Primaveras...
Por
Alessandra Leles Rocha
E a primavera começa hoje, no
hemisfério sul! Tempo de celebrar a retomada do curso da vida! Depois de tempos
frios, sisudos, improdutivos, melancólicos, profundamente tristes e
desesperados, eis que a beleza multicolorida da vida se espalha pelos campos da
existência humana. As energias se renovam. Os ares ficam menos pesados. Como se
cada cantinho de nós e do mundo estivesse em festa.
Como diz o evangelho cristão, “Tudo tem o seu tempo determinado, e há
tempo para todo o propósito debaixo do céu” (Eclesiastes 3:1). Deveríamos
nos atentar sobre isso! A vida não flui, necessariamente, segundo as nossas
vontades e quereres. Cabe à modulagem das conjunturas as determinações do que é
e do que será em comunhão com nossas escolhas e decisões.
As próprias estações do ano nos
mostram isso. Vejam que apesar de todos os pesares impostos ao equilíbrio do
meio ambiente, nem por isso, elas deixam de chegar e cumprir o seu rito. Podem
não desfrutar do mesmo brilho, da mesma força, da mesma pujança; mas estão lá,
firmes e fortes nas suas possibilidades de ser, de existir. Uma sinalização
muito clara de que não podemos tudo!
Por isso mesmo as palavras de
Cecília Meireles fazem tanto sentido: “Renova-te.
/ Renasce em ti mesmo. / Multiplica os teus olhos, para verem mais. /
Multiplica-se os teus braços para semeares tudo. / Destrói os olhos que tiverem
visto. / Cria outros, para as visões novas. / Destrói os braços que tiverem
semeado, / Para se esquecerem de colher. / Sê sempre o mesmo. / Sempre outro.
Mas sempre alto. / Sempre longe. / E dentro de tudo” (Cântico XIII).
Afinal de contas, o fundamento da
primavera é esse, um resgate da essência, um olhar introspectivo que ao se
renovar de tempos em tempos se transforma e dá a luz a um outro renascer, ou
seja, ser o mesmo e outro simultaneamente. Traduzindo em miúdos, “Mude suas opiniões, mantenha seus
princípios. Troque suas folhas, mantenha suas raízes” (Victor Hugo).
É assim que a passagem do tempo
vai lapidando o que temos de melhor e nos possibilitando transformar o que não
é. Autônomos para realizar as escolhas, para tomar as decisões, o resultado das
primaveras é, em parte, nossa responsabilidade. Aliás, isso diz respeito a todas as estações.
Daí a necessidade de entender que
elas não acontecem dissociadas umas das outras, o que significa que as
escolhas, as decisões, não são meramente transitórias. Elas repercutem, elas se
propagam por uma genuína necessidade processual. A vida no seu todo
indivisível! Sob os efeitos das suas primaveras, verões, outonos e invernos a
fim de nos mostrar o que conseguimos ser até ali, naquele recorte de tempo.
E aí vem Cora Coralina para
mostrar que tinha razão, “Se a gente
cresce com os golpes duros da vida, também podemos crescer com os toques suaves
na alma”! É justamente isso o que as estações nos reafirmam, quando elas
não acontecem apenas de fora para dentro; mas, sobretudo, de dentro para fora.
É nesse contexto que se torna
possível entender o quanto “é preciso
sentir a necessidade da experiência, da observação, ou seja, a necessidade de
sair de nós próprios para aceder à escola das coisas, se as queremos conhecer e
compreender” (Émile Durkheim).
Aproveite, então, essa primavera
que começa hoje, como quem veste não só uma roupa nova, mas uma alma nova. O
momento pede despojar-se do antigo, do retrógrado, do obsoleto, do antiquado.
Pede criatividade, inventividade, ousadia, inovação. Tudo com muita identidade,
muita autenticidade, é claro!
Como declarou Santos Dumont, “Inventar é imaginar o que ninguém pensou; é
acreditar no que ninguém jurou; é arriscar o que ninguém ousou; é realizar o
que ninguém tentou. Inventar é transcender”. E seja que primaveras forem,
todas sempre apontam esse caminho, ou seja, transcender, que nada mais é do que
desabrochar.