quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Primaveras...


Primaveras...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

E a primavera começa hoje, no hemisfério sul! Tempo de celebrar a retomada do curso da vida! Depois de tempos frios, sisudos, improdutivos, melancólicos, profundamente tristes e desesperados, eis que a beleza multicolorida da vida se espalha pelos campos da existência humana. As energias se renovam. Os ares ficam menos pesados. Como se cada cantinho de nós e do mundo estivesse em festa.

Como diz o evangelho cristão, “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu” (Eclesiastes 3:1). Deveríamos nos atentar sobre isso! A vida não flui, necessariamente, segundo as nossas vontades e quereres. Cabe à modulagem das conjunturas as determinações do que é e do que será em comunhão com nossas escolhas e decisões.

As próprias estações do ano nos mostram isso. Vejam que apesar de todos os pesares impostos ao equilíbrio do meio ambiente, nem por isso, elas deixam de chegar e cumprir o seu rito. Podem não desfrutar do mesmo brilho, da mesma força, da mesma pujança; mas estão lá, firmes e fortes nas suas possibilidades de ser, de existir. Uma sinalização muito clara de que não podemos tudo!

Por isso mesmo as palavras de Cecília Meireles fazem tanto sentido: “Renova-te. / Renasce em ti mesmo. / Multiplica os teus olhos, para verem mais. / Multiplica-se os teus braços para semeares tudo. / Destrói os olhos que tiverem visto. / Cria outros, para as visões novas. / Destrói os braços que tiverem semeado, / Para se esquecerem de colher. / Sê sempre o mesmo. / Sempre outro. Mas sempre alto. / Sempre longe. / E dentro de tudo” (Cântico XIII).

Afinal de contas, o fundamento da primavera é esse, um resgate da essência, um olhar introspectivo que ao se renovar de tempos em tempos se transforma e dá a luz a um outro renascer, ou seja, ser o mesmo e outro simultaneamente. Traduzindo em miúdos, “Mude suas opiniões, mantenha seus princípios. Troque suas folhas, mantenha suas raízes” (Victor Hugo).

É assim que a passagem do tempo vai lapidando o que temos de melhor e nos possibilitando transformar o que não é. Autônomos para realizar as escolhas, para tomar as decisões, o resultado das primaveras é, em parte, nossa responsabilidade.  Aliás, isso diz respeito a todas as estações.

Daí a necessidade de entender que elas não acontecem dissociadas umas das outras, o que significa que as escolhas, as decisões, não são meramente transitórias. Elas repercutem, elas se propagam por uma genuína necessidade processual. A vida no seu todo indivisível! Sob os efeitos das suas primaveras, verões, outonos e invernos a fim de nos mostrar o que conseguimos ser até ali, naquele recorte de tempo.

E aí vem Cora Coralina para mostrar que tinha razão, “Se a gente cresce com os golpes duros da vida, também podemos crescer com os toques suaves na alma”! É justamente isso o que as estações nos reafirmam, quando elas não acontecem apenas de fora para dentro; mas, sobretudo, de dentro para fora.

É nesse contexto que se torna possível entender o quanto “é preciso sentir a necessidade da experiência, da observação, ou seja, a necessidade de sair de nós próprios para aceder à escola das coisas, se as queremos conhecer e compreender” (Émile Durkheim).

Aproveite, então, essa primavera que começa hoje, como quem veste não só uma roupa nova, mas uma alma nova. O momento pede despojar-se do antigo, do retrógrado, do obsoleto, do antiquado. Pede criatividade, inventividade, ousadia, inovação. Tudo com muita identidade, muita autenticidade, é claro!

Como declarou Santos Dumont, “Inventar é imaginar o que ninguém pensou; é acreditar no que ninguém jurou; é arriscar o que ninguém ousou; é realizar o que ninguém tentou. Inventar é transcender”. E seja que primaveras forem, todas sempre apontam esse caminho, ou seja, transcender, que nada mais é do que desabrochar.