O
Brasil à beira do ponto de não retorno
da Educação
Por
Alessandra Leles Rocha
Refletir sobre a educação
brasileira é sempre desafiador; pois, como muito bem apontou Darcy Ribeiro, “A crise da educação no Brasil não é uma
crise; é um projeto”. Afinal, ela não perpassa somente pelos atores principais
– alunos, professores, instituições de ensino, entes da federação, governo
federal –; mas, por toda a população, a qual sem se dar conta, na maioria do
tempo, se esquece de que depende das políticas educacionais o desenvolvimento e
o progresso nacional. Portanto, se elas vão mal ou inexistem, como manter a dinâmica
do país nos trilhos, hein?
Apesar de este não ser um tratado
de Educação, apenas um convite à reflexão, entre tantas camadas a serem
devidamente dissecadas, decidi eleger uma, considerando que sem ela não há ensino-aprendizagem
sob nenhuma forma, ou seja, os (as) professores (as). Não é de hoje que a busca
pela docência perde espaço no rol das profissões. Desvalorização, desqualificação, humilhação, ingerências
externas e violências são algumas das causas desse abandono das salas de aula. Há
de se convir que esse não deve ser o contexto atraente para ninguém que tenha
se dedicado anos a fio se preparando para atuar profissionalmente.
Ser professor (a), no Brasil, se
transformou em profissão de risco! De altíssimo risco! Não só pelo adoecimento
provocado por um estresse sem fim; mas, pelas incertezas impostas pela
brutalidade cotidiana que adentrou os muros da escola. O círculo vicioso gerado
pela tríade deseducação, violência e desigualdades sociais rompeu as fronteiras
das vias urbanas para invadir todos os espaços sociais. Portanto, o que era um
templo de aprendizado, de conhecimento, de sabedoria, hoje é só mais um lugar inseguro
para estar.
Esse é o ponto de partida que
deveria nos preocupar a todos, bem antes de pensarmos sobre as lacunas
geracionais de aprendizagem, causadas pelos recentes impactos da Pandemia de
COVID-19, na medida em que ele está por trás de tantas deficiências, ineficiências
e insuficiências educacionais, no Brasil. Por trás da desmotivação, da
reprovação contínua, da evasão, do abandono escolar, sempre houve um traço bem
marcado desse círculo vicioso; embora, autoridades e população se abstivessem em
admitir.
Negligência, invisibilização, postergação
de medidas, má gestão de recursos, ... daqui e dali sempre se buscou uma
alternativa para não avançar na solução dessas questões, como se elas pudessem
caber ajustadas sob os tapetes da burocracia nacional. Mas, não cabem. Simplesmente,
porque na essência delas estão seres humanos, cujas demandas e urgências têm
uma tendência explosiva natural, quando mal administradas. Mas, a pergunta a se
fazer é por quê deixaram as conjunturas transitarem assim?
Queiram ou não admitir, a
Educação, no Brasil, sempre esteve na condição de fronteira social. Coisa de
rico. Coisa de quem pode pagar. Demorou muito, décadas e décadas, para que finalmente
ela alcançasse a universalização social, tendo em vista o ranço colonial que
instituiu no país uma desigualdade, quase que, intransponível. Por conta desse
ranço, a conquista da universalização social da Educação se deparou, então, com
a flagrante assimetria entre o ensino público e o privado. O que significa que
a igualdade e a equidade educacional no país não existem de fato e de direito,
de modo que o ensino-aprendizagem não garante a todos os cidadãos a mesma formação
quantitativa e qualitativa, por razões diversas e complexas da própria configuração
nacional.
Diante desse cenário, daqui e
dali o que se pode ver acontecer na educação brasileira foi uma avalanche de
discursos, narrativas e práxis, oriundos da classe dominante nacional, que
tiveram como único objetivo obstaculizar e precarizar o ensino das camadas mais
vulneráveis e desassistidas da população. Sem perceberem que esse movimento
cruel e errático criava legiões de pessoas desqualificadas tanto para o
exercício profissional quanto da sua própria cidadania. Quem nunca ouviu dizer,
por aí, sobre a falta de mão de obra qualificada, hein?
Mas, isso não parece causar
quaisquer desconfortos para a sociedade brasileira. Ora, esses abismos educacionais
favorecem ao imobilismo social, garantindo regalias e privilégios para uns em
detrimento de outros. A fragilidade educacional funciona como um argumento plausível,
por exemplo, para a precarização do trabalho, para os baixos salários, para a
inacessibilidade de melhores oportunidades. Assim, os últimos quatro anos de
uma política nacional de ultradireita mostraram toda a sua radicalização em conduzir
a Educação para os braços da iniciativa privada e ajustá-la dentro de um modelo
ideológico fundamentalista, a fim de atender ao controle social por parte do
governo.
Para isso, o ensino público, em
todos os níveis, padeceu com cortes orçamentários severos. Docentes perderam a
sua autonomia didático-pedagógica em razão de ameaças e ingerências externas,
que lhes causaram, em muitos casos, demissões sumárias 1.
Alunos ficaram sem aulas por insuficiência de professores para lecionar. Enfim...
O que é importante foi desconsiderado para que desimportâncias alheias se
tornassem o centro da discussão.
Não é à toa, então, que estamos
presenciando no país, neste momento, um conjunto de práticas antidemocráticas e
ilegais. Não se trata apenas de bloqueios em rodovias, obstruções ao direito de
ir e vir, atentados contra a Constituição Federal de 1988 e demais instrumentos
legais, ameaças contra instituições e pessoas. Esses atos têm uma linguagem simbólica
de legitimação para o desrespeito, para a ruptura com a educação, a civilidade
e a legalidade no país, para a perda total do sentido de coletividade. Uns e
outros estão certos de que dispõe de alguma prerrogativa absurda para agirem
segundo as suas próprias crenças, valores e convicções em total prejuízo aos
demais.
Portanto, se atentem a seguinte
notícia, “Ataque em escolas deixa três mortos
e 13 feridos em Aracruz, no ES” 2.
Lamento, mas esse não foi o primeiro e, certamente, não será o último caso a
acontecer no país, se não houver uma reflexão e uma desconstrução paradigmática
profunda em relação à Educação brasileira. Caso contrário, muito antes do que
se possa imaginar, o Brasil terá encontrado o seu “ponto de não retorno” para a educação. E o preço dessa incapacidade
de reversão dos problemas será cobrado de diferentes formas, conteúdos e intensidades
ao longo das futuras gerações. Afinal, o círculo vicioso gerado pela tríade deseducação,
violência e desigualdades sociais não mata somente indivíduos, mata a
sociedade, mata o país. Pense a respeito!