Orçamento
federal para 2023. Reminiscências do Beija-Mão.
Por
Alessandra Leles Rocha
Tempos sisudos para o Brasil. Tudo
parece tão pesado, tão cansativo, tão absurdo; mas, apesar dos pesares, algo parece
sinalizar diferente no horizonte. Afinal, nem todas as transformações, as mudanças,
as metamorfoses do mundo são efetivamente verbalizadas. A necessidade de
entender as linguagens para além do verbal é imprescindível. Detalhes, pequenos
sinais, ínfimos gestos, talvez, nos digam muito mais nesse momento do que
qualquer amontoado de palavras.
Esses últimos quatro anos de
governo trouxeram para o cotidiano brasileiro o gosto amargo de uma realidade,
até então, obscura. O ranço histórico colonial se mostrou claro, franco e
indiscutível, com todo o seu arroubo determinado em aprofundar as desigualdades
socioeconômicas nacionais e fazer desse um país estritamente elitista. No qual
as camadas inferiores do estrato social estariam condicionadas aos parâmetros de
uma subimportância, de uma subdignidade, de uma subcidadania.
Os velhos fantasmas que vigoravam
no colonialismo brasileiro ressurgiram contemporâneos; mas, não menos
perversos, cruéis e impactantes. O Brasil fez questão de dissecar suas
entranhas e de exibir suas vísceras em praça pública, para quem quisesse ver e
entender, de uma vez por todas, o que isso significa. Ou seja, o pior de um
país que, nem mesmo nos áureos tempos coloniais, jamais conseguiu ser catapulta
pujante para elevá-lo a um status de relevante importância no cenário internacional.
Tudo porque a desigualdade
desequilibra. Não há desenvolvimento. Não há progresso. Não há inteireza
social. Ora, não há protagonismo que seja conduzido apenas pela elite nacional!
São todos aqueles que estão abaixo dela, os que realmente movem as engrenagens
e fazem a roda da fortuna girar. Portanto, a grande massa populacional é visível
sim! Os discursos quanto à sua invisibilidade, não passam de estratégias de
controle e punição social para satisfazer aos anseios dos donos do poder, que não
querem ter abaladas as suas influências sobre a dinâmica socioeconômica nacional.
Não é à toa que práticas de
trabalho análogo à escravidão sejam recorrentes no Brasil do século XXI. Tanto no
campo quanto nas cidades. Por trás da má distribuição de renda há sempre algo
de abjeto herdado da tecitura das relações sociais coloniais. Daí o abismo que
se forma entre a teoria e a prática, ao longo de mais de 500 anos de história, no
que diz respeito ao acesso de quaisquer cidadãos, brasileiros ou estrangeiros
aqui residentes, especialmente das camadas mais vulneráveis e desassistidas, aos
seus direitos fundamentais e sociais.
E essa é uma questão que precisa
ser debatida, discutida e refletida, além de meras escolhas de representatividade
político-partidária, as quais estão, na verdade, fundamentadas numa
transitoriedade humana que escapa à importância das crenças, dos valores e das
convicções do cidadão. O ponto chave está fora desse olhar! Esta não é uma
questão de escolha ou decisão entre esse ou aquele, simplesmente. Esta é uma
questão de ruptura paradigmática com o retrógrado, com aquilo que nunca coube;
mas, talvez, agora, caiba muito menos, na realidade nacional.
Porque as decisões político-administrativas
no Brasil, infelizmente, quase sempre giraram nessa mesma espiral há séculos. A
elite minoritária sendo prioritária nos ganhos socioeconômicos, enquanto a
grande massa é prioritária nas perdas socioeconômicas. Não acredita? Então,
preste atenção ao que dizem os veículos de comunicação e de informação: “Proposta do Orçamento de 2023 prevê redução
de 95% nos recursos do programa Casa Verde Amarela” 1,
“Orçamento de 2023 tem previsão de cortes e trabalhadores devem pagar mais
impostos” 2, “Orçamento para 2023 terá cortes na
saúde e na educação, diz secretário” 3,
“Os efeitos do corte drástico na verba de investimentos públicos para 2023” 4, “Governo federal planeja corte de 50%
no Farmácia Popular para 2023” 5.
É preciso entender que o
desvirtuamento representativo, no campo político-partidário, só acontece porque
os eleitos chegam ao poder pela força persuasiva da elite, que investe esforços
nas suas candidaturas. Afinal de contas, apesar da existência do fundo
eleitoral público para o custeio das campanhas, a influência das elites locais
também contribui para geração de doações privadas de campanha. Então, ainda que
sejam escolhidos pelo voto popular, eles estão condicionados a uma obrigação
velada com seus apoiadores e investidores de campanha. O que explica, de certo
modo, a razão pela qual o aprofundamento das desigualdades sociais se arrasta
pelo tempo, no Brasil.
Lamento, mas a Cerimônia do Beija-Mão,
nos tempos coloniais, semeou essas práxis tão nocivas à cidadania e ao
desenvolvimento nacional. Trocando favores de maneira despudorada, um tipo
infame de consciência banalizadora e normalizadora tomou conta do Brasil e o
enredou para esse cenário caótico, cuja tendência é um mergulho cada vez mais
profundo nas misérias sociais, no atraso das relações econômicas e produtivas,
na antidiplomacia, no status de pária global. Situação que sinaliza claramente
a iminência do país em se postar à margem da história com um pires na mão, ou
seja, nem monarquia, nem república, nem nada.
1 https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/09/15/proposta-do-orcamento-de-2023-preve-reducao-de-95percent-nos-recursos-do-programa-casa-verde-amarela.ghtml
2 https://www12.senado.leg.br/tv/programas/noticias-1/2022/09/orcamento-de-2023-tem-previsao-de-cortes-e-trabalhadores-devem-pagar-mais-impostos
3 https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/07/26/interna_politica,1382552/orcamento-para-2023-tera-cortes-na-saude-e-na-educacao-diz-secretario.shtml