Por
Alessandra Leles Rocha
Pois é, quem diria que a mítica
história do fora da lei inglês, Robin Hood, que roubava dos ricos para dar aos
pobres, no Brasil, teria um enredo diferente! Diante de todas as incertezas
orçamentárias que rondam a economia nacional, no que diz respeito à permanência
e o valor a ser pago do Auxílio Brasil, em 2023, a notícia de que a “Caixa já emprestou R$1,8 bilhão de
consignado do Auxílio Brasil em apenas 7 dias” 1
causa calafrios.
Só para entender melhor, o
referido auxílio que foi aprovado com o valor de R$600 terá sua previsão de
pagamento até 31 de dezembro deste ano. Depois disso, em razão da sua imprevisibilidade
na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) encaminhada ao Congresso Nacional para
o próximo ano, não se sabe o que será de fato investido para atender as demandas
de quem depende das políticas de transferência de renda para sobreviver.
Acontece que, mesmo que esse
valor continuasse a ser pago, diante da crise econômica impulsionada,
principalmente, pelo retorno galopante da inflação, ele é insuficiente para
cobrir as necessidades básicas dos cidadãos, incluindo os alimentos, o gás de
cozinha, o transporte etc. Então, com caráter genuinamente eleitoreiro, eis que
o governo decidiu acenar aos beneficiários do Auxilio Brasil com um empréstimo consignado.
Mesmo consciente de que o valor a ser
pago no próximo ano tende a ser menor do que eles estão recebendo agora.
Coisas de um Brasil que, em
setembro, deste ano, já ostentava a seguinte marca de famílias endividadas: “79,3% do total de lares no país, informou a
Confederação Nacional do Comércio de bens, Serviços e Turismo (CNC)” 2. E, agora, segundo informações da
Caixa Econômica, se regozija por emprestar “mais
de R$250 milhões por dia para 100 mil beneficiários apenas no banco estatal,
uma aceleração aos R$117 milhões liberados no 1º dia” 3,
ou seja, no dia 11 de outubro.
Acontece que o governo federal
estabeleceu um limite de juros de 3,5% (51,11%/ano) que é bem superior aquele
oferecido aos empréstimos consignados destinados aos aposentados e funcionários
públicos. Outros 11 bancos e instituições financeiras estão autorizadas a disponibilizar
esse serviço; mas, no caso da Caixa os juros são de 3,45% (50,23%/ano) e as
parcelas variam de R$15 a R$160, a serem pagas em até 24 meses. Embora, não
haja risco de inadimplência, pois os valores serão descontados do próprio pagamento
do auxílio, a limitação da renda tornará ainda mais vulnerável e precarizada a sobrevivência
dessas pessoas.
Enquanto os pobres dão aos ricos,
o Brasil empobrece a olhos vistos! Sim, porque é isso o que está bem diante do
nosso nariz. Uma política econômica extremamente cruel e perversa, a qual, no
fim das contas, acaba por culminar na desaceleração da atividade econômica impactada
pelo baixo consumo e produção. A limitação do poder aquisitivo da população
brasileira, então, prejudica diretamente o crescimento econômico do país. Essa
realidade afugenta os investimentos, as ampliações, a competitividade
brasileira no cenário global.
Em contrapartida, acena-se de
maneira bastante concreta o recrudescimento da fome, da miséria, da indignidade.
Na verdade, essa ideia de “Robin Hood à
brasileira” não deveria causar espanto ou perplexidade, dada a origem
colonial do país. Essa é a marca indelével da forma com a qual nossas relações socioeconômicas
vêm sendo tecidas há pouco mais de 500 anos. Por trás das riquezas de origem mineral,
vegetal e animal, sempre esteve presente a força da exploração humana, fosse através
de trabalhos análogos à escravidão ou não.
De modo que a inexistência de
constrangimento, de desconforto, diante dessas práxis faz parte do arcabouço de
trivializações e banalizações que se legitimaram e institucionalizaram, por
aqui, historicamente. Como se retirar dos pobres em benefício dos ricos fosse
mesmo uma obrigação, um dever, dentro de uma subserviência hierárquica há muito
tempo estabelecida. Portanto, ao continuar aceitando esse movimento, o país de maneira
explícita referenda os pilares de sustentação ideológica da ultradireita e
caminha na contramão do mundo, da história.
Daí a necessidade urgente de
reflexão! Nelson Mandela dizia que “Democracia
com fome, sem educação e saúde para a maioria, é uma concha vazia”. Não é à
toa que estamos tropeçando, cada dia mais, em uma realidade que caminha para a mais
completa distopia. Segundo afirmava o sociólogo Herbert José de Souza, o Betinho,
sobre o retrato da infância e juventude no país, “Essas crianças estão nas ruas porque, no Brasil, ser pobre é estar
condenado à marginalidade. Estão nas ruas porque suas famílias foram destruídas.
Estão nas ruas porque nos omitimos. Estão nas ruas e estão sendo assassinadas”.
Acontece que lá se vão 25 anos desde
que o Betinho morreu e o Brasil não se moveu nesse sentido, como se fosse
reafirmado a cada dia um compromisso com as desigualdades. Afinal de contas,
como escreveu o saudoso Arnaldo Jabor, “A
miséria não acaba porque dá lucro”, o lucro pelo qual a ultradireita tanto
se digladia.
Já dizia Victor Hugo, “Destrua o buraco da Ignorância e você destruirá
a toupeira Crime. O único perigo social é a escuridão. [...]Humanidade é
similaridade. Todos os homens são a mesma argila. Não há diferença, aqui na
Terra ao menos, por predestinação. A mesma escuridão antes, a mesma carne
durante, as mesmas cinzas depois. Mas a Ignorância, mesclada com a composição
humana, escurece essa percepção. É assim que a Ignorância possui o coração do
homem e, daí, surge o Mal” (Os Miseráveis).
Portanto, “Vamos compreender melhor o que diz respeito à equidade, pois se a
liberdade é o cume, a equidade é a base; [...] civilmente, ela é todas as
aptidões tendo iguais oportunidades; politicamente, todos os votos tendo o
mesmo peso; religiosamente, todas as consciências tendo direitos iguais” (Os
Miseráveis).