sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Nem tudo o que parece é...


Nem tudo o que parece é...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não sei se para você, caro (a) leitor (a), é difícil digerir certas notícias. Bom, para mim é! Principalmente, quando elas teimam em acenar como oásis num deserto a uma gente sedenta e aflita por verdadeiras boas novas. 

Pois é, não dá para ter outro sorriso no rosto, a não ser um bem amarelo pálido, depois de saber que o desemprego recuou 9,1%, em julho 1. Seria lindo, divino e maravilhoso se as entrelinhas da notícia não exalassem um cheiro tão ruim!

O cheiro do escárnio, do desrespeito em relação a uma legião de pessoas que foi lançada aos braços da informalidade, da precarização trabalhista e do achatamento da renda, para que viessem a sobreviver sem quaisquer redes de apoio e amparo social.

Sim, porque a informalidade é a expressão da indignidade, quando se entende que direitos básicos, tais como férias e descanso remunerado, hora extra, 13º salário, adicional de periculosidade ou insalubridade, não existem nesse tipo de configuração trabalhista. A informalidade é o trabalho da sobrevivência diária. Se não trabalha, não come, não mora, não paga luz e água, enfim... 

Mas, como desgraça pouca é bobagem, tenho visto nas propagandas eleitorais, uns e outros bradando em alto e bom tom o seu apreço pela dignidade que advém do trabalho. Bonito! Tocante! E até acredito que o exercício da atividade profissional exerça sim, uma sensação de participação social, de capacidade produtiva, de realização humana. Acontece que entre a teoria e prática, no Brasil, existe um abismo.

Esse discurso tenta fazer parecer que o brasileiro não gosta do trabalho, não quer trabalhar, é um indivíduo que vive na espera do assistencialismo e das políticas públicas, fato que não é verdade! Não nos esqueçamos de que nem sempre querer é poder!

E o infortúnio do desemprego arrasta correntes que não foram forjadas pelo trabalhador; mas, pelo próprio sistema que organiza e comanda as políticas públicas. Na atual conjuntura é certo de que há uma excepcionalidade no que diz respeito a um contingente de desempregados altamente plural dentro dos estratos sociais.

No entanto, a grande maioria chega a essa condição pelas vias mais cruéis e perversas da insuficiência e da ineficiência que afetam a sua acessibilidade aos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988, ou seja, educação, saúde, alimentação, moradia, transporte, proteção à maternidade e à infância 2.

De modo que as conjunturas do seu próprio cotidiano funcionam como critérios naturais de exclusão para aproximar as camadas mais vulneráveis e desassistidas da população de eventuais oportunidades de trabalho formais e capazes de lhes resguardar a sua dignidade cidadã e trabalhadora. Traduzindo em miúdos, isso significa uma maneira sutil de lhes colocar na encruzilhada entre a informalidade e o assistencialismo.

Não precisa ser nenhum expert em Economia, Direito, Sociologia ou Serviço Social, para perceber que a inação governamental para romper com as raízes históricas da desigualdade pretende permanecer ad aeternum.

Primeiro, porque o poder no país encontra-se secularmente seguro nas mãos de uma elite, cujos valores, princípios e convicções se sustentam na ideologia da direita e de seus matizes. De modo que, ao restante dos estratos sociais cabe o papel de mantê-los satisfeitos e dominantes no topo.

Segundo, porque ainda que houvesse quaisquer lampejos de consciência humanitária e transformadora, a própria realidade das engrenagens reguladoras das relações de produção e de serviços, dado o avanço científico e tecnológico promovido pelas grandes Revoluções Industriais, tornou-se cada dia mais incapaz de absorver a totalidade do contingente de mão de obra disponível.

Formou-se historicamente um gargalo, nesse sentido. Porém, a displicência e negligência em relação ao curso desse processo criou o quadro crítico e gravíssimo que se tem na contemporaneidade. Ao fechar os olhos para as desigualdades, ao longo do tempo, as classes dominantes fizeram com que elas se avolumassem de maneira descontrolada. Como escreveu Bertolt Brecht, “Realmente, vivemos tempos sombrios! ”.

Embora a matemática possa ser manipulada, a experienciação cotidiana não! E nesses tempos em que a existência humana se divide entre o real e o virtual, a vida como ela é não consegue mais ser maquiada por uns e outros. Basta abrir as janelas! Basta sair às ruas! Basta um toque nas telas! E lá os números mostram-se frios e nus, sem alegorias ou adereços, na mais completa quarta-feira de cinzas!

Por isso, o que se dissemina como verdade alvissareira, não passa de retórica encomendada para agradar a um único tipo de cidadão que vem insistindo em se proliferar no país, o analfabeto político. Ele não é só pior, ele é perigoso! Afinal de contas, “Aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso” (Bertolt Brecht, “A vida de Galileu”).

Mesmo assim, não perca a lucidez, não se entregue à cegueira do mundo! Há esperança e ela reside em você. Entenda, de uma vez por todas, “Nada é impossível de mudar. Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar” (Bertolt Brecht).