Diante
do ponto de inflexão
Por
Alessandra Leles Rocha
Como muitos já perceberam, esse é
um pleito eleitoral atípico, ou seja, com diferenças importantes de análise se
comparado aos anteriores.
Seja pelos cenários que se
configuraram ao longo desses quatro anos, seja pelas transformações inerentes
ao próprio movimento humano, fato é que as especulações e conjecturas precisam
ter cautela para não se apresentarem como verdades absolutas.
Mesmo porque, depois de um
encontro inesperado com um inimigo invisível que ceifou mais de 685 mil
brasileiros, e continua a ceifar, as perspectivas da população sobre a dinâmica
da vida e do seu cotidiano foram radicalmente alteradas. O que se viu, o que se
sentiu, o que se experimentou nesses três anos de pandemia foi avassalador, até
mesmo para os mais insensíveis e céticos.
O mundo mudou! Não foi só o
Brasil. Não foi só a cidade, ou o bairro, ou a rua, ou a família.
Metaforicamente, foi como se um tsunami tivesse varrido e deixado um rastro de
escombros materiais e imateriais por onde passou.
Bem, considerando as desigualdades
que imperam sobre o mundo, não é de se espantar que os mais afetados nesse
processo foram os mais vulneráveis e desassistidos. No entanto, as rupturas, os
esgarçamentos, no âmbito do tecido social foram tão drásticos que a recuperação
se vislumbra tardia no horizonte para todos.
Diante disso, para um contingente
populacional bastante significativo, a chegada de um novo pleito eleitoral, de
certa forma, chega banhado por expectativas, por esperanças positivas.
O abandono, a negligência, o
descaso, a invisibilização que acabou fazendo parte do cotidiano dessas pessoas
as faz refutar a sua continuidade. Elas sabem que o seu próprio bem-estar
físico, psíquico e emocional depende de uma certa estabilidade, de um porto
seguro.
Por esta razão é que os sinais que
se apresentam, cada dia mais intensos, dão conta de que elas estão se segurando
com todo afinco aos seus fiapos de fé, de crença e de confiança, para
transformá-los em decisão cidadã nas urnas.
Assim, ao contrário de outros
pleitos, não me parece que esse venha a ser desenhado por uma consistente
abstenção. Tudo o que se viveu nesse recorte temporal de quatro anos, e ainda
se vive, no país, não passa indiferente e, por essa razão, desperta um
posicionamento cidadão nas pessoas.
As insatisfações agora são muito
maiores, muito mais complexas, ultrapassando figuras político-representativas
para traduzir aspirações e demandas cotidianas de sobrevivência.
Tanto que a movimentação de
jovens entre 15 e 18 anos para retirar o título e votar pela primeira vez, foi
surpreendente. A convocatória que se criou a partir do apelo de grandes
personalidades, nacionais e internacionais, levou a garotada a se engajar na
discussão política do país.
Do mesmo modo, idosos acima dos
70 anos, os quais são dispensados de votar pelo limite etário, decidiram
atualizar o documento para cumprir o exercício cidadão em 02 de outubro.
Portanto, ninguém me parece
disposto a abrir mão do voto, como já aconteceu. O choque de realidade, em
relação ao curso da história nesses últimos quatro anos, foi um divisor de
águas para a transformação opinativa dos cidadãos quanto ao papel e a
significância da política em suas vidas.
Como se o brasileiro (a) tivesse
despertado de um torpor secular e se entendido como um ser político, um ser
capaz de interferir na dinâmica da realidade.
As tentativas de persuasão,
inclusive com agrados e benesses de última hora, por exemplo, não repercutiram
positivamente como em outros tempos, porque as pessoas se descobriram donas das
suas escolhas, das suas decisões.
Tem-se que considerar, também, o
papel das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) nesse movimento.
Ainda que a desigualdade se faça presente no acesso a elas, o número de pessoas
com celulares e planos de internet é bastante expressivo.
O que favorece a aquisição de um
volume de informação vasto e diversificado que colabora nessa transformação
cidadã. As camadas mais populares do estrato social estão cada vez mais
antenadas ao que acontece na sua realidade e por essa razão, dispostas a
questionar o que lhes afeta e incomoda.
Portanto, pensar na abstenção
como fava contada para desequilibrar as projeções estatísticas das pesquisas
eleitorais não faz muito sentido diante do panorama atual.
Exceto pelo fato de que algum
candidato esteja vendo nesse cenário possibilidades de reversão do seu contexto
desfavorável e se empenhando muito em defender, sob diferentes bandeiras, essa
ideia.
Aliás, vimos isso acontecer nas
recentes eleições norte-americanas. Mas, contrariando a tudo e a todos, os
eleitores foram surpreendentes em fazer prevalecer a sua cidadania e exercer o
seu direito de voto, que lá é facultativo. Não teve chuva, nem vento, nem frio,
nem nada, que os demovesse da ideia de participar das eleições.
Então, não é difícil de entender
esse movimento. Afinal, as conjunturas pulsam por mudanças capazes de conter a
expansão das crises socioeconômicas que se instalam nos países e afetam
diretamente a vida das pessoas.
No caso brasileiro, ninguém mais
duvida de que o país arrastou correntes nesse período e não saiu do lugar,
porque os fatos são implacáveis no confronto com as retóricas vazias daqueles
que tentam vender um país totalmente distante da realidade. Nem grande parte
dos brasileiros acredita. Nem tampouco os estrangeiros.
Como dizia Mahatma Gandhi, “Seja a mudança que você quer ver no mundo”.
Mas, para tal é necessário que tenhamos sempre a consciência de que “Há coisas que são resolvidas por governos. Há
coisas que nenhum governo é capaz de resolver. Seremos nós, com o tempo que nos
for concedido, que resolveremos. Por via da nossa cidadania em construção” (Mia
Couto).
Afinal, “Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir” (Cora Coralina). Pense nisso! Esse é o ponto de inflexão!