tudo na vida, há uma
dose de relativismo que não pode ser desconsiderada.
Esse é um caso típico em que nem
o querer e nem o poder detém o controle da situação. A representatividade e a influência
de um ser humano estão intimamente atreladas ao seu próprio desempenho no curso
da sua história. Trata-se, portanto, de um trabalho de construção contínuo e
hábil para cometer o mínimo de erros, de equívocos, de enganos possíveis. Muitas
vezes, muito mais instintivo e inconsciente, do que necessariamente premeditado
e calculado. De repente, acontece. Daí a obviedade de que alguns nasceram para
brilhar e outros não.
E em campos de grande projeção e
visibilidade, como é o caso da política, o tempo tem uma influência avassaladora
no sentido de decantar o peso da presença de seus partícipes, lançando muitos a
mais completa insignificância ou ao mais absoluto ostracismo. Ninguém fala a
respeito. Ninguém se recorda. Ninguém clama pela presença. Ninguém declama possíveis
feitos gloriosos. Enfim... São indivíduos que não conseguem, portanto, se
desvencilhar da sua genuína falta de exuberância e carisma
político-diplomático. O que significa que tenderão a ser figurantes dos coadjuvantes
ao longo de toda a história.
Assim, o fato de o movimento da
ultradireita ter adquirido certa força nas últimas décadas e buscado se
disseminar globalmente, isso não significa necessariamente que tenha em seus
quadros indivíduos dotados de um perfil definitivamente marcante. Afinal,
observando daqui e dali o que é possível apurar é que a maioria deles fala
diretamente às suas bolhas. Eles não conseguem ampliar as fronteiras dos seus
discursos e narrativas a tal ponto de capturar e de persuadir outros nichos
sociais, o que limita sobremaneira a pujança do seu ideário político-partidário.
Algo que explica, por exemplo, o
arrefecimento dos impulsos ultradireitistas. Eles são rápidos em inflamar seus
apoiadores, mas incapazes de sustentar a chama por muito tempo. Porque as próprias
lideranças não contam com o apelo de figuras que arrebatem a popularidade sem
grandes dificuldades. No fundo, a mitificação a elas atribuídas é muito rasa,
muito inconsistente, dada a sua própria fragilidade de personificação e de performance
da liderança. Se elas carecem de estilo, isso pouco importa, o pior está na falta
de preparo, de conhecimento, de habilidade, de competência, para a investidura
de posições de destaque e poder. Esse é o ponto nevrálgico que lhes compromete
qualquer expectativa de sucesso.
E essas figuras, ainda que não
admitam publicamente, reconhecem muito bem a sua identidade, as suas limitações
e onde falham na sua trajetória. Elas sabem determinar onde excederam os
limites, onde apostaram alto demais. Talvez, isso explique, em parte, as razões
de o ainda presidente brasileiro estar recolhido no palácio, desde o dia da
eleição, alheio às responsabilidades e obrigações que o cargo maior do país lhe
exige. A derrota na tentativa de reeleição, por si só, desconstruiu a ideia da
sua possível consolidação como liderança da ultradireita nacional, mesmo tendo
tido nas mãos a máquina pública a seu favor, em uma franca ruptura com a
isonomia entre os candidatos concorrentes.
O que se vê agora, portanto, é a
dificuldade de explicar, de justificar, de encontrar uma narrativa que impeça o
esgarçamento completo das suas intenções político-partidárias. E enquanto ele
não consegue encontrá-la, ele se vale da manipulação ideológica de um contingente
minimamente aliado. Na verdade, indivíduos que não tardarão a ser engolidos
pelas próprias conjunturas da dinâmica cotidiana, que é pouco afável e paciente
em relação a comportamentos desajustados da realidade.
Quando começarem a sentir o peso
do custo da manutenção dos atos antidemocráticos, que colocaram em curso,
diante de um flagrante insucesso eles tenderão a recolher âncoras, a se
reacomodar ao dia a dia normal. Quem sabe até, se permitindo sentir um pouco de
raiva e de desaprovação à própria mitificação que se permitiram nutrir nesse
processo. O que faz encolher quaisquer pretensões de apoio.
Vejam o recente exemplo das
eleições de meio de mandato nos EUA, em que se esperava uma onda republicana
varrendo o país e isso não aconteceu, ou seja, o ex-presidente Donald Trump falhou
na sua possível consolidação como liderança da ultradireita norte-americana,
desequilibrando as forças dentro do partido republicano 1.
Vejam, também, a situação de fragilidade em que a Rússia se colocou, nesse
momento, na guerra imposta à Ucrânia 2.
Toda a convicção do presidente russo de que conseguiria produzir uma guerra de
curta duração e com amplo sucesso, devido ao seu poderio bélico inquestionável,
agora, exibe o seu capítulo mais humilhante e constrangedor.
Portanto, basta olhar pela janela
o movimento do mundo, da sua geopolítica, dos seus interesses, das suas
demandas, para perceber que a realidade é muito mais forte do que a idealização.
Como escreveu José Saramago, “Há de ter o
máximo de cuidado com aquilo que se julga saber, porque por detrás se encontra
escondida uma cadeia interminável de incógnitas, a última das quais, provavelmente,
não terá solução” (Ensaio sobre a Lucidez, 2004), ou seja, a quantidade de variáveis
que se multiplicam alterando o panorama de certezas, é incomensurável e, muitas
vezes, impossível de ser contornado ou impedido.
Sem esse entendimento, a tendência
é que muitos se percam no labirinto da própria imaginação e se sufoquem na ânsia
de encontrar a saída que lhes satisfaça os desejos. Afinal, não há saída,
porque não há labirinto. Tudo não passa de devaneio, sem qualquer substrato de
realidade. Assim, “temei os profetas e
aqueles que estão dispostos a morrer pela verdade, pois, em geral, farão morrer
muitos outros juntamente com eles, frequentemente antes deles, por vezes no
lugar deles” (Umberto Eco – O Nome da Rosa, 1980).