domingo, 18 de setembro de 2022

Orçamento federal para 2023. Reminiscências do Beija-Mão.


Orçamento federal para 2023. Reminiscências do Beija-Mão.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Tempos sisudos para o Brasil. Tudo parece tão pesado, tão cansativo, tão absurdo; mas, apesar dos pesares, algo parece sinalizar diferente no horizonte. Afinal, nem todas as transformações, as mudanças, as metamorfoses do mundo são efetivamente verbalizadas. A necessidade de entender as linguagens para além do verbal é imprescindível. Detalhes, pequenos sinais, ínfimos gestos, talvez, nos digam muito mais nesse momento do que qualquer amontoado de palavras.  

Esses últimos quatro anos de governo trouxeram para o cotidiano brasileiro o gosto amargo de uma realidade, até então, obscura. O ranço histórico colonial se mostrou claro, franco e indiscutível, com todo o seu arroubo determinado em aprofundar as desigualdades socioeconômicas nacionais e fazer desse um país estritamente elitista. No qual as camadas inferiores do estrato social estariam condicionadas aos parâmetros de uma subimportância, de uma subdignidade, de uma subcidadania.

Os velhos fantasmas que vigoravam no colonialismo brasileiro ressurgiram contemporâneos; mas, não menos perversos, cruéis e impactantes. O Brasil fez questão de dissecar suas entranhas e de exibir suas vísceras em praça pública, para quem quisesse ver e entender, de uma vez por todas, o que isso significa. Ou seja, o pior de um país que, nem mesmo nos áureos tempos coloniais, jamais conseguiu ser catapulta pujante para elevá-lo a um status de relevante importância no cenário internacional.

Tudo porque a desigualdade desequilibra. Não há desenvolvimento. Não há progresso. Não há inteireza social. Ora, não há protagonismo que seja conduzido apenas pela elite nacional! São todos aqueles que estão abaixo dela, os que realmente movem as engrenagens e fazem a roda da fortuna girar. Portanto, a grande massa populacional é visível sim! Os discursos quanto à sua invisibilidade, não passam de estratégias de controle e punição social para satisfazer aos anseios dos donos do poder, que não querem ter abaladas as suas influências sobre a dinâmica socioeconômica nacional.

Não é à toa que práticas de trabalho análogo à escravidão sejam recorrentes no Brasil do século XXI. Tanto no campo quanto nas cidades. Por trás da má distribuição de renda há sempre algo de abjeto herdado da tecitura das relações sociais coloniais. Daí o abismo que se forma entre a teoria e a prática, ao longo de mais de 500 anos de história, no que diz respeito ao acesso de quaisquer cidadãos, brasileiros ou estrangeiros aqui residentes, especialmente das camadas mais vulneráveis e desassistidas, aos seus direitos fundamentais e sociais.

E essa é uma questão que precisa ser debatida, discutida e refletida, além de meras escolhas de representatividade político-partidária, as quais estão, na verdade, fundamentadas numa transitoriedade humana que escapa à importância das crenças, dos valores e das convicções do cidadão. O ponto chave está fora desse olhar! Esta não é uma questão de escolha ou decisão entre esse ou aquele, simplesmente. Esta é uma questão de ruptura paradigmática com o retrógrado, com aquilo que nunca coube; mas, talvez, agora, caiba muito menos, na realidade nacional.

Porque as decisões político-administrativas no Brasil, infelizmente, quase sempre giraram nessa mesma espiral há séculos. A elite minoritária sendo prioritária nos ganhos socioeconômicos, enquanto a grande massa é prioritária nas perdas socioeconômicas. Não acredita? Então, preste atenção ao que dizem os veículos de comunicação e de informação: “Proposta do Orçamento de 2023 prevê redução de 95% nos recursos do programa Casa Verde Amarela” 1, “Orçamento de 2023 tem previsão de cortes e trabalhadores devem pagar mais impostos” 2, “Orçamento para 2023 terá cortes na saúde e na educação, diz secretário” 3, “Os efeitos do corte drástico na verba de investimentos públicos para 2023” 4, “Governo federal planeja corte de 50% no Farmácia Popular para 2023” 5.

É preciso entender que o desvirtuamento representativo, no campo político-partidário, só acontece porque os eleitos chegam ao poder pela força persuasiva da elite, que investe esforços nas suas candidaturas. Afinal de contas, apesar da existência do fundo eleitoral público para o custeio das campanhas, a influência das elites locais também contribui para geração de doações privadas de campanha. Então, ainda que sejam escolhidos pelo voto popular, eles estão condicionados a uma obrigação velada com seus apoiadores e investidores de campanha. O que explica, de certo modo, a razão pela qual o aprofundamento das desigualdades sociais se arrasta pelo tempo, no Brasil.

Lamento, mas a Cerimônia do Beija-Mão, nos tempos coloniais, semeou essas práxis tão nocivas à cidadania e ao desenvolvimento nacional. Trocando favores de maneira despudorada, um tipo infame de consciência banalizadora e normalizadora tomou conta do Brasil e o enredou para esse cenário caótico, cuja tendência é um mergulho cada vez mais profundo nas misérias sociais, no atraso das relações econômicas e produtivas, na antidiplomacia, no status de pária global. Situação que sinaliza claramente a iminência do país em se postar à margem da história com um pires na mão, ou seja, nem monarquia, nem república, nem nada.