terça-feira, 18 de outubro de 2022

Robin Hood à brasileira



Robin Hood à brasileira

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Pois é, quem diria que a mítica história do fora da lei inglês, Robin Hood, que roubava dos ricos para dar aos pobres, no Brasil, teria um enredo diferente! Diante de todas as incertezas orçamentárias que rondam a economia nacional, no que diz respeito à permanência e o valor a ser pago do Auxílio Brasil, em 2023, a notícia de que a “Caixa já emprestou R$1,8 bilhão de consignado do Auxílio Brasil em apenas 7 dias” 1 causa calafrios.

Só para entender melhor, o referido auxílio que foi aprovado com o valor de R$600 terá sua previsão de pagamento até 31 de dezembro deste ano. Depois disso, em razão da sua imprevisibilidade na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) encaminhada ao Congresso Nacional para o próximo ano, não se sabe o que será de fato investido para atender as demandas de quem depende das políticas de transferência de renda para sobreviver.

Acontece que, mesmo que esse valor continuasse a ser pago, diante da crise econômica impulsionada, principalmente, pelo retorno galopante da inflação, ele é insuficiente para cobrir as necessidades básicas dos cidadãos, incluindo os alimentos, o gás de cozinha, o transporte etc. Então, com caráter genuinamente eleitoreiro, eis que o governo decidiu acenar aos beneficiários do Auxilio Brasil com um empréstimo consignado.  Mesmo consciente de que o valor a ser pago no próximo ano tende a ser menor do que eles estão recebendo agora.  

Coisas de um Brasil que, em setembro, deste ano, já ostentava a seguinte marca de famílias endividadas: “79,3% do total de lares no país, informou a Confederação Nacional do Comércio de bens, Serviços e Turismo (CNC)” 2. E, agora, segundo informações da Caixa Econômica, se regozija por emprestar “mais de R$250 milhões por dia para 100 mil beneficiários apenas no banco estatal, uma aceleração aos R$117 milhões liberados no 1º dia” 3, ou seja, no dia 11 de outubro.

Acontece que o governo federal estabeleceu um limite de juros de 3,5% (51,11%/ano) que é bem superior aquele oferecido aos empréstimos consignados destinados aos aposentados e funcionários públicos. Outros 11 bancos e instituições financeiras estão autorizadas a disponibilizar esse serviço; mas, no caso da Caixa os juros são de 3,45% (50,23%/ano) e as parcelas variam de R$15 a R$160, a serem pagas em até 24 meses. Embora, não haja risco de inadimplência, pois os valores serão descontados do próprio pagamento do auxílio, a limitação da renda tornará ainda mais vulnerável e precarizada a sobrevivência dessas pessoas.

Enquanto os pobres dão aos ricos, o Brasil empobrece a olhos vistos! Sim, porque é isso o que está bem diante do nosso nariz. Uma política econômica extremamente cruel e perversa, a qual, no fim das contas, acaba por culminar na desaceleração da atividade econômica impactada pelo baixo consumo e produção. A limitação do poder aquisitivo da população brasileira, então, prejudica diretamente o crescimento econômico do país. Essa realidade afugenta os investimentos, as ampliações, a competitividade brasileira no cenário global.

Em contrapartida, acena-se de maneira bastante concreta o recrudescimento da fome, da miséria, da indignidade. Na verdade, essa ideia de “Robin Hood à brasileira” não deveria causar espanto ou perplexidade, dada a origem colonial do país. Essa é a marca indelével da forma com a qual nossas relações socioeconômicas vêm sendo tecidas há pouco mais de 500 anos.  Por trás das riquezas de origem mineral, vegetal e animal, sempre esteve presente a força da exploração humana, fosse através de trabalhos análogos à escravidão ou não.

De modo que a inexistência de constrangimento, de desconforto, diante dessas práxis faz parte do arcabouço de trivializações e banalizações que se legitimaram e institucionalizaram, por aqui, historicamente. Como se retirar dos pobres em benefício dos ricos fosse mesmo uma obrigação, um dever, dentro de uma subserviência hierárquica há muito tempo estabelecida. Portanto, ao continuar aceitando esse movimento, o país de maneira explícita referenda os pilares de sustentação ideológica da ultradireita e caminha na contramão do mundo, da história.

Daí a necessidade urgente de reflexão! Nelson Mandela dizia que “Democracia com fome, sem educação e saúde para a maioria, é uma concha vazia”. Não é à toa que estamos tropeçando, cada dia mais, em uma realidade que caminha para a mais completa distopia. Segundo afirmava o sociólogo Herbert José de Souza, o Betinho, sobre o retrato da infância e juventude no país, “Essas crianças estão nas ruas porque, no Brasil, ser pobre é estar condenado à marginalidade. Estão nas ruas porque suas famílias foram destruídas. Estão nas ruas porque nos omitimos. Estão nas ruas e estão sendo assassinadas”.

Acontece que lá se vão 25 anos desde que o Betinho morreu e o Brasil não se moveu nesse sentido, como se fosse reafirmado a cada dia um compromisso com as desigualdades. Afinal de contas, como escreveu o saudoso Arnaldo Jabor, “A miséria não acaba porque dá lucro”, o lucro pelo qual a ultradireita tanto se digladia.

Já dizia Victor Hugo, “Destrua o buraco da Ignorância e você destruirá a toupeira Crime. O único perigo social é a escuridão. [...]Humanidade é similaridade. Todos os homens são a mesma argila. Não há diferença, aqui na Terra ao menos, por predestinação. A mesma escuridão antes, a mesma carne durante, as mesmas cinzas depois. Mas a Ignorância, mesclada com a composição humana, escurece essa percepção. É assim que a Ignorância possui o coração do homem e, daí, surge o Mal” (Os Miseráveis).  

Portanto, “Vamos compreender melhor o que diz respeito à equidade, pois se a liberdade é o cume, a equidade é a base; [...] civilmente, ela é todas as aptidões tendo iguais oportunidades; politicamente, todos os votos tendo o mesmo peso; religiosamente, todas as consciências tendo direitos iguais” (Os Miseráveis).