A
estranha teimosia em flertar com a violência
Por
Alessandra Leles Rocha
Se há algo que não se pode negar
em relação a esses quatro anos de gestão da direita e seus matizes, no Brasil,
é a comprovação irrefutável de que é inútil tentar anular ou invisibilizar as
camadas mais populosas da pirâmide social.
Pois é,
eles tentaram fazer um governo da elite para elite; mas, se esqueceram de
combinar com as conjunturas e com os imponderáveis da vida. De modo que depois
de toda a avareza mental e material sobre a qual tentaram construir sua
fortaleza de poder, tiveram que abrir as burras, os cofres, e colocar o
dinheiro na pista, como benesses de última hora.
O que
explica tanto ódio, tanto desprezo, tanta fúria, sendo destilada no país. Lamento,
mas a aposta de que a riqueza compra o sossego, na medida em que satisfaz a
todos os desejos, é uma falácia. O dinheiro não blinda o ser humano em relação
ao curso da vida. Ela é o que é. Achismos e quereres não subtraem essa lógica. Idealizações
são só idealizações. Por isso eles estão descontrolados.
Daí a
necessidade de entender que a exacerbação da violência no país, não tende a se
resumir apenas nesse momento de pleito eleitoral. Uma mudança de governo,
conforme apontam as pesquisas, não vai extinguir a efervescência do
descontentamento num piscar de olhos. Afinal, trata-se de algo enraizado na
identidade nacional brasileira, desde a sua gênese colonial.
O Brasil
se ergueu a partir das desigualdades socioeconômicas, na garantia do imobilismo
social, na exploração e na precarização do trabalho, no desrespeito e na
objetificação das minorias sociais, no elitismo das camadas detentoras dos
poderes. Portanto, ainda que certos indivíduos exerçam a representação desse
modelo, o que dá sustentação a ele são os simpatizantes às suas ideias no estrato
social.
Ou seja,
um grupo relativamente significante de pessoas que não quer abrir mão de uma
pseudo zona de conforto, que lhes parece garantir mínimas regalias e privilégios
materiais e subjetivos. E são elas, do lado de fora dos centros político-partidários
de representação, que continuarão defendendo esses pontos de vista, seja de
maneira civilizada ou não. O que significará uma tensão constante rondando pelo
ar.
É curiosa
essa ideia de encapsular o Brasil em uma bolha tão desconectada da realidade. Primeiro,
porque à revelia da vontade de uns e outros, a impossibilidade de homogeneizar
o pensamento, o comportamento e a dinâmica humana é um fato, dada a pluralidade
e a diversidade existencial.
Segundo,
porque amarrar o país a essa ideia é colocá-lo em uma posição de isolamento no
campo geopolítico internacional, em razão do desajuste, do desalinhamento
discursivo com o progresso e o desenvolvimento em curso no planeta. Haja vista
os recentes discursos das principais potências econômicas mundiais na Conferência
das Nações Unidas, em Nova Iorque.
Caro (a)
leitor (a), são tempos de guerra, tempos de fome, tempos de empobrecimento,
tempos de eventos climáticos extremos, tempos de total incerteza. Enquanto o
Brasil se gaba de ampliar a lista de bilionários na Revista Forbes, o Mapa da Fome
avança sobre a sua bandeira e prova como a má distribuição de bens e riquezas
não consegue fazer dele um protagonista no cenário mundial.
Sim,
porque milionários, bilionários, trilhardários que seja, nada disso fez do
contexto socioeconômico nacional um modelo de pujança, de planejamento, de crescimento.
Os quatro últimos anos mostraram números pífios se comparados a outros países
em conjunturas semelhantes. E nem venham lançar a culpa toda sobre a pandemia! Ela
foi só um aditivo perverso sobre algo que já não ia nada bem.
De modo
que o calafrio que sobe pela espinha, nesse momento, é pelo obscurantismo que
reveste a realidade socioeconômica atual. As alvissareiras notícias que vêm
sendo aspergidas pelos veículos de comunicação, não chegam plenas de verdade;
mas, repletas de ressalvas pouco esmiuçadas em relação aos prognósticos de um
futuro breve. De modo que, antes do que se imagina, essa pequena esperança pode
perder lugar para o desalento, mais uma vez.
Acontece que
para a direita e seus matizes nada disso parece importar. Porque, de fato, nunca
importou! Eles se recusam terminantemente a admitir que sem a base da pirâmide
o topo não se sustenta, e continuam a trabalhar na oposição da dignidade
humana, do bem-estar coletivo nacional. Sustentando
a ideia de que direitos são benefícios destinados apenas para gente como eles. Daí
não se poder mais dissociar as violências das práticas e discursos aporofóbicos.
Portanto,
não é e nem nunca foi a figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o que
incomoda. Não é o Partidos dos Trabalhadores o que incomoda. Não são os escândalos
de corrupção o que incomoda. O que incomoda para a direita brasileira e seus
matizes é a perda da hegemonia do controle social, segundo os seus interesses e
convicções. É o confronto discursivo que se estabelece pelo antagonismo ideológico
e humanitário que sustenta os seus poderes ou pseudopoderes.
Daí a
necessidade urgente de entender que “A violência,
seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota” (Jean-Paul
Sartre). A violência não muda o status
quo da sociedade. Não apaga, não invisibiliza, não elimina os problemas, os
obstáculos, os desafios. Tudo continua existindo até que a força das
conjunturas chegue suficientemente avassaladora para desconstruir e ressignificar.
Se assim não fosse, quanta coisa incrível não teria emergido a partir das
guerras, dos conflitos, das pequenas violências do cotidiano, não é mesmo?
Então,
contra as violências, a incivilidade, os absurdos, tenhamos sempre em mente que
“Os verdadeiros democratas não são
aqueles histéricos que exigem isto e reivindicam aquilo, que dizem que
precisamos de não sei quê e que vamos todos morrer estúpidos se não fizermos
não sei que mais. São os que vivem e deixam viver. São os que respeitam as opiniões,
as excentricidades e as manias dos outros, sem ceder à tentação de os
desconvencer à força” (Miguel Esteves Cardoso – As Minhas Aventuras na
República Portuguesa).