sábado, 22 de outubro de 2022

De certezas em certezas... o mundo nunca foi tão incerto!


De certezas em certezas... o mundo nunca foi tão incerto!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Pelo menos em tese, a construção ideológica da contemporaneidade permitiu aos indivíduos acreditarem em uma vida sem limites, na mais plena liberdade. A grande questão é que o ideário não cabe na prática! Aqui e ali, na dinâmica do cotidiano, os limites, as restrições, os impedimentos, aparecem para nos trazer de volta à realidade, inclusive, furando a bolha do individualismo para nos confrontar coma existência coletiva, ampla e plural.

Então, é muito curioso percorrer pelas trilhas dos veículos de informação e comunicação e me deparar com um conjunto de boas análises em meio a um mar de variáveis desestabilizadoras das certezas. São tantos os gatilhos prontos a deflagrar a desconstrução das evidências, das convicções; mas, passam despercebidos, invisibilizados, por conta de um narcísico movimento de quereres e vontades que se estabelece por aí.

Apesar de o planeta continuar seu ritmo incessante de rodopios em volta do próprio eixo e da sua estrela maior, o Sol, a velocidade de transformações impostas pela própria dinâmica das relações sociais é simplesmente absurda. Da manhã para tarde, da tarde para noite, da noite para a madrugada, as informações vão sendo ajustadas e revisadas em uma intensidade demasiadamente frenética. A tal ponto que, muitas vezes, torna-se impossível acompanhar minuto a minuto o que acontece no mundo. O imponderável se apropriou do tempo!  

Acontece que em meio a toda essa liberdade fluida, etérea, o seu excesso parece pesar e uma busca por algum norte de estabilidade, de segurança, de equilíbrio, tem sido presença constante no dia a dia do ser humano. Afinal, incertezas assustam, desestabilizam! É preciso ter um lugar para se apoiar. Não dá para manter o equilíbrio, a serenidade, transitando à deriva na vida, sujeito ao que der e vier. Pois o viver não se dissociou de certas cláusulas pétreas. Temos necessidades fundamentais que não podem ser comprometidas. Tanto que a fronteira entre a vida e a morte é uma linha muito tênue.

E nessa busca, todos os veículos de informação e comunicação se tornam referências em nome de um ponto de apoio, como um farol. As pessoas, então, se apegam àquelas palavras, àquelas ideias, àquelas pseudocertezas, como uma boia de salvação. Daí eu me pergunto se realmente elas acreditam nisso, se aquelas informações lhes trazem realmente algum sentimento pacificador. Antigamente, os jornais tinham vida útil de um dia, depois iam para o lixo, para embalar coisas na feira. Hoje, o volume e a intensidade de notícias resistem a algumas horas. Exceto, aquelas de extrema relevância e impacto social.

Em geral, a efemeridade é quem dita as cartas! Decisões são tomadas e reconsideradas em um piscar de olhos. A pressa em correr atrás do relógio, das obrigações, da vida, tem gerado uma superficialidade nociva a todo o conjunto de crenças, valores, princípios, convicções, que estruturam a identidade humana. Fazendo as pessoas se sentirem inadequadas para caber nas conjunturas diante de transformações tão abruptas. Isso leva ao estresse, à melancolia, ao desalento, à ansiedade, a um adoecimento social generalizado.

Afinal, o amanhã, o futuro, que sempre pareceu uma perspectiva de realizações, de conquistas, de melhoras, de repente foi lançado a uma vala de desespero, de insegurança, de instabilidade. Como confiar? Como acreditar que tudo irá transcorrer dentro do planejado? A expressão “Mas, e se...” é um fantasma que assombra a sociedade contemporânea, cada vez mais furioso e perverso. Como se conduzisse a todos para pisar sobre um imenso tablado feito de ovos. Um pequeno deslize, um ato em falso, e tudo desaba! A vida sob a iminência da reconstrução, do recomeço, num contínuo de novas bases.

Em algum momento da história a vaidade humana chegou a acreditar que tinha em seu poder todas as respostas, todas as soluções, todos os pulos dos gatos. Só que não. O fio da meada se perdeu e nos enredamos na nossa própria teia, o que permitiu nos tornarmos frágeis e vulneráveis aos elementos do desconhecido. Postos de joelhos diante da nossa demasiada altivez. Aliás, isso me faz lembrar Caio Fernando Abreu, quando disse “As pessoas falam coisas, e por trás do que falam há o que sentem, e por trás do que sentem há o que são e nem sempre se mostra”.

Por isso, não é de surpreender que de repente digam A, depois B, em seguida A novamente. No fim das contas, o imponderável da vida é uma trama de desconhecidos internos, externos, determinados ou aleatórios, que se unem para atravessar os espaços e nos despir de todas as certezas. E assim, nos deparamos com uma das grandes obviedades da existência humana, “Só sei que nada sei” 1.

 


1 Frase atribuída ao filósofo grego Sócrates.