sexta-feira, 25 de novembro de 2022

O Brasil à beira do "ponto de não retorno" da Educação


O Brasil à beira do ponto de não retorno da Educação

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Refletir sobre a educação brasileira é sempre desafiador; pois, como muito bem apontou Darcy Ribeiro, “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”. Afinal, ela não perpassa somente pelos atores principais – alunos, professores, instituições de ensino, entes da federação, governo federal –; mas, por toda a população, a qual sem se dar conta, na maioria do tempo, se esquece de que depende das políticas educacionais o desenvolvimento e o progresso nacional. Portanto, se elas vão mal ou inexistem, como manter a dinâmica do país nos trilhos, hein?

Apesar de este não ser um tratado de Educação, apenas um convite à reflexão, entre tantas camadas a serem devidamente dissecadas, decidi eleger uma, considerando que sem ela não há ensino-aprendizagem sob nenhuma forma, ou seja, os (as) professores (as). Não é de hoje que a busca pela docência perde espaço no rol das profissões.  Desvalorização, desqualificação, humilhação, ingerências externas e violências são algumas das causas desse abandono das salas de aula. Há de se convir que esse não deve ser o contexto atraente para ninguém que tenha se dedicado anos a fio se preparando para atuar profissionalmente.

Ser professor (a), no Brasil, se transformou em profissão de risco! De altíssimo risco! Não só pelo adoecimento provocado por um estresse sem fim; mas, pelas incertezas impostas pela brutalidade cotidiana que adentrou os muros da escola. O círculo vicioso gerado pela tríade deseducação, violência e desigualdades sociais rompeu as fronteiras das vias urbanas para invadir todos os espaços sociais. Portanto, o que era um templo de aprendizado, de conhecimento, de sabedoria, hoje é só mais um lugar inseguro para estar.

Esse é o ponto de partida que deveria nos preocupar a todos, bem antes de pensarmos sobre as lacunas geracionais de aprendizagem, causadas pelos recentes impactos da Pandemia de COVID-19, na medida em que ele está por trás de tantas deficiências, ineficiências e insuficiências educacionais, no Brasil. Por trás da desmotivação, da reprovação contínua, da evasão, do abandono escolar, sempre houve um traço bem marcado desse círculo vicioso; embora, autoridades e população se abstivessem em admitir.

Negligência, invisibilização, postergação de medidas, má gestão de recursos, ... daqui e dali sempre se buscou uma alternativa para não avançar na solução dessas questões, como se elas pudessem caber ajustadas sob os tapetes da burocracia nacional. Mas, não cabem. Simplesmente, porque na essência delas estão seres humanos, cujas demandas e urgências têm uma tendência explosiva natural, quando mal administradas. Mas, a pergunta a se fazer é por quê deixaram as conjunturas transitarem assim?

Queiram ou não admitir, a Educação, no Brasil, sempre esteve na condição de fronteira social. Coisa de rico. Coisa de quem pode pagar. Demorou muito, décadas e décadas, para que finalmente ela alcançasse a universalização social, tendo em vista o ranço colonial que instituiu no país uma desigualdade, quase que, intransponível. Por conta desse ranço, a conquista da universalização social da Educação se deparou, então, com a flagrante assimetria entre o ensino público e o privado. O que significa que a igualdade e a equidade educacional no país não existem de fato e de direito, de modo que o ensino-aprendizagem não garante a todos os cidadãos a mesma formação quantitativa e qualitativa, por razões diversas e complexas da própria configuração nacional.

Diante desse cenário, daqui e dali o que se pode ver acontecer na educação brasileira foi uma avalanche de discursos, narrativas e práxis, oriundos da classe dominante nacional, que tiveram como único objetivo obstaculizar e precarizar o ensino das camadas mais vulneráveis e desassistidas da população. Sem perceberem que esse movimento cruel e errático criava legiões de pessoas desqualificadas tanto para o exercício profissional quanto da sua própria cidadania. Quem nunca ouviu dizer, por aí, sobre a falta de mão de obra qualificada, hein?

Mas, isso não parece causar quaisquer desconfortos para a sociedade brasileira. Ora, esses abismos educacionais favorecem ao imobilismo social, garantindo regalias e privilégios para uns em detrimento de outros. A fragilidade educacional funciona como um argumento plausível, por exemplo, para a precarização do trabalho, para os baixos salários, para a inacessibilidade de melhores oportunidades. Assim, os últimos quatro anos de uma política nacional de ultradireita mostraram toda a sua radicalização em conduzir a Educação para os braços da iniciativa privada e ajustá-la dentro de um modelo ideológico fundamentalista, a fim de atender ao controle social por parte do governo.

Para isso, o ensino público, em todos os níveis, padeceu com cortes orçamentários severos. Docentes perderam a sua autonomia didático-pedagógica em razão de ameaças e ingerências externas, que lhes causaram, em muitos casos, demissões sumárias 1. Alunos ficaram sem aulas por insuficiência de professores para lecionar. Enfim... O que é importante foi desconsiderado para que desimportâncias alheias se tornassem o centro da discussão.

Não é à toa, então, que estamos presenciando no país, neste momento, um conjunto de práticas antidemocráticas e ilegais. Não se trata apenas de bloqueios em rodovias, obstruções ao direito de ir e vir, atentados contra a Constituição Federal de 1988 e demais instrumentos legais, ameaças contra instituições e pessoas. Esses atos têm uma linguagem simbólica de legitimação para o desrespeito, para a ruptura com a educação, a civilidade e a legalidade no país, para a perda total do sentido de coletividade. Uns e outros estão certos de que dispõe de alguma prerrogativa absurda para agirem segundo as suas próprias crenças, valores e convicções em total prejuízo aos demais.

Portanto, se atentem a seguinte notícia, “Ataque em escolas deixa três mortos e 13 feridos em Aracruz, no ES” 2. Lamento, mas esse não foi o primeiro e, certamente, não será o último caso a acontecer no país, se não houver uma reflexão e uma desconstrução paradigmática profunda em relação à Educação brasileira. Caso contrário, muito antes do que se possa imaginar, o Brasil terá encontrado o seu “ponto de não retorno” para a educação. E o preço dessa incapacidade de reversão dos problemas será cobrado de diferentes formas, conteúdos e intensidades ao longo das futuras gerações. Afinal, o círculo vicioso gerado pela tríade deseducação, violência e desigualdades sociais não mata somente indivíduos, mata a sociedade, mata o país. Pense a respeito!