Qualquer
semelhança não é mera coincidência
Por
Alessandra Leles Rocha
Deselegância. Grosseria. Incivilidade.
Indelicadeza. Falta de educação. Petulância. Insultuoso. Malcriado. Desrespeitoso.
... E a lista de palavras para descrever a presença do atual presidente do
Brasil no Reino Unido pode ser acrescida de outras tantas. Mas, tudo o que esse
episódio vexatório não merece é notoriedade em tempos de luto. Já sabíamos que,
quanto a esse aspecto, a autoridade maior do país não tem o menor apreço. Inclusive,
também não ofereceu respeito e compaixão aos seus próprios concidadãos durante
a pandemia.
Bem, o mal já está feito!
Tentemos, então, olhar para essa viagem como quem se recorda do último Baile da
Ilha Fiscal. Para quem não sabe, esse foi o último baile do Império, ocorrido
na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, seis dias antes da Proclamação da
República e, portanto, o fim da monarquia no Brasil. Uma celebração suntuosa em
um país que via a crise monárquica se acentuar depois do fim da Guerra do Paraguai,
a formação do Partido Republicano, das campanhas abolicionistas e do
crescimento da aristocracia cafeeira no cenário político. De modo que o tal
baile foi a maneira de tentar ofuscar a realidade e trazer alguma pompa e circunstância
ao final do reinado de Pedro II.
Assim, qualquer semelhança não é
mera coincidência com o momento atual. Às vésperas de um pleito eleitoral
alicerçado sob uma conjuntura socioeconômica bastante crítica, sem desfrutar de
muita simpatia e cordialidade no cenário diplomático internacional, a
oportunidade de ir ao funeral da Rainha Elizabeth II, então, caiu como uma luva
para o presidente brasileiro que tenta a reeleição. Pena, que lhe falte o
decoro, a compostura e o traquejo que compõem o protocolo em situações de luto
oficial. Funerais não são bailes, não são eventos festivos. Neste caso, em
particular, não é só uma família que está enlutada; mas, uma nação inteira.
Mas, no restante, em termos de
luxo e ostentação, o presidente e sua vasta comitiva, que inclui figuras
alheias ao governo, fazem mesmo lembrar o episódio do Baile Fiscal. Tudo do bom
e do melhor, porque os prognósticos futuros não acenam oportunizar algo semelhante
outra vez. Até aqui os indicadores não apontam um cenário vitorioso de
reeleição. Mas, ainda que os ventos mudassem totalmente de rumo, as questões econômicas
do país acenam como agentes obstaculizantes para não permitir grandes extravagâncias
e delírios. A realidade contemporânea está contando caraminguás! Porque analisando
as conjunturas internas e externas para o próximo ano, a economia na sua
totalidade sofrerá impactos severos e importantes.
De modo que tudo nesse caso exala
melancolia. Melancolia diante do luto da realeza britânica. Melancolia diante
do constrangimento que o presidente e sua comitiva promoveram em solo estrangeiro.
Melancolia diante da realidade de um fim de governo que nunca governou. Melancolia
diante da imposição de tantas incertezas as quais viemos sendo submetidos desde
a pandemia. Melancolia diante de um cenário de tensões e violências políticas acintosas.
Melancolia diante da indiferença humana que se estabelece a partir dos pseudopoderes.
Melancolia...
Talvez, por isso, um funeral
tenha sido mesmo mais apropriado do que um baile. O som do Réquiem é o ideal
para uma reflexão crítica e profunda sobre esses tempos sombrios e desajustados
que vive o Brasil. A liturgia da finitude, da efemeridade. Tudo um dia chega ao
fim. Um fim que pode ser lembrado, celebrado ou, certas vezes, esquecido nas
poeiras do tempo. Um fim que tem muito a dizer aos viventes, sobre o que
representam os caminhos da vida, as escolhas, as decisões, os resultados. Um fim
que encerra um ciclo e abre as portas para um novo. Um fim cuja dor, algum dia,
se converterá em lembrança e pacificará as cicatrizes dos vazios deixados.