terça-feira, 29 de novembro de 2022

A Cultura nos tempos de Pandemias


A Cultura nos tempos de Pandemias

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Lamento, mas depois de grandes acontecimentos a vida não retoma exatamente o seu curso natural. Mudanças se fazem necessárias a partir do conhecimento que se é produzido. Nesse sentido, me preocupa olhar ao redor e ver tanta gente imbuída em fazer parecer uma normalidade após o auge da pandemia, como se o pior já tivesse passado. Só que não. O Sars-Cov-2 e suas variantes estão por aí, livres, leves e soltos, fazendo estragos pelo mundo afora.

Como sabemos, esses impactos negativos não ficaram restritos aos campos da saúde; mas, se estenderam pela vida humana no seu contexto geral. Principalmente, em relação à mola propulsora da dinâmica social que é a Economia. O processo de recomposição e recuperação das estratégias econômicas está longe de alcançar uma estabilidade satisfatória para as novas demandas contemporâneas, em razão, principalmente, das idas e vindas da COVID-19 que tensionam os movimentos dentro das populações.

E aí, pensando no peso que o isolamento e o distanciamento social impuseram para as relações socioeconômicas, talvez, seja importante para setores, como a Cultura, buscarem alternativas e traçarem novas estratégias para desenvolverem suas atividades sem incorrer no risco de enfrentar situações semelhantes no futuro. Sim, porque a Ciência já se manifestou a esse respeito e expôs uma viabilidade enorme de ocorrência de novos episódios pandêmicos, tendo em vista a existência de muitos agentes infectocontagiosos ainda desconhecidos dos seres humanos.

Como o setor cultural foi direta e severamente impactado pelas medidas de isolamento e restrição social, em razão da sua própria dinâmica que demanda, geralmente, a reunião de grandes coletivos de profissionais e de público, tal possibilidade não pode passar a margem ou ser desconsiderada na elaboração das novas diretrizes de funcionamento. Afinal, como escreveram Lulu Santos e Nelson Motta, “Nada do que foi será / De novo do jeito que já foi um dia [...]” 1.

Isso significa, então, que esse importantíssimo viés da Economia Criativa, a Cultura, vai ter que se ajustar a um contexto sem aglomerações, sem grandes multidões, com locais que disponham de sistemas de ventilação adequados, com intervalos satisfatórios para higienização dos ambientes, com protocolos sanitários definidos e respeitados, a fim de equacionar a liberdade com a segurança de todos os envolvidos. Considerando que a maioria dos agentes infectocontagiosos têm disseminação por via respiratória – tosse, espirro, gotículas e/ou fômites 2, essas medidas são essenciais para que não haja interrupção das atividades e consequente prejuízos de natureza material e imaterial.

Ora, segundo o filósofo espanhol José Ortega y Gasset, “A cultura é uma necessidade imprescindível de toda uma vida, é uma dimensão constitutiva da existência humana, como as mãos são um atributo do homem”; pois, ela é “o sistema de ideias vivas que cada época possui. Melhor: o sistema de ideias das quais o tempo vive” (O Livro das Missões).  

Daí a necessidade de se cuidar de todas as camadas que envolvem a cultura, incluindo a saúde física, mental e emocional de todos. Pois, estamos falando dessa cadeia produtiva baseada no conhecimento, no entretenimento, no lazer dos indivíduos, que promove um bem-estar subjetivo incomensurável; mas, que, também, ultrapassa as fronteiras desse imaterial pela capacidade de gerar riqueza, de promover empregos e constituir mecanismos de distribuição de renda. O que se faz necessário, então, é o equilíbrio, o bom senso, a racionalidade, a humanidade no trato dessa questão.

Em tempos de tanta incerteza, de tanta tristeza, de tanta aflição, é preciso exercitar essas reflexões para não se incorrer em desdobramentos cada vez piores, como os que foram vistos, no Brasil, nesses últimos três anos. Queiram ou não admitir, pode estar no setor cultural um dos caminhos para redenção econômica brasileira, mesmo em tempos de crise. Porque ele é responsável por uma parcela expressiva do Produto Interno Bruto nacional (PIB), na medida em que movimenta direta e indiretamente a produção, a distribuição e a criação de bens e serviços essenciais para a população.

A cultura ensina. A cultura profissionaliza. A cultura gera esperança. A cultura promove alegria e bem-estar. A cultura penetra por todos os espaços geográficos. ... Portanto, como alquimista da adversidade ela não pode parar; mas, pode se recriar e se moldar frente às novas conjunturas do mundo, da vida. O que a torna incompatível à dinâmica social é a resistência às mudanças, ao abandono das eventuais zonas de conforto. Por isso, “O progresso é impossível sem mudanças; e aqueles que não conseguem mudar suas mentes não conseguem mudar nada” (George Bernard Shaw).


1 Como uma onda (Zen-surfismo) – Lulu Santos / Nelson Motta - https://www.letras.mus.br/lulu-santos/47132/ 

2 Denominação dada ao objeto ou superfície (celular, embalagem, bancada, corrimão, maçaneta, etc.) que, ao entrar em contato com agentes infecciosos (como vírus e bactérias), pode alojá-los e permitir a sua transmissão; vetor passivo. Fonte: http://www2.academia.org.br/nossa-lingua/nova-palavra/fomite