Que
vergonha!
Por
Alessandra Leles Rocha
O incômodo causado pela vergonha
constrangedora a qual o país foi submetido em solo inglês, infelizmente, não
diz tudo sobre si mesma. Me desconforta pensar que somente em situações como as
recentes, o cidadão brasileiro se sinta estimulado a sair do torpor da sua
indiferença para se manifestar, quando há questões bem mais importantes para se
debruçar.
Deparando-me com a manchete “Maior parte dos candidatos à reeleição no
congresso não apoia pauta ambiental” 1,
decidi esmiuçar ao máximo a reflexão a respeito. Afinal, queiram ou não admitir,
há um desvirtuamento completo da consciência do cidadão sobre a
representatividade política no país.
Então, comecemos pelo começo. Nossos
representantes são oriundos de onde? Da própria população. Portanto, bem ou
mal, eles traduzem o pensamento coletivo. O que significa dizer que a
indiferença ou o desprezo por certas pautas não passa de reflexo da própria
manifestação popular.
Acontece que isso se acentua mais
e mais, na medida em que há tempos o exercício da representatividade político-partidária
tornou-se profissão. Embora não legalizada; mas, institucionalizada pela
legitimação popular que não exerce oposição a esse modus operandi praticado por muitos políticos no país.
Algo difícil de entender, porque
o cidadão permite que alguns de seus pares seja alçado, na condição de
representante do povo, a um mundo de regalias e privilégios, o qual ele próprio
não desfruta apesar de todos os seus esforços, os seus impostos, as suas dores
e sofrimentos. Como se ele fizesse pelo outro o que este jamais fará por ele. Cruel?
Perverso? Totalmente. Mas, é assim que as relações sociais cidadãs, no campo
político-partidário, têm se estabelecido.
Mas, ainda que a
representatividade tenha se tornado profissão, o seu exercício permite certas
flexibilizações que culminam em uma evidente distorção quanto às suas obrigações
e deveres. Quero dizer com isso que, tanto os candidatos quanto seus eleitores,
parecem não compreender que ao representante popular não cabe acenar com pautas
específicas ou próprias.
Simplesmente, porque ele é eleito
para representar aos interesses e demandas da população, do país. Sejam elas
quais forem. Não é à toa que precisam de conhecimento suficiente para tal. Não podem
e não devem jamais se guiar por achismos e casuísmos de ocasião, fomentados
principalmente pela nódoa rançosa do fisiologismo político nacional.
Isso demonstra que ao
manifestarem apreço ou desinteresse por essa ou aquela pauta, eles o fazem
porque acreditam que seus próprios eleitores referendam tal posicionamento. Ou seja,
é o comportamento social que determina, na verdade, direta ou indiretamente os
rumos das discussões e das soluções para as demandas nacionais. É o eleitor que
prioriza as importâncias e as desimportâncias no país.
E aí, cabe uma ressalva importantíssima,
que é destacar o perfil desse eleitor. Afinal, o Brasil é um país
historicamente marcado pelas desigualdades socioeconômicas, de modo que na
prática cotidiana nem todos os cidadãos têm, de fato e de direito, o seu lugar
de fala assegurado, cabendo a uma minoria elitista o papel decisório sobre
quais assuntos e por quais vieses o cenário político-partidário deve se
debruçar.
Portanto, não é só a pauta
ambiental que é preterida, apesar de todos os efeitos deletérios que a sua
invisibilização e negação promovem ao coletivo social brasileiro. Cultura. Lazer
e esporte. Saúde. Educação. Segurança Alimentar. Emprego. Segurança Pública. Respeito
religioso. Segregação e discriminação racial. Diversidade étnico-cultural. ...
nenhuma dessas pautas é discutida de maneira séria, responsável e em
profundidade pelos representantes do povo.
De certo modo, a velha visão
colonial elitista de que o dinheiro compra tudo (ou quase tudo) exime uns e
outros de se preocuparem com certos assuntos, o que, no frigir dos ovos, leva o
país a estabelecer uma gigantesca bola de neve de problemas, porque a grande
massa da população acaba negligenciada e prejudicada por esse silêncio
político. E se é ruim para uns, é ruim para todos. Haja vista a realidade atual
brasileira.
Nesse sentido, pode-se dizer que
essa é a grande vergonha nacional. O superficialismo que o brasileiro emprega
na análise da sua participação cidadã, no fundo, repercute naquilo que se viu
nos últimos dias 2. Brasileiros que decidiram
migrar para um outro país e, pela mais absoluta ausência de senso cidadão, se
consideraram no direito de desrespeitar aqueles que os acolheram. É claro que o
momento de luto foi um agravante; mas, independentemente disso, o simples
desrespeito ao outro é inadmissível.
Cabe observar com atenção que a ignorância
cidadã, ao longo da história da humanidade, assistiu episódios terríveis,
incluindo o morticínio durante a 2ª Grande Guerra mundial. O brasileiro tem
gostado muito de bradar aos quatro cantos sobre a sua soberania nacional; no
entanto, tem se mostrado cada vez mais deselegante e inconveniente quando se
trata da soberania alheia. Então, não nos espantemos se de uma hora para outra o
brasileiro começar a sofrer com eventuais efeitos xenofóbicos mundo afora.
Para que isso não aconteça, o
ideal é começar a refletir sobre os modos como tem se conduzido a cidadania
nacional, partindo da percepção de que “jamais
houve na história um período em que o medo fosse tão generalizado e alcançasse
todas as áreas da nossa vida: medo do desemprego, medo da fome, medo da violência,
medo do outro” (Milton Santos). Só assim seria possível impregnar na consciência
coletiva o entendimento de que “a prática
da cidadania só adquire sentido se em seu horizonte estão os direitos de todos,
a igualdade perante a lei, a defesa do bem comum” (João Batista Libânio).