45
dias ... Foi o suficiente!
Por
Alessandra Leles Rocha
Recentemente, eu escrevi a
crônica “Prorrogar... Será mesmo uma luta
contra o tempo? ” 1, buscando fazer uma
reflexão sobre a procrastinação que já virou elemento quase folclórico da
identidade brasileira. E diante dos noticiários do dia começo a pensar que
estava correta em levantar a questão.
Pois é, o mundo foi pego de
surpresa com a seguinte informação: Liz Truss, a premiê britânica, renunciou com
apenas 6 semanas no cargo 2. Pressionada
fortemente em razão de propostas econômicas de cortes de impostos e aumentos de
gastos públicos, as quais provocaram não só uma desvalorização acentuada da
moeda local e a queda nos mercados; mas, também, a demissão do Ministro da
Economia, ela passou como um meteoro pelos céus britânicos.
Assim, embora pareça um assunto
de interesse prioritário inglês, em um mundo globalizado a notícia repercute analítica
e reflexivamente sobre todos, inclusive nós brasileiros. Começando pelo fato
dessa necessidade urgente de enxergar a vida com pragmatismo e senso de
responsabilidade. Coisas que a política contemporânea exige cada vez mais,
considerando o mar de incertezas e turbulências que se desdobram em ondas,
algumas vezes, tsunâmicas!
Buscar por certa estabilidade em
tempos tão incertos é fundamental para conter, para estancar situações que
podem sim, levar nações a prejuízos e tensões irreparáveis muito rapidamente e por
um longo período. Tomemos, como exemplo, a escalada vertiginosa que o Brasil
fez de retorno ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU) 3.
Segundo o Inquérito Nacional
sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil,
conduzido pela Rede PENSSAN, com apoio do Instituto Ibirapitanga e parceria da
ActionAid Brasil, FES-Brasil e Oxfam Brasil, são aproximadamente 33,1 milhões
de brasileiros (as) que não têm o que comer. Sem contar os 58,7% da população
brasileira que convive com a insegurança alimentar em algum grau, ou seja,
leve, moderada ou grave.
Em linhas gerais, isso significou
uma procrastinação governamental a respeito da fome e do empobrecimento, no
Brasil, sem que as autoridades fossem sequer questionadas, instigadas a tomar
providências e/ou punidas por sua inação irresponsável, na medida em que os números
não deixam dúvidas de que o problema foi novamente instalado em território
nacional. Acontece que negligências, como essa, custam vidas!
Daí o episódio britânico ser tão
emblemático! Na medida em que o mundo construiu suas dinâmicas sociais pautadas
no capital, instabilidades econômicas não se resumem a si mesmas. O Reino
Unido, assim como outras nações europeias e do hemisfério norte, tem no seu rol
de prioridades preocupantes, agora, a chegada do inverno e o aumento da demanda
energética, ameaçada pelas retaliações impostas pelo governo Russo, por conta
da sua guerra contra os ucranianos.
De modo que a redução no
fornecimento de gás para calefação pode não apenas gerar restrições de consumo
à população, mas elevar ainda mais o custo da energia, reduzir a dinâmica dos
setores produtivos e impactar os números da inflação. Não podemos nos esquecer
que tudo isso acontece sobre os rastros econômicos negativos deixados pela própria
Pandemia. Portanto, o que deveria estar sendo um momento de reconstrução das novas
bases econômicas, com planejamentos de recuperação, estava ameaçado por medidas
erráticas e imprevidentes tomadas pelos dois últimos premiês.
No entanto, a identidade nacional
britânica se sustenta historicamente por pilares de cidadania muito consistentes,
de modo que os interesses individuais não se sobrepõem aos interesses da nação.
O que significa que sucessivos erros e comprometimentos à estabilidade, ao
desenvolvimento, ao progresso, aos interesses nacionais, não são tolerados. Os responsáveis
são apontados e respondem pelos seus atos rapidamente. Não há concessões que
permitam o agravamento ad aeternum
das conjunturas, nem por parte do governo, nem da monarquia e nem da população.
A consciência, de que quaisquer procrastinações
nesses cenários são fatais, é plena! Não é à toa que o Reino Unido figure
historicamente entre as nações mais importantes do mundo. Porque manter-se nessa posição exige uma postura
responsável, atenta, firme, objetiva, não importado se são tempos de tormenta
ou de calmaria. Estabilidade não é uma hipótese a se considerar, é uma prioridade
a ser cumprida. E como ela orbita a economia, esta não pode se dar ao luxo de
aventuras e devaneios.
Deixar para depois, para última
hora, para quando der, ... não deveria constar no campo das possibilidades
humanas em nenhuma circunstância. Afinal, a vida flui sob o arranjo de
engrenagens muito precisas, que funcionam sempre à revelia de vontades e
quereres humanos, e que impõem certas situações que não devem ser menosprezadas
jamais. O tempo é implacável e o amanhã pode ser tarde demais! Até aqui jamais
me deparei com qualquer procrastinação que tivesse rendido bons frutos. Muito pelo
contrário! Só tristezas, pesares e arrependimentos, porque postergar acaba
sendo sinônimo de correr atrás dos prejuízos. Só que alguns prejuízos não podem
ser ressarcidos. Então, pense nisso!
Por isso, a síntese desse dia não
poderia ser outra: “[...] se antes de
cada ato nosso, nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar
nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis,
depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro
pensamento nos tivesse feito parar” (José Saramago – Ensaio sobre a Cegueira).