Sobre
legados e rejeições...
Por
Alessandra Leles Rocha
Mais do que nunca as pesquisas
eleitorais têm sido esmiuçadas ao extremo, com vistas a traduzir um cenário de
tantos vieses de atipicidade como o atual. E um dos pontos que vem perturbando,
de certa forma, o sossego dos analistas, é o fato de que se estabeleceu uma
disputa entre duas gestões temporalmente distintas. Algo que é no mínimo
curioso, embora não seja difícil de compreender! Mais uma vez é a história que
elucida tudo muito bem.
Por mais tentativas que o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha empenhado antes de lograr êxito
nas eleições de 2002, no contexto político brasileiro parecia mesmo impossível
que alguém, fora da bolha da direita e de seus matizes, conseguisse chegar à
Presidência da República.
A providente construção narrativa
das elites nacionais feita no sentido de estabelecer uma associação entre a
defesa dos interesses e das necessidades das camadas mais vulneráveis e
desassistidas e o “comunismo”,
causava extremo desconforto e afugentava um número bastante expressivo de
eleitores, sem que houvesse da parte deles uma reflexão crítica apropriada a
esse respeito.
É bom que se diga que não foi
apenas a força do imperialismo norte-americano sobre o Brasil, após a 2ª Guerra
Mundial, que teceu essa repulsa a ideia do comunismo. Aliás, o discurso anticomunista emergiu a
partir dos acontecimentos da Revolução Russa, em 1917, e depois ganhou força no
auge da Guerra Fria, sempre caindo como uma luva para os interesses da elite
brasileira em não dar vez e voz aos demais estratos da pirâmide social,
mantendo todas as suas regalias e privilégios constituídos a partir da herança
colonial.
Não é à toa que qualquer um que
se prontifique a sair em defesa contra as desigualdades socioeconômicas no país
é rotulado como simpatizante do “comunismo”.
O que deixa claro que os valores humanitários, no Brasil, jamais conseguiram
romper a blindagem ideológica dos interesses capitais do minoritário grupo
detentor dos poderes. Foi assim, na monarquia. É assim, na república. Porque em
suas mentes não há razões para mudar a relação social com as camadas menos
favorecidas e desprivilegiadas e, portanto, impactar a dinâmica das relações econômicas.
Esclarecidos esses aspectos, como
seria inevitável pelas próprias forças conjunturais, eis que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”
e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enfim, chegou lá. Elegeu-se
Presidente da República Federativa do Brasil. O que parecia impossível aos olhos
da elite nacional, aconteceu. O lugar de fala das minorias havia sido
conquistado. Os estratos mais vulneráveis e desassistidos seriam finalmente
privilegiados.
Portanto, essa foi uma ruptura
profunda com diversas crenças, valores e princípios da identidade nacional que,
até então, mostrava-se tendenciosamente inabalável aos domínios elitistas. Um
verdadeiro divisor de águas? Sim. Como se a partir de 2003, a história brasileira
pudesse ser contada em antes e depois da ascensão popular. Uma geração inteira
nasceu sob um novo horizonte social e se percebeu cidadã do país. O que
aconteceu foi a desconstrução da velha cidadania, da inacessibilidade dos
direitos constitucionais. E isso é muito forte, muito impactante, inesquecível.
Queiram ou não admitir a
sociedade brasileira não foi mais a mesma, desde então. Daí a disputa eleitoral
se desenhar da forma com a qual vem se apresentando. Ainda que o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva tenha estado distante da visibilidade política direta,
durante alguns anos, não é esse o ponto. É o legado do seu pioneirismo que não se
perdeu e nem poderia. Lembre-se do disse Albert Einstein, “Algo só é impossível até que alguém duvide e acabe por provar o
contrário”. Pois é, ele provou.
E esse fato levou o país para uma
outra dimensão de consciência. Quem estava a margem das discussões, das decisões,
passou a se integrar e a ocupar o seu lugar de direito na cidadania nacional. Então,
não cabe, nessas alturas do campeonato, querer ou acreditar que essas pessoas
iriam se abster do seu protagonismo depois de terem nas mãos a oportunidade de
comparar duas realidades brasileiras tão antagônicas. Isso explica porque “Se em um dia de tristezas, tiveres de
escolher entre o mundo e o amor... escolhas o amor, e com ele conquiste o mundo!
” (Albert Einstein).
A atipicidade dessas eleições,
então, pode ser resumida pelas palavras de George Orwell, ou seja, “Quem controla o passado dirige o futuro. Quem
dirige o futuro conquista o passado”. O Brasil de 2003 não vai ser apagado.
Seus registros estão além das páginas da história. Estão impressos na vida de milhões
de pessoas que conquistaram o direito de serem brasileiros, segundo a
Constituição Federal de 1988. O que aconteceu de bom, de extraordinário, no
cotidiano delas não desaparece assim, num piscar de olhos, num agrado
oportunista qualquer, numa dúzia de palavras sem sentido.
Por isso, as palavras que melhor
cabem na reflexão desse contexto sejam as seguintes, “Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o
resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para
cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o
inimigo e nem a si mesmo, perderá todas as batalhas” (Sun Tzu) 1. Traduzindo em miúdos, não entender
isso representa a obrigação de enfrentar todas e quaisquer rejeições.