sábado, 12 de novembro de 2022

O silêncio e a busca do triunfo do ego


O silêncio e a busca do triunfo do ego

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Veículos de informação e comunicação tentam interpretar o silêncio do ainda presidente brasileiro, após a eleição, como uma estratégia tanto de mobilização dos seus apoiadores quanto de uma possível consolidação como liderança da ultradireita nacional. De certo modo essas hipóteses fazem algum sentido; mas, como em tudo na vida, há uma dose de relativismo que não pode ser desconsiderada.

Esse é um caso típico em que nem o querer e nem o poder detém o controle da situação. A representatividade e a influência de um ser humano estão intimamente atreladas ao seu próprio desempenho no curso da sua história. Trata-se, portanto, de um trabalho de construção contínuo e hábil para cometer o mínimo de erros, de equívocos, de enganos possíveis. Muitas vezes, muito mais instintivo e inconsciente, do que necessariamente premeditado e calculado. De repente, acontece. Daí a obviedade de que alguns nasceram para brilhar e outros não.

E em campos de grande projeção e visibilidade, como é o caso da política, o tempo tem uma influência avassaladora no sentido de decantar o peso da presença de seus partícipes, lançando muitos a mais completa insignificância ou ao mais absoluto ostracismo. Ninguém fala a respeito. Ninguém se recorda. Ninguém clama pela presença. Ninguém declama possíveis feitos gloriosos. Enfim... São indivíduos que não conseguem, portanto, se desvencilhar da sua genuína falta de exuberância e carisma político-diplomático. O que significa que tenderão a ser figurantes dos coadjuvantes ao longo de toda a história.

Assim, o fato de o movimento da ultradireita ter adquirido certa força nas últimas décadas e buscado se disseminar globalmente, isso não significa necessariamente que tenha em seus quadros indivíduos dotados de um perfil definitivamente marcante. Afinal, observando daqui e dali o que é possível apurar é que a maioria deles fala diretamente às suas bolhas. Eles não conseguem ampliar as fronteiras dos seus discursos e narrativas a tal ponto de capturar e de persuadir outros nichos sociais, o que limita sobremaneira a pujança do seu ideário político-partidário.

Algo que explica, por exemplo, o arrefecimento dos impulsos ultradireitistas. Eles são rápidos em inflamar seus apoiadores, mas incapazes de sustentar a chama por muito tempo. Porque as próprias lideranças não contam com o apelo de figuras que arrebatem a popularidade sem grandes dificuldades. No fundo, a mitificação a elas atribuídas é muito rasa, muito inconsistente, dada a sua própria fragilidade de personificação e de performance da liderança. Se elas carecem de estilo, isso pouco importa, o pior está na falta de preparo, de conhecimento, de habilidade, de competência, para a investidura de posições de destaque e poder. Esse é o ponto nevrálgico que lhes compromete qualquer expectativa de sucesso.

E essas figuras, ainda que não admitam publicamente, reconhecem muito bem a sua identidade, as suas limitações e onde falham na sua trajetória. Elas sabem determinar onde excederam os limites, onde apostaram alto demais. Talvez, isso explique, em parte, as razões de o ainda presidente brasileiro estar recolhido no palácio, desde o dia da eleição, alheio às responsabilidades e obrigações que o cargo maior do país lhe exige. A derrota na tentativa de reeleição, por si só, desconstruiu a ideia da sua possível consolidação como liderança da ultradireita nacional, mesmo tendo tido nas mãos a máquina pública a seu favor, em uma franca ruptura com a isonomia entre os candidatos concorrentes.

O que se vê agora, portanto, é a dificuldade de explicar, de justificar, de encontrar uma narrativa que impeça o esgarçamento completo das suas intenções político-partidárias. E enquanto ele não consegue encontrá-la, ele se vale da manipulação ideológica de um contingente minimamente aliado. Na verdade, indivíduos que não tardarão a ser engolidos pelas próprias conjunturas da dinâmica cotidiana, que é pouco afável e paciente em relação a comportamentos desajustados da realidade.

Quando começarem a sentir o peso do custo da manutenção dos atos antidemocráticos, que colocaram em curso, diante de um flagrante insucesso eles tenderão a recolher âncoras, a se reacomodar ao dia a dia normal. Quem sabe até, se permitindo sentir um pouco de raiva e de desaprovação à própria mitificação que se permitiram nutrir nesse processo. O que faz encolher quaisquer pretensões de apoio.

Vejam o recente exemplo das eleições de meio de mandato nos EUA, em que se esperava uma onda republicana varrendo o país e isso não aconteceu, ou seja, o ex-presidente Donald Trump falhou na sua possível consolidação como liderança da ultradireita norte-americana, desequilibrando as forças dentro do partido republicano 1. Vejam, também, a situação de fragilidade em que a Rússia se colocou, nesse momento, na guerra imposta à Ucrânia 2. Toda a convicção do presidente russo de que conseguiria produzir uma guerra de curta duração e com amplo sucesso, devido ao seu poderio bélico inquestionável, agora, exibe o seu capítulo mais humilhante e constrangedor.

Portanto, basta olhar pela janela o movimento do mundo, da sua geopolítica, dos seus interesses, das suas demandas, para perceber que a realidade é muito mais forte do que a idealização. Como escreveu José Saramago, “Há de ter o máximo de cuidado com aquilo que se julga saber, porque por detrás se encontra escondida uma cadeia interminável de incógnitas, a última das quais, provavelmente, não terá solução” (Ensaio sobre a Lucidez, 2004), ou seja, a quantidade de variáveis que se multiplicam alterando o panorama de certezas, é incomensurável e, muitas vezes, impossível de ser contornado ou impedido.

Sem esse entendimento, a tendência é que muitos se percam no labirinto da própria imaginação e se sufoquem na ânsia de encontrar a saída que lhes satisfaça os desejos. Afinal, não há saída, porque não há labirinto. Tudo não passa de devaneio, sem qualquer substrato de realidade. Assim, “temei os profetas e aqueles que estão dispostos a morrer pela verdade, pois, em geral, farão morrer muitos outros juntamente com eles, frequentemente antes deles, por vezes no lugar deles” (Umberto Eco – O Nome da Rosa, 1980).