Quem
pode mais: a misoginia ou a força da mulher brasileira???
Por
Alessandra Leles Rocha
Ainda reverberando pelos meios de
comunicação e informação a misoginia explícita que se fez presente no primeiro
debate eleitoral dos presidenciáveis, tenho certas reservas em acreditar que a visibilidade
do episódio passe a construir um espaço real para as mulheres na sociedade
brasileira.
Considerando o cenário atual, que
permanece respirando os ares de uma herança colonial patriarcal, não me parece
tão simples assim, num mero piscar de olhos, por conta de quaisquer atos de
desrespeito, que se consiga romper com a misoginia no país.
Toda as estruturas de poder foram
secularmente organizadas e centralizadas nos homens, tanto em razão da herança
monárquica colonial quanto das diretrizes religiosas cristãs, em que colocavam
a mulher sempre na posição de objeto decorativo e sem nenhuma vez ou voz nas
decisões. Suas obrigações sociais estavam condicionadas à silenciosa
subserviência diante de toda e qualquer determinação masculina.
O problema é que o tempo passou,
são mais de 500 anos de história nacional, e não se pode dizer com convicção
que esse comportamento se transformou efetivamente. Haja vista a personagem
Maria “Bruaca”, na novela Pantanal.
Quantas “Bruacas”, em pleno século XXI, ainda não cruzaram a fronteira que
a personagem levou tempo, na história ficcional, para fazer? Estão por aí,
submissas e entregues aos arroubos misóginos de seus maridos, namorados,
companheiros e da própria sociedade, receosas pelo o que pode lhes acontecer se
tentarem uma ruptura.
O viés das violências, incluindo
os altos índices de Feminicídio, no Brasil, não deixam dúvidas de como o patriarcado
funciona conservadoramente para conter a busca das mulheres pelo seu
protagonismo social. Ele vigia. Ele amedronta. Ele pune.
E o patriarcado só consegue essa
façanha porque está em suas mãos, por exemplo, a decisão de não promover a
igualdade salarial e econômica. Vamos e convenhamos que a questão financeira
tem sim, um peso enorme na manutenção da misoginia e da violência doméstica;
sobretudo, em países de franca e profunda desigualdade social.
Por mais que as mulheres venham
se qualificando mais, estudando mais, buscando melhorias para sua condição de
vida, diante da responsabilidade e dos compromissos familiares, elas acabam se
rendendo as violências em nome da própria sobrevivência e dos filhos.
E isso é de uma perversidade
social imensa! Porque, muitas vezes, elas são barbaramente assassinadas antes
que tenham quaisquer oportunidades de reconstruir a sua vida longe desse ciclo
de selvageria e brutalidade.
Aos que ainda não entenderam ou
preferem não entender, o fato da misoginia no Brasil pertencer a um conjunto de
práxis históricas, isso não lhe dá o direito de continuar existindo. Já parou
para pensar quantos órfãos a misoginia produz no Brasil? Quantas famílias
desestruturadas surgem em decorrência da misoginia? Quantos abusos e violências
são cometidos contra meninas e adolescentes em nome de uma pseudolegitimação da
misoginia?
Ora, se muitos cidadãos e cidadãs
brasileiras se escandalizam com a misoginia deflagrada pelas mais diferentes
correntes religiosas radicais ao redor do planeta, porque aqui, no Brasil, um
país republicano, democrático e livre, esse assunto é visto como tabu, hein?
Será que a ideia é manter o maior
número de espaços sociais para exacerbar a ignorância, a truculência, o
desrespeito, a selvageria, pertencentes ao histórico patriarcal?
Aliás, criou-se no inconsciente
coletivo nacional que a misoginia é basicamente o insulto, a violência verbal,
o desrespeito gratuito, para fazer cair na justificativa rasa e vulgar de não
ver problema em tratar a mulher como se trata a qualquer um. Como se ela
tivesse que se sentir agradecida, inclusive, de estar sendo colocada em patamar
de “igualdade” com os homens.
Só que não! A misoginia é antes
de tudo a consolidação de diversos obstáculos para que a mulher não tenha
acesso à sua cidadania. Ela é reprimida e invisibilizada desde o seu lugar de
fala até o seu pertencimento nesse ou naquele lugar social. A misoginia
objetiva, então, privar a mulher de ser, de estar, de permanecer, de ficar, de
exercer todo e qualquer papel ou função que ela julgar importante.
Tanto que o pensamento feminista,
no Brasil, é mal visto dentro da sociedade, tanto por homens quanto por
mulheres. Isso acontece porque a construção de distorções, de aberrações, de
mentiras, em relação ao feminismo não se resume apenas a um possível
desconhecimento.
Na verdade, ela parece muito bem
respaldada de método e de critério para atender aos interesses do patriarcado
nacional e, mais recentemente, aos planos de poder de algumas correntes
religiosas fervorosamente arraigadas a um modelo de comportamento conservador.
Abrir a mente para essa reflexão
é, portanto, fundamental! Como escreveu Chimamanda Ngozi Adichie, “O feminismo faz, obviamente, parte dos
direitos humanos de uma forma geral – mas escolher uma expressão vaga como
‘direitos humanos’ é negar a especificidade e particularidade do problema de
gênero. Seria uma maneira de fingir que as mulheres não foram excluídas ao
longo dos séculos. Seria negar que a questão de gênero tem como alvo as
mulheres. Que o problema não é ser humano, mas especificamente um ser humano do
sexo feminino. Por séculos, os seres humanos eram divididos em dois grupos, um
dos quais excluía e oprimia o outro. É no mínimo justo que a solução para esse
problema esteja no reconhecimento desse fato” 1.
Enquanto uma parte significativa
da sociedade brasileira fecha os olhos para a misoginia, o país retrocede no
seu desenvolvimento e no seu progresso, porque impede que as mulheres, um
contingente numericamente significativo da sua população, venham agregar o seu conhecimento,
a sua força de trabalho, as suas habilidades e as suas competências
fundamentais em todos os campos da vida social.
Diante disso, penso e acredito
que seja imprescindível trazer à tona a história, a biografia, de um gigantesco
grupo de brasileiras para que possam não só desconstruir certos paradigmas, mas
ressignificar o papel da mulher brasileira a fim de inspirar e fortalecer o
ânimo das atuais e das futuras gerações.
Vamos conhecer Chiquinha Gonzaga. Bertha Lutz. Dandara dos
Palmares. Elza Furtado Gomide. Cecília Meireles. Enedina Alves Marques. Carolina
Maria de Jesus. Marta Vieira da Silva. Graziela Maciel Barroso. Nise da
Silveira. Tarsila do Amaral. Jacqueline Goes de Jesus. Ester Sabino. Hortência.
Patrícia Galvão (Pagu). Elza Soares. Maria José Deane. Sônia Guajajara. Rachel
de Queiroz. Márcia Barbosa. Cora Coralina. Nadia Ayad. Ana Néri. Sonja Ashauer.
Marina Silva. Rita Lee. Anita Malfatti. Viviane dos Santos. Dilma Rousseff. Vivian
Miranda. Maria Quitéria. Thelma Krug. Irmã Dulce. Sonia Guimarães. Zezé Motta.
Elisa Frota Pessoa. Hebe Camargo. Anitta.
Fernanda Montenegro. Txai Suruí. ...