Até
quando???
Por
Alessandra Leles Rocha
Dentre tantas surpresas causadas
pela Pandemia uma das mais emblemáticas foi, sem dúvida alguma, o comportamento
humano diante da situação. A velha máxima do instinto de sobrevivência sucumbiu
frente aos anseios da liberdade contemporânea. Valendo-se do negacionismo
científico, embalado pelas Fake News e Teorias Conspiratórias circulantes pelo
mundo, milhares de pessoas se abstiveram das práticas sanitárias de prevenção e
se permitiram coexistir com o vírus apesar de todos os riscos.
E lá se vão três anos de idas e
vindas do Sars-Cov-2 e suas variantes, sem que o planeta possa finalmente dizer
que a Pandemia chegou ao fim. Culpa do vírus? Culpa da humanidade? Culpa das
políticas sanitárias? Esta não é uma questão que caiba eleger esse ou aquele
culpado. Fomos pegos pelo imponderável e o modo como lidamos com as circunstâncias
a respeito é que traçaram o panorama até o momento. É nisso, portanto, que se
concentra o x do problema.
Então, observando as repercussões
em torno da notícia de que “Manifestantes
na China protestam contra lockdown e política de ‘Covid zero’” 1, considerei oportuno trazer à tona
alguns pontos para a reflexão. Antes de tudo, quero ressaltar que, no caso da
China, é importante considerar que a insatisfação não decorre necessariamente
da presença do vírus; mas, da existência de velhos anseios de liberdade
adormecidos pelo contexto autoritário do regime político vigente por lá. Assim,
os ruídos e as tensões oriundas da China trazem um componente a mais para o
processo que está em curso.
Acontece que, mundo afora, nesses
longos e extenuantes três anos, os países vêm padecendo com um contínuo movimento
de novas variantes do Sars-Cov-2, que lhes exigem medidas sanitárias importantes
para sua contenção. De modo que é inevitável que exista um cansaço físico,
moral e mental da população quanto às práxis que se fazem necessárias. No
entanto, embora essa seja uma constatação aceitável, ela não sintetiza a
complexidade desse processo. Me parece evidente que o negacionismo científico, as
Fake News e as Teorias Conspiratórias circulantes pelo mundo atuaram muito além
dos impactos visíveis.
Digo isso, porque percebo uma
clara dissociação lógica da dinâmica pandêmica. É certo que vírus, bactérias e
outros agentes infectocontagiosos estão, por aí, aos milhares. Alguns conhecidos,
outros não. Alguns tratáveis, outros não. Alguns com vacinas para prevenção de
efeitos severos e graves, outros não. Portanto, a linha de partida nessa
corrida contra a Pandemia está nas práticas sanitárias de prevenção. Achando bom
ou ruim, é aí que começa o verdadeiro enfrentamento da doença!
Contudo, não foi exatamente isso
o que aconteceu até aqui. Na medida em que cada país operacionalizou as suas próprias
estratégias de contenção da Pandemia, o vírus permaneceu livremente circulante
ao redor do mundo globalizado. E nessas condições, ele fatalmente se permite
usar do seu sistema de mutação para sobreviver, adequando-se às novas
conjunturas ambientais. De modo que a desigualdade na oferta de imunizantes, no
processo de vacinação, na disponibilização de máscaras, no acesso ao saneamento
básico para higienização correta das mãos, nos serviços médico-hospitalares,
tudo isso vem interferindo de maneira direta nas idas e vindas da COVID-19.
São 8 bilhões de seres humanos sobre
a Terra, distribuídos de maneira irregular, mas potencialmente afetados pelos
movimentos de deslocamento voluntário ou obrigatório. Portanto, realidades socioeconômicas
e culturais completamente diferentes transitam entre si e possibilitam, também,
o compartilhamento involuntário de inúmeras doenças. Isso significa que é um
enorme engano acreditar que o fato de seu país lhe proporcionar certas regalias
e privilégios significa uma blindagem contra todos os males que circulam no
planeta. Esopo, quando contava a fábula “A
Ratoeira”, não errou em tentar nos alertar de que “O problema de um é problema de todos” 2.
O que a China e o mundo precisam,
urgentemente, entender é que a Pandemia exige uma solução conjunta, de ação
conjunta. Caso contrário, continuaremos a andar em círculos de arrefecimento e
recrudescimento do Sars-Cov-2 e suas variantes, e isso tem um preço alto
demais. Com impactos diretos sobre a produção, o consumo, o comércio exterior, a
diplomacia, a educação, o agronegócio, a ciência, a tecnologia, enfim. A postergação
pode significar um agravamento consistente daquilo que já tem sido possível
aferir nesses três últimos anos.
É hora de desconstruir os
paradigmas, de refazer as estratégias, de olhar além do visível. Por enquanto,
o inimigo da vez parece ser o vírus Sars-Cov-2; embora, já circulem também a
Varíola dos Macacos (monkeypox), o Morbillivirus (Sarampo), a Poliovírus (Poliomielite
ou Paralisia Infantil), a Dengue, ... De modo que a qualquer momento, outros
desconhecidos podem dar o ar da graça! E aí, como a humanidade conduzirá as
novas emergências sanitárias, as novas epidemias? Como vai equilibrar os pratos
dos interesses político-econômicos? Como vai sustentar o desenvolvimento e o
progresso em meio às tensões? ...
Espero que as respostas para
essas e tantas outras perguntas não tardem a emergir. Não gostaria de ter que
concordar com Albert Camus, quando escreveu que “Houve no mundo igual número de pestes e de guerras. E contudo, as
pestes, assim como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente
desprevenidas” (A peste, 1947).
Afinal, isso significa que “a pior cegueira é a mental, que faz com que
não reconheçamos o que temos pela frente”. Aliás, não é à toa que “Estamos a destruir o planeta e o egoísmo de
cada geração não se preocupa em perguntar como é que vão viver os que virão depois.
A única coisa que importa é o triunfo do agora” (José Saramago – Ensaio sobre a
Cegueira, 1995).