segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Até quando???


Até quando???

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Dentre tantas surpresas causadas pela Pandemia uma das mais emblemáticas foi, sem dúvida alguma, o comportamento humano diante da situação. A velha máxima do instinto de sobrevivência sucumbiu frente aos anseios da liberdade contemporânea. Valendo-se do negacionismo científico, embalado pelas Fake News e Teorias Conspiratórias circulantes pelo mundo, milhares de pessoas se abstiveram das práticas sanitárias de prevenção e se permitiram coexistir com o vírus apesar de todos os riscos.

E lá se vão três anos de idas e vindas do Sars-Cov-2 e suas variantes, sem que o planeta possa finalmente dizer que a Pandemia chegou ao fim. Culpa do vírus? Culpa da humanidade? Culpa das políticas sanitárias? Esta não é uma questão que caiba eleger esse ou aquele culpado. Fomos pegos pelo imponderável e o modo como lidamos com as circunstâncias a respeito é que traçaram o panorama até o momento. É nisso, portanto, que se concentra o x do problema.

Então, observando as repercussões em torno da notícia de que “Manifestantes na China protestam contra lockdown e política de ‘Covid zero’” 1, considerei oportuno trazer à tona alguns pontos para a reflexão. Antes de tudo, quero ressaltar que, no caso da China, é importante considerar que a insatisfação não decorre necessariamente da presença do vírus; mas, da existência de velhos anseios de liberdade adormecidos pelo contexto autoritário do regime político vigente por lá. Assim, os ruídos e as tensões oriundas da China trazem um componente a mais para o processo que está em curso.

Acontece que, mundo afora, nesses longos e extenuantes três anos, os países vêm padecendo com um contínuo movimento de novas variantes do Sars-Cov-2, que lhes exigem medidas sanitárias importantes para sua contenção. De modo que é inevitável que exista um cansaço físico, moral e mental da população quanto às práxis que se fazem necessárias. No entanto, embora essa seja uma constatação aceitável, ela não sintetiza a complexidade desse processo. Me parece evidente que o negacionismo científico, as Fake News e as Teorias Conspiratórias circulantes pelo mundo atuaram muito além dos impactos visíveis.

Digo isso, porque percebo uma clara dissociação lógica da dinâmica pandêmica. É certo que vírus, bactérias e outros agentes infectocontagiosos estão, por aí, aos milhares. Alguns conhecidos, outros não. Alguns tratáveis, outros não. Alguns com vacinas para prevenção de efeitos severos e graves, outros não. Portanto, a linha de partida nessa corrida contra a Pandemia está nas práticas sanitárias de prevenção. Achando bom ou ruim, é aí que começa o verdadeiro enfrentamento da doença!

Contudo, não foi exatamente isso o que aconteceu até aqui. Na medida em que cada país operacionalizou as suas próprias estratégias de contenção da Pandemia, o vírus permaneceu livremente circulante ao redor do mundo globalizado. E nessas condições, ele fatalmente se permite usar do seu sistema de mutação para sobreviver, adequando-se às novas conjunturas ambientais. De modo que a desigualdade na oferta de imunizantes, no processo de vacinação, na disponibilização de máscaras, no acesso ao saneamento básico para higienização correta das mãos, nos serviços médico-hospitalares, tudo isso vem interferindo de maneira direta nas idas e vindas da COVID-19.

São 8 bilhões de seres humanos sobre a Terra, distribuídos de maneira irregular, mas potencialmente afetados pelos movimentos de deslocamento voluntário ou obrigatório. Portanto, realidades socioeconômicas e culturais completamente diferentes transitam entre si e possibilitam, também, o compartilhamento involuntário de inúmeras doenças. Isso significa que é um enorme engano acreditar que o fato de seu país lhe proporcionar certas regalias e privilégios significa uma blindagem contra todos os males que circulam no planeta. Esopo, quando contava a fábula “A Ratoeira”, não errou em tentar nos alertar de que “O problema de um é problema de todos” 2.

O que a China e o mundo precisam, urgentemente, entender é que a Pandemia exige uma solução conjunta, de ação conjunta. Caso contrário, continuaremos a andar em círculos de arrefecimento e recrudescimento do Sars-Cov-2 e suas variantes, e isso tem um preço alto demais. Com impactos diretos sobre a produção, o consumo, o comércio exterior, a diplomacia, a educação, o agronegócio, a ciência, a tecnologia, enfim. A postergação pode significar um agravamento consistente daquilo que já tem sido possível aferir nesses três últimos anos.

É hora de desconstruir os paradigmas, de refazer as estratégias, de olhar além do visível. Por enquanto, o inimigo da vez parece ser o vírus Sars-Cov-2; embora, já circulem também a Varíola dos Macacos (monkeypox), o Morbillivirus (Sarampo), a Poliovírus (Poliomielite ou Paralisia Infantil), a Dengue, ... De modo que a qualquer momento, outros desconhecidos podem dar o ar da graça! E aí, como a humanidade conduzirá as novas emergências sanitárias, as novas epidemias? Como vai equilibrar os pratos dos interesses político-econômicos? Como vai sustentar o desenvolvimento e o progresso em meio às tensões? ...

Espero que as respostas para essas e tantas outras perguntas não tardem a emergir. Não gostaria de ter que concordar com Albert Camus, quando escreveu que “Houve no mundo igual número de pestes e de guerras. E contudo, as pestes, assim como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas” (A peste, 1947).

Afinal, isso significa que “a pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos pela frente”. Aliás, não é à toa que “Estamos a destruir o planeta e o egoísmo de cada geração não se preocupa em perguntar como é que vão viver os que virão depois. A única coisa que importa é o triunfo do agora” (José Saramago – Ensaio sobre a Cegueira, 1995).