sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Benefícios artificiais... Oásis contemporâneos... Sonhos e feridas abertas...


Benefícios artificiais... Oásis contemporâneos... Sonhos e feridas abertas...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É muito estranho perceber que, em pleno século XXI, em plena tecnologização do mundo, existam seres humanos que acreditam com todas as suas forças que os grandes impérios possam ser erguidos, como mostram os registros históricos. Será que a Revolução Industrial, nos seus contextos mais contemporâneos, sobreviveria a uma realidade próxima da mais profunda indignidade e escravização humana? Será que o capitalismo, dentro dos moldes que o conhecemos, resistiria a tamanho estrangulamento das relações socioeconômicas? Será que o topo da pirâmide de estratificação social se manteria inabalável diante da ruptura de sua base de sustentação?

Perdoem-me a imersão em uma reflexão tão profunda e indigesta. Mas, foi impossível não deixar a mente se recolher em pensamentos assim, depois de me deparar com os rumores divulgados pelos veículos de informação e comunicação a respeito das recentes declarações do Ministro da Economia do Brasil. Depois da mais errática condução econômica produzida nesses quatro anos de governo, facilmente comprovada em teoria e prática por qualquer cidadão brasileiro, “o governo estuda desvincular o reajuste do salário mínimo e de aposentadorias do índice de inflação do ano anterior” 1.

Mais uma bizarrice econômica? Mais um ato inconsequente? Mais uma irresponsabilidade? ... Sim, tudo isso poderia adjetivar a notícia.  A questão é que ela ultrapassa, e muito, esses limites. Começando pelo fato de que essa gestão econômica emergiu da ideia de desconsiderar a grande massa da população das suas discussões, propostas e planejamentos. Esse foi, desde sempre, um Ministério da Economia criado para atender e satisfazer exclusivamente aos interesses da elite nacional.

Somente, diante do quadro da Pandemia da COVID-19, é que se deram conta da impossibilidade real de fazê-lo por questões óbvias da situação em curso. Isso, sem contar que não fazer, naquelas alturas do campeonato, também, poderia comprometer o projeto de reeleição presidencial, o qual jamais esteve fora do radar governamental nesses quatro anos. Então, fizeram, mas fizeram mal feito, sem planejamento, sem critério, sem organização, sem articulação. Inclusive porque a ideia de abandonar as políticas públicas nacionais, nas suas mais diferentes formas e conteúdos, já se encontrava em franco processo de desmantelamento, impedindo o fluxo e a eficiência dos trabalhos.

De modo que se gastou muito e mal os recursos públicos, o que fica evidenciado pelos resultados pífios ou inexistentes, que decorreram dos remendos aplicados pelo Ministério da Economia. Não adianta negar, brasileiros e estrangeiros sabem muito bem que a economia nacional se encontra, nesse momento, desfrutando de artificialidade absurda, cujos efeitos deletérios não terão como serem facilmente contidos ou contornados. É uma questão de tempo! Passado o fim do segundo turno do pleito eleitoral os flagelos começarão a cobrar a conta da irresponsabilidade, da negligência, do despreparo. O que provavelmente acontecerá com mais severidade justamente sobre os mais vulneráveis e já desassistidos.

Vejam, ninguém duvida que um ser humano sedento, vagando sobre as areias escaldantes do deserto, seja capaz de enxergar oásis, os quais não passam, muitas vezes, de pura miragem. Mas, esse é um exemplo clássico para dissecar o que acontece comumente em tempos de crise. O sofrimento e a necessidade urgem de maneira tão intensa e profunda que o imediatismo entorpece a razão e conduz as pessoas a acreditarem nas mais estapafúrdias promessas. E foi com base nesse cenário, que as torneiras públicas jorraram nos últimos meses recursos em profusão; mas, sem quaisquer previsões orçamentárias sustentáveis dentro de uma economia já tão fragilizada e comprometida. Benefícios artificiais que custarão caríssimo a todos os brasileiros e brasileiras, sem distinção!

A ideia de reeditar o voto de cabresto, com uma roupagem contemporânea um pouquinho mais sutil, tende a trazer consequências para a estabilidade nacional impensáveis 2. Não há milagre, não há mistério, não há jeitinho brasileiro que dê jeito a esse imbróglio! Nem adianta “desvincular, desindexar, descarimbar despesas do orçamento” 3 para colocar fim a crise estabelecida. O Brasil se tornou um buraco sem fundo, a tal ponto que a insuficiência orçamentária não parece contornável diante da voracidade que a política ataca os recursos públicos em benefício de si mesma.

Desde que mundo é mundo, aquilo que é dito como “de graça” sempre tem preço! Se a contemporaneidade já impõe um imediatismo descomunal à sociedade, imagina quando o cenário é modulado pelas crises econômicas! Grande parte da população brasileira não caiu na tentação dos benefícios artificiais voluntariamente. Ela foi enredada pela própria má gestão pública que impactou os limites da sua dignidade, da sua sobrevivência, da sua cidadania. O comprometimento ao acesso aos seus direitos sociais foi resultado do próprio modelo de governança instituído. Haja vista como o empobrecimento conduziu rapidamente ao endividamento, enquanto bancos e instituições financeiras ampliaram seus recordes de lucros, a partir de empréstimos.

Bom, em parte a realidade adversa já está constituída; entretanto, o amanhã é uma incógnita. Consequências, desdobramentos, soluções, tudo transita no campo das especulações não só pelas imprevisibilidades conjunturais internas; mas, por todas aquelas que chegam através do mundo. Portanto, a única certeza é de que 2023 não será um ano fácil; sobretudo pelo nível de tensões socioeconômicas que pairam ao redor do planeta, o que obviamente inclui o Brasil.

Esse é um momento bastante oportuno para reconhecer que “O desenvolvimento humano só existirá se a sociedade civil afirmar cinco pontos fundamentais: igualdade, diversidade, participação, solidariedade e liberdade” (Herbert de Souza, o Betinho). Simplesmente, porque “Nos lugares em que homens e mulheres e crianças carregam o fardo da fome, um discurso sobre democracia e liberdade que não reconheça estes aspectos materiais pode soar falso e minar os valores que procuramos promover” (Nelson Mandela).