terça-feira, 19 de julho de 2022

Enfim, constrangidos pelo negacionismo!


Enfim, constrangidos pelo negacionismo!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Ontem, o Brasil pode mensurar, de uma vez por todas, o quanto o negacionismo constrange um país 1. Afinal, não há nada mais narcísico e vaidoso do que negar a realidade dos fatos, para atender a satisfação das idealizações e dos interesses particulares. A negação é como colocar óculos escuros, você retira a luminosidade das imagens, mas não altera a sua essência.

Lamento discordar em parte, do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sobre ter ocorrido uma manifestação de negacionismo eleitoral durante a reunião do Presidente da República com vários embaixadores 2; pois, considero ter havido sim, um negacionismo à Democracia em toda a sua dimensão.

Ora, quaisquer questionamentos sobre a segurança da votação por meio das urnas eletrônicas, não passa de cortina de fumaça, de discussão requentada. São 27 anos e nem sei quantas eleições, para se colocar em dúvidas a legalidade e a legitimidade do processo que elevou à condição de representantes do povo, tantos cidadãos nas esferas municipais, estaduais, distritais e federais. Ninguém, em sã consciência, demoraria tanto tempo para questionar o processo, demoraria?

Além disso, o mais curioso é que a tal negação não emergiu das casas legislativas, onde o número de representantes é o mais numeroso ou dos executivos municipais, estaduais ou distritais. Em pleno, de repente, ela chegou pela voz do atual Presidente da República que se beneficiou do sistema para assumir tal função; mas, também, outras tantas anteriormente, em cargos do legislativo.  

Portanto, a negação manifesta foi à Democracia. Porque eu quero. Porque eu mando. Porque eu faço. Porque eu aconteço. ... Tudo isso é narcisismo autoritário, coisas de, como dizem por aí, “Napoleão de hospício”! Gente que acredita que é mais do que realmente é. Que se julga acima do Bem e do Mal. Que não se limita aos limites reais da vida.

Então, o que aconteceu foi uma demonstração de força. Ele pede àqueles embaixadores, os quais ele se dignou a convidar para sua explanação, que prestem atenção ao que ele pode fazer caso veja seus interesses contrariados. Com provas ou sem provas, ele vai questionar, ele vai negar, ele vai criar confusão!

Quanto aos rumos do país ou às relações diplomáticas e o comércio exterior, para ele nada disso importa. Detalhes. Meros detalhes.  Para ele, não para quem o ouvia. Foi assim, num piscar de olhos, em poucos minutos transitados no relógio, que o resto de dignidade, de credibilidade, de responsabilidade, que ainda se via no Brasil, esvaiu pela janela.  

Para muitos dos presentes, o episódio não soou como uma surpresa, tendo em vista o histórico verborrágico do Presidente brasileiro em diversas outras ocasiões 3. O assombro, talvez, decorra do fato de que estamos às vésperas de um pleito eleitoral e ele não relutou e nem se constrangeu em explicitar ao mundo as suas piores intenções. Como diz o jargão militar, “deu um tiro de advertência”.

Acontece que tal atitude só reafirmou aos presentes o tamanho do seu descaso e da sua carência de competência para administrar os rumos do país, as relações diplomáticas e o comércio exterior. Qualquer arroubo de prepotência, de autoritarismo, que ele venha a formalizar só tende, então, a ser respondido globalmente com o acirramento das tensões nos campos diplomáticos.

Pior para eles? Não. Pior para nós. Ao agir dessa maneira tresloucada, o Brasil aniquila sua relevância enquanto player internacional importante no comércio exterior, dado o grau de instabilidade e tensão que pretende instituir no país.

Bastaria um pouco mais de atenção às notícias internacionais, para perceber que tudo o que o planeta não precisa nesse momento é de mais variáveis turbulentas orbitando seus cenários. O Brasil que já não navega em mares de calmaria há tempos, portanto, pode colapsar se partir para o radicalismo.

Não, não se engane, o Brasil não é o esteio do mundo! O agronegócio que sustenta, por enquanto, a economia brasileira não desfruta de tamanha hegemonia. Não é à toa que a falta dos grãos produzidos na região da Ucrânia, desestabilizou os mercados no mundo inteiro, por conta da guerra deflagrada pela Rússia. O Brasil não se levantou como voz de tranquilidade, para dizer que poderia suprir as demandas, porque realmente não pode.  

Aliás, esse é um aspecto importante. Há mais de 500 anos somos exportadores de commodities – minério de ferro, soja, petróleo, carnes e derivados, açúcar, celulose, milho e outros -, e muito pouco nos dedicamos a aprimorar nossa competividade nos setores secundário e terciário da economia, a fim de disputar espaços mais lucrativos e de destaque no cenário internacional.

De modo que, qualquer sinal de desaceleração ou de mudança nos rumos das grandes economias do mundo, nos afeta de maneira direta 4. Se eles param de produzir, nós paramos de exportar. Se eles param de produzir, o custo do produto final deles se eleva e nós pagamos caro por tudo o que importamos. E esse movimento tende a desencadear a inflação, que corrói o poder de compra, que achata os salários, ... 5É assim que funciona!

Pois é, não estamos em condição de achar graça alguma em desvarios irresponsáveis. Ele (o Presidente da República) pensar nele próprio, nos seus interesses particulares, é uma coisa. Agora, o cidadão brasileiro considerar isso normal, aplaudir e apoiar, é de uma estupidez colossal.

Afinal, é sobre a grande massa da população que recai todas as consequências funestas e terríveis desse tipo de comportamento. Não é à toa que Benjamim Franklin dizia, “Tudo o que começa com raiva, acaba em vergonha”.    

O que aconteceu ontem, não é e nem jamais será, uma demonstração de altivez política, cidadã. Muito pelo contrário! É irresponsabilidade em estado bruto. É não reconhecer os compromissos que a investidura do cargo de Presidente da República impõe.

Enfim, é a desmoralização do país pela figura que deveria zelar pela sua imagem e dignidade. Em qualquer lugar do mundo, em que os cidadãos tivessem essa consciência, isso jamais chegaria a acontecer porque eles próprios não admitiriam. Pensemos, então, a respeito!