quinta-feira, 20 de outubro de 2022

45 dias ... Foi o suficiente!


45 dias ... Foi o suficiente!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Recentemente, eu escrevi a crônica “Prorrogar... Será mesmo uma luta contra o tempo? ” 1, buscando fazer uma reflexão sobre a procrastinação que já virou elemento quase folclórico da identidade brasileira. E diante dos noticiários do dia começo a pensar que estava correta em levantar a questão.

Pois é, o mundo foi pego de surpresa com a seguinte informação: Liz Truss, a premiê britânica, renunciou com apenas 6 semanas no cargo 2. Pressionada fortemente em razão de propostas econômicas de cortes de impostos e aumentos de gastos públicos, as quais provocaram não só uma desvalorização acentuada da moeda local e a queda nos mercados; mas, também, a demissão do Ministro da Economia, ela passou como um meteoro pelos céus britânicos.  

Assim, embora pareça um assunto de interesse prioritário inglês, em um mundo globalizado a notícia repercute analítica e reflexivamente sobre todos, inclusive nós brasileiros. Começando pelo fato dessa necessidade urgente de enxergar a vida com pragmatismo e senso de responsabilidade. Coisas que a política contemporânea exige cada vez mais, considerando o mar de incertezas e turbulências que se desdobram em ondas, algumas vezes, tsunâmicas!

Buscar por certa estabilidade em tempos tão incertos é fundamental para conter, para estancar situações que podem sim, levar nações a prejuízos e tensões irreparáveis muito rapidamente e por um longo período. Tomemos, como exemplo, a escalada vertiginosa que o Brasil fez de retorno ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU) 3.

Segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil, conduzido pela Rede PENSSAN, com apoio do Instituto Ibirapitanga e parceria da ActionAid Brasil, FES-Brasil e Oxfam Brasil, são aproximadamente 33,1 milhões de brasileiros (as) que não têm o que comer. Sem contar os 58,7% da população brasileira que convive com a insegurança alimentar em algum grau, ou seja, leve, moderada ou grave.

Em linhas gerais, isso significou uma procrastinação governamental a respeito da fome e do empobrecimento, no Brasil, sem que as autoridades fossem sequer questionadas, instigadas a tomar providências e/ou punidas por sua inação irresponsável, na medida em que os números não deixam dúvidas de que o problema foi novamente instalado em território nacional. Acontece que negligências, como essa, custam vidas!

Daí o episódio britânico ser tão emblemático! Na medida em que o mundo construiu suas dinâmicas sociais pautadas no capital, instabilidades econômicas não se resumem a si mesmas. O Reino Unido, assim como outras nações europeias e do hemisfério norte, tem no seu rol de prioridades preocupantes, agora, a chegada do inverno e o aumento da demanda energética, ameaçada pelas retaliações impostas pelo governo Russo, por conta da sua guerra contra os ucranianos.   

De modo que a redução no fornecimento de gás para calefação pode não apenas gerar restrições de consumo à população, mas elevar ainda mais o custo da energia, reduzir a dinâmica dos setores produtivos e impactar os números da inflação. Não podemos nos esquecer que tudo isso acontece sobre os rastros econômicos negativos deixados pela própria Pandemia. Portanto, o que deveria estar sendo um momento de reconstrução das novas bases econômicas, com planejamentos de recuperação, estava ameaçado por medidas erráticas e imprevidentes tomadas pelos dois últimos premiês.

No entanto, a identidade nacional britânica se sustenta historicamente por pilares de cidadania muito consistentes, de modo que os interesses individuais não se sobrepõem aos interesses da nação. O que significa que sucessivos erros e comprometimentos à estabilidade, ao desenvolvimento, ao progresso, aos interesses nacionais, não são tolerados. Os responsáveis são apontados e respondem pelos seus atos rapidamente. Não há concessões que permitam o agravamento ad aeternum das conjunturas, nem por parte do governo, nem da monarquia e nem da população.

A consciência, de que quaisquer procrastinações nesses cenários são fatais, é plena! Não é à toa que o Reino Unido figure historicamente entre as nações mais importantes do mundo.  Porque manter-se nessa posição exige uma postura responsável, atenta, firme, objetiva, não importado se são tempos de tormenta ou de calmaria. Estabilidade não é uma hipótese a se considerar, é uma prioridade a ser cumprida. E como ela orbita a economia, esta não pode se dar ao luxo de aventuras e devaneios.

Deixar para depois, para última hora, para quando der, ... não deveria constar no campo das possibilidades humanas em nenhuma circunstância. Afinal, a vida flui sob o arranjo de engrenagens muito precisas, que funcionam sempre à revelia de vontades e quereres humanos, e que impõem certas situações que não devem ser menosprezadas jamais. O tempo é implacável e o amanhã pode ser tarde demais! Até aqui jamais me deparei com qualquer procrastinação que tivesse rendido bons frutos. Muito pelo contrário! Só tristezas, pesares e arrependimentos, porque postergar acaba sendo sinônimo de correr atrás dos prejuízos. Só que alguns prejuízos não podem ser ressarcidos. Então, pense nisso!

Por isso, a síntese desse dia não poderia ser outra: “[...] se antes de cada ato nosso, nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar” (José Saramago – Ensaio sobre a Cegueira).