A
Cultura nos tempos de Pandemias
Por
Alessandra Leles Rocha
Lamento, mas depois de grandes
acontecimentos a vida não retoma exatamente o seu curso natural. Mudanças se
fazem necessárias a partir do conhecimento que se é produzido. Nesse sentido,
me preocupa olhar ao redor e ver tanta gente imbuída em fazer parecer uma
normalidade após o auge da pandemia, como se o pior já tivesse passado. Só que
não. O Sars-Cov-2 e suas variantes estão por aí, livres, leves e soltos,
fazendo estragos pelo mundo afora.
Como sabemos, esses impactos
negativos não ficaram restritos aos campos da saúde; mas, se estenderam pela
vida humana no seu contexto geral. Principalmente, em relação à mola propulsora
da dinâmica social que é a Economia. O processo de recomposição e recuperação
das estratégias econômicas está longe de alcançar uma estabilidade satisfatória
para as novas demandas contemporâneas, em razão, principalmente, das idas e
vindas da COVID-19 que tensionam os movimentos dentro das populações.
E aí, pensando no peso que o
isolamento e o distanciamento social impuseram para as relações socioeconômicas,
talvez, seja importante para setores, como a Cultura, buscarem alternativas e
traçarem novas estratégias para desenvolverem suas atividades sem incorrer no
risco de enfrentar situações semelhantes no futuro. Sim, porque a Ciência já se
manifestou a esse respeito e expôs uma viabilidade enorme de ocorrência de
novos episódios pandêmicos, tendo em vista a existência de muitos agentes
infectocontagiosos ainda desconhecidos dos seres humanos.
Como o setor cultural foi direta
e severamente impactado pelas medidas de isolamento e restrição social, em
razão da sua própria dinâmica que demanda, geralmente, a reunião de grandes
coletivos de profissionais e de público, tal possibilidade não pode passar a
margem ou ser desconsiderada na elaboração das novas diretrizes de funcionamento.
Afinal, como escreveram Lulu Santos e Nelson Motta, “Nada do que foi será / De novo do jeito que já foi um dia [...]” 1.
Isso significa, então, que esse importantíssimo
viés da Economia Criativa, a Cultura, vai ter que se ajustar a um contexto sem
aglomerações, sem grandes multidões, com locais que disponham de sistemas de
ventilação adequados, com intervalos satisfatórios para higienização dos
ambientes, com protocolos sanitários definidos e respeitados, a fim de equacionar
a liberdade com a segurança de todos os envolvidos. Considerando que a maioria
dos agentes infectocontagiosos têm disseminação por via respiratória – tosse,
espirro, gotículas e/ou fômites 2, essas
medidas são essenciais para que não haja interrupção das atividades e
consequente prejuízos de natureza material e imaterial.
Ora, segundo o filósofo espanhol
José Ortega y Gasset, “A cultura é uma
necessidade imprescindível de toda uma vida, é uma dimensão constitutiva da existência
humana, como as mãos são um atributo do homem”; pois, ela é “o sistema de ideias vivas que cada época
possui. Melhor: o sistema de ideias das quais o tempo vive” (O Livro das
Missões).
Daí a necessidade de se cuidar de
todas as camadas que envolvem a cultura, incluindo a saúde física, mental e
emocional de todos. Pois, estamos falando dessa cadeia produtiva baseada no
conhecimento, no entretenimento, no lazer dos indivíduos, que promove um
bem-estar subjetivo incomensurável; mas, que, também, ultrapassa as fronteiras
desse imaterial pela capacidade de gerar riqueza, de promover empregos e
constituir mecanismos de distribuição de renda. O que se faz necessário, então,
é o equilíbrio, o bom senso, a racionalidade, a humanidade no trato dessa
questão.
Em tempos de tanta incerteza, de
tanta tristeza, de tanta aflição, é preciso exercitar essas reflexões para não
se incorrer em desdobramentos cada vez piores, como os que foram vistos, no
Brasil, nesses últimos três anos. Queiram ou não admitir, pode estar no setor
cultural um dos caminhos para redenção econômica brasileira, mesmo em tempos de
crise. Porque ele é responsável por uma parcela expressiva do Produto Interno Bruto
nacional (PIB), na medida em que movimenta direta e indiretamente a produção, a
distribuição e a criação de bens e serviços essenciais para a população.
A cultura ensina. A cultura profissionaliza. A cultura gera esperança. A cultura promove alegria e bem-estar. A cultura penetra por todos os espaços geográficos. ... Portanto, como alquimista da adversidade ela não pode parar; mas, pode se recriar e se moldar frente às novas conjunturas do mundo, da vida. O que a torna incompatível à dinâmica social é a resistência às mudanças, ao abandono das eventuais zonas de conforto. Por isso, “O progresso é impossível sem mudanças; e aqueles que não conseguem mudar suas mentes não conseguem mudar nada” (George Bernard Shaw).
1 Como uma
onda (Zen-surfismo) – Lulu Santos / Nelson Motta - https://www.letras.mus.br/lulu-santos/47132/
2 Denominação dada ao objeto ou superfície (celular, embalagem, bancada, corrimão, maçaneta, etc.) que, ao entrar em contato com agentes infecciosos (como vírus e bactérias), pode alojá-los e permitir a sua transmissão; vetor passivo. Fonte: http://www2.academia.org.br/nossa-lingua/nova-palavra/fomite