Benefícios
artificiais... Oásis contemporâneos... Sonhos e feridas abertas...
Por
Alessandra Leles Rocha
É muito estranho perceber que, em
pleno século XXI, em plena tecnologização do mundo, existam seres humanos que
acreditam com todas as suas forças que os grandes impérios possam ser erguidos,
como mostram os registros históricos. Será que a Revolução Industrial, nos seus
contextos mais contemporâneos, sobreviveria a uma realidade próxima da mais
profunda indignidade e escravização humana? Será que o capitalismo, dentro dos
moldes que o conhecemos, resistiria a tamanho estrangulamento das relações socioeconômicas?
Será que o topo da pirâmide de estratificação social se manteria inabalável
diante da ruptura de sua base de sustentação?
Perdoem-me a imersão em uma
reflexão tão profunda e indigesta. Mas, foi impossível não deixar a mente se
recolher em pensamentos assim, depois de me deparar com os rumores divulgados
pelos veículos de informação e comunicação a respeito das recentes declarações
do Ministro da Economia do Brasil. Depois da mais errática condução econômica produzida
nesses quatro anos de governo, facilmente comprovada em teoria e prática por
qualquer cidadão brasileiro, “o governo
estuda desvincular o reajuste do salário mínimo e de aposentadorias do índice
de inflação do ano anterior” 1.
Mais uma bizarrice econômica? Mais
um ato inconsequente? Mais uma irresponsabilidade? ... Sim, tudo isso poderia adjetivar
a notícia. A questão é que ela
ultrapassa, e muito, esses limites. Começando pelo fato de que essa gestão econômica
emergiu da ideia de desconsiderar a grande massa da população das suas
discussões, propostas e planejamentos. Esse foi, desde sempre, um Ministério da
Economia criado para atender e satisfazer exclusivamente aos interesses da
elite nacional.
Somente, diante do quadro da
Pandemia da COVID-19, é que se deram conta da impossibilidade real de fazê-lo
por questões óbvias da situação em curso. Isso, sem contar que não fazer,
naquelas alturas do campeonato, também, poderia comprometer o projeto de
reeleição presidencial, o qual jamais esteve fora do radar governamental nesses
quatro anos. Então, fizeram, mas fizeram mal feito, sem planejamento, sem
critério, sem organização, sem articulação. Inclusive porque a ideia de
abandonar as políticas públicas nacionais, nas suas mais diferentes formas e conteúdos,
já se encontrava em franco processo de desmantelamento, impedindo o fluxo e a eficiência
dos trabalhos.
De modo que se gastou muito e mal
os recursos públicos, o que fica evidenciado pelos resultados pífios ou
inexistentes, que decorreram dos remendos aplicados pelo Ministério da Economia.
Não adianta negar, brasileiros e estrangeiros sabem muito bem que a economia
nacional se encontra, nesse momento, desfrutando de artificialidade absurda,
cujos efeitos deletérios não terão como serem facilmente contidos ou
contornados. É uma questão de tempo! Passado o fim do segundo turno do pleito
eleitoral os flagelos começarão a cobrar a conta da irresponsabilidade, da
negligência, do despreparo. O que provavelmente acontecerá com mais severidade
justamente sobre os mais vulneráveis e já desassistidos.
Vejam, ninguém duvida que um ser
humano sedento, vagando sobre as areias escaldantes do deserto, seja capaz de
enxergar oásis, os quais não passam, muitas vezes, de pura miragem. Mas, esse é
um exemplo clássico para dissecar o que acontece comumente em tempos de crise.
O sofrimento e a necessidade urgem de maneira tão intensa e profunda que o
imediatismo entorpece a razão e conduz as pessoas a acreditarem nas mais
estapafúrdias promessas. E foi com base nesse cenário, que as torneiras
públicas jorraram nos últimos meses recursos em profusão; mas, sem quaisquer
previsões orçamentárias sustentáveis dentro de uma economia já tão fragilizada
e comprometida. Benefícios artificiais que custarão caríssimo a todos os
brasileiros e brasileiras, sem distinção!
A ideia
de reeditar o voto de cabresto, com uma roupagem contemporânea um pouquinho mais
sutil, tende a trazer consequências para a estabilidade nacional impensáveis 2. Não há milagre, não há mistério, não
há jeitinho brasileiro que dê jeito a esse imbróglio! Nem adianta “desvincular, desindexar, descarimbar despesas
do orçamento” 3 para colocar fim a crise
estabelecida. O Brasil se tornou um buraco sem fundo, a tal ponto que a insuficiência
orçamentária não parece contornável diante da voracidade que a política ataca
os recursos públicos em benefício de si mesma.
Desde que
mundo é mundo, aquilo que é dito como “de graça” sempre tem preço! Se a
contemporaneidade já impõe um imediatismo descomunal à sociedade, imagina
quando o cenário é modulado pelas crises econômicas! Grande parte da população
brasileira não caiu na tentação dos benefícios artificiais voluntariamente. Ela
foi enredada pela própria má gestão pública que impactou os limites da sua
dignidade, da sua sobrevivência, da sua cidadania. O comprometimento ao acesso aos
seus direitos sociais foi resultado do próprio modelo de governança instituído.
Haja vista como o empobrecimento conduziu rapidamente ao endividamento,
enquanto bancos e instituições financeiras ampliaram seus recordes de lucros, a
partir de empréstimos.
Bom, em
parte a realidade adversa já está constituída; entretanto, o amanhã é uma incógnita.
Consequências, desdobramentos, soluções, tudo transita no campo das
especulações não só pelas imprevisibilidades conjunturais internas; mas, por
todas aquelas que chegam através do mundo. Portanto, a única certeza é de que
2023 não será um ano fácil; sobretudo pelo nível de tensões socioeconômicas que
pairam ao redor do planeta, o que obviamente inclui o Brasil.
Esse é um
momento bastante oportuno para reconhecer que “O desenvolvimento humano só existirá se a sociedade civil afirmar
cinco pontos fundamentais: igualdade, diversidade, participação, solidariedade
e liberdade” (Herbert de Souza, o Betinho). Simplesmente, porque “Nos lugares em que homens e mulheres e
crianças carregam o fardo da fome, um discurso sobre democracia e liberdade que
não reconheça estes aspectos materiais pode soar falso e minar os valores que
procuramos promover” (Nelson Mandela).