domingo, 27 de novembro de 2022

Ainda bem que existe o Futebol!


Ainda bem que existe o Futebol!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Depois de quatro anos que reviraram a história da humanidade de cabeça para baixo, eis que a Copa do Mundo acontece para atenuar os impactos. Me reservo, então, ao direito de escrever e olhar para esse grande evento a margem das entrelinhas dos interesses político-econômicos, dos abusos sociais, dos extremismos culturais, do estrelismo que ronda certas personalidades dos gramados.

Decidi tentar resgatar no baú das minhas memórias o sentimento que me embalou na infância, durante a Copa do Mundo da Espanha, em 1982. Aquele encanto mágico que brotava da plasticidade dos movimentos, das jogadas que pareciam pura perfeição genial, da alegria que se espalhava feito rastilho de pólvora pela cidade.

Se alguns torciam o nariz por considerar aquela seleção brasileira abaixo da fenomenal seleção de 70, eu não me importava. Ora, em 1970 eu nem era nascida! Eu não tinha referência para fazer qualquer juízo de valor a respeito. Então, era por Zico, Sócrates, Falcão, Júnior, Éder Aleixo e companhia que meus olhos ficavam fixos na tela da TV, enquanto o coração acelerava de euforia.  

Em uma época em que meninas se restringiam a meras torcedoras da Seleção Brasileira Masculina de Futebol, porque esse não era um esporte para elas, sendo neta única dos meus avós maternos, meu avô, então, teve que se contentar com a minha companhia durante os jogos e dedicar sua paciência e atenção para me ensinar as regras do futebol. Foi bom demais! Fui muita privilegiada por poder aprender com ele e dali adiante podermos rir e comentarmos juntos muitos jogos.

Certas lições desse tempo eu não esqueço de jeito algum. Meu avô dizia que futebol, enquanto esporte coletivo, precisava de uma boa equipe, consistente, coesa, preparada. Afinal, no esporte por equipe, quase sempre, o emprego da força acaba ocasionando muitas lesões e deixando muita gente fora de combate. Então, essa história de se fiar nos prodígios da vida, como foram Pelé e Garrincha, por exemplo, era um erro. O time tinha sempre que ter cartas na manga, para quaisquer eventualidades.

Daí essa história de reservas ser uma grande bobagem. Escolhem-se os melhores. Preparam-se os melhores. E aí se tem uma equipe em ponto de bala. Uma combinação técnica e tática, a partir de 26 jogadores selecionados, para que 11 deem o pontapé inicial em cada partida. Assim, cada jogo tem a sua história marcada pelo talento individual e coletivo dos que entraram em campo. Se vai ser vitória ou derrota, cabe somente aos Deuses do Futebol a resposta! Não é à toa que, de vez em quando, as zebras do futebol cortam os gramados!

O bacana é que, enquanto nos distraímos com esse movimento frenético e hipnotizante, nos permitimos curar a alma. É! Mesmo que ao final dos 90 minutos, o resultado não seja do nosso agrado, a essência da vida parece repousar segura dentro de nós. Como se, de repente, estivéssemos mais leves, mais etéreos, por estarmos preenchidos de graça e de diversão. Nada nos desconforta, nos amedronta, nos aflige, nos consome. A vida entra num estado mágico de satisfação!

Eu sei que é só uma impressão; mas, ela é necessária! Na verdade, ela é fundamental para a nossa sanidade mental. Enquanto nos permitimos viver o futebol dessa maneira, baixamos a guarda, relaxamos o corpo, apaziguamos a alma, nos colocamos fora dos combates intensos e cruéis da vida. Por 90 minutos voltamos a ser humanos novamente. Rimos. Choramos. Gritamos. Suspiramos. Explodimos de entusiasmo emocionado. Falamos sobre coisas simples, quiçá desimportantes.

Pois é, Nelson Rodrigues tinha mesmo razão, “Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola”. Ainda que o mundo não tenha parado de rodopiar, nem os problemas de existir, o futebol nos permite ver a vida de uma outra perspectiva. Paradoxalmente, o frenesi dos gramados contrasta a desaceleração involuntária que age sobre nós. Como se tudo pudesse esperar. Como se houvesse espaço apenas para ser feliz. Como se naquela bola coubesse o mundo com todos os seus mistérios, suas aventuras e desventuras.

Assim, cada gol é a catarse da nossa humanidade. Cada gol é a explosão do que há de melhor em nós.  No verde dos gramados, somos iguais, somos apenas gente, de carne, osso e emoção. Não precisamos de raça, de credo, de gênero, de status, de nada. Apenas daquela aura sublime, que transcende os corpos dos desportistas e penetra em nós sem pedir licença, agigantando o nosso espírito frágil e infantil.