Enfim,
constrangidos pelo negacionismo!
Por
Alessandra Leles Rocha
Ontem, o Brasil pode mensurar, de
uma vez por todas, o quanto o negacionismo constrange um país 1. Afinal, não há nada mais narcísico e
vaidoso do que negar a realidade dos fatos, para atender a satisfação das
idealizações e dos interesses particulares. A negação é como colocar óculos escuros,
você retira a luminosidade das imagens, mas não altera a sua essência.
Lamento discordar em parte, do
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sobre ter ocorrido uma
manifestação de negacionismo eleitoral durante a reunião do Presidente da
República com vários embaixadores 2; pois, considero
ter havido sim, um negacionismo à Democracia em toda a sua dimensão.
Ora, quaisquer questionamentos sobre
a segurança da votação por meio das urnas eletrônicas, não passa de cortina de
fumaça, de discussão requentada. São 27 anos e nem sei quantas eleições, para
se colocar em dúvidas a legalidade e a legitimidade do processo que elevou à
condição de representantes do povo, tantos cidadãos nas esferas municipais,
estaduais, distritais e federais. Ninguém, em sã consciência, demoraria tanto
tempo para questionar o processo, demoraria?
Além disso, o mais curioso é que a
tal negação não emergiu das casas legislativas, onde o número de representantes
é o mais numeroso ou dos executivos municipais, estaduais ou distritais. Em pleno,
de repente, ela chegou pela voz do atual Presidente da República que se
beneficiou do sistema para assumir tal função; mas, também, outras tantas anteriormente,
em cargos do legislativo.
Portanto, a negação manifesta foi
à Democracia. Porque eu quero. Porque eu mando. Porque eu faço. Porque eu
aconteço. ... Tudo isso é narcisismo autoritário, coisas de, como dizem por aí,
“Napoleão de hospício”! Gente que
acredita que é mais do que realmente é. Que se julga acima do Bem e do Mal. Que
não se limita aos limites reais da vida.
Então, o que aconteceu foi uma
demonstração de força. Ele pede àqueles embaixadores, os quais ele se dignou a
convidar para sua explanação, que prestem atenção ao que ele pode fazer caso veja
seus interesses contrariados. Com provas ou sem provas, ele vai questionar, ele
vai negar, ele vai criar confusão!
Quanto aos rumos do país ou às
relações diplomáticas e o comércio exterior, para ele nada disso importa.
Detalhes. Meros detalhes. Para ele, não
para quem o ouvia. Foi assim, num piscar de olhos, em poucos minutos
transitados no relógio, que o resto de dignidade, de credibilidade, de
responsabilidade, que ainda se via no Brasil, esvaiu pela janela.
Para muitos dos presentes, o episódio
não soou como uma surpresa, tendo em vista o histórico verborrágico do
Presidente brasileiro em diversas outras ocasiões 3.
O assombro, talvez, decorra do fato de que estamos às vésperas de um pleito
eleitoral e ele não relutou e nem se constrangeu em explicitar ao mundo as suas
piores intenções. Como diz o jargão militar, “deu um tiro de advertência”.
Acontece que tal atitude só
reafirmou aos presentes o tamanho do seu descaso e da sua carência de competência
para administrar os rumos do país, as relações diplomáticas e o comércio
exterior. Qualquer arroubo de prepotência, de autoritarismo, que ele venha a
formalizar só tende, então, a ser respondido globalmente com o acirramento das
tensões nos campos diplomáticos.
Pior para eles? Não. Pior para
nós. Ao agir dessa maneira tresloucada, o Brasil aniquila sua relevância enquanto
player internacional importante no
comércio exterior, dado o grau de instabilidade e tensão que pretende instituir
no país.
Bastaria um pouco mais de atenção
às notícias internacionais, para perceber que tudo o que o planeta não precisa
nesse momento é de mais variáveis turbulentas orbitando seus cenários. O Brasil
que já não navega em mares de calmaria há tempos, portanto, pode colapsar se
partir para o radicalismo.
Não, não se engane, o Brasil não
é o esteio do mundo! O agronegócio que sustenta, por enquanto, a economia
brasileira não desfruta de tamanha hegemonia. Não é à toa que a falta dos grãos
produzidos na região da Ucrânia, desestabilizou os mercados no mundo inteiro, por
conta da guerra deflagrada pela Rússia. O Brasil não se levantou como voz de tranquilidade,
para dizer que poderia suprir as demandas, porque realmente não pode.
Aliás, esse é um aspecto
importante. Há mais de 500 anos somos exportadores de commodities – minério de ferro, soja, petróleo, carnes e derivados,
açúcar, celulose, milho e outros -, e muito pouco nos dedicamos a aprimorar
nossa competividade nos setores secundário e terciário da economia, a fim de disputar
espaços mais lucrativos e de destaque no cenário internacional.
De modo que, qualquer sinal de desaceleração
ou de mudança nos rumos das grandes economias do mundo, nos afeta de maneira
direta 4. Se eles param de produzir, nós paramos
de exportar. Se eles param de produzir, o custo do produto final deles se eleva
e nós pagamos caro por tudo o que importamos. E esse movimento tende a
desencadear a inflação, que corrói o poder de compra, que achata os salários,
... 5É assim que funciona!
Pois é, não estamos em condição
de achar graça alguma em desvarios irresponsáveis. Ele (o Presidente da
República) pensar nele próprio, nos seus interesses particulares, é uma coisa. Agora,
o cidadão brasileiro considerar isso normal, aplaudir e apoiar, é de uma
estupidez colossal.
Afinal, é sobre a grande massa da
população que recai todas as consequências funestas e terríveis desse tipo de
comportamento. Não é à toa que Benjamim Franklin dizia, “Tudo o que começa com raiva, acaba em vergonha”.
O que aconteceu ontem, não é e
nem jamais será, uma demonstração de altivez política, cidadã. Muito pelo
contrário! É irresponsabilidade em estado bruto. É não reconhecer os
compromissos que a investidura do cargo de Presidente da República impõe.
Enfim, é a desmoralização do país
pela figura que deveria zelar pela sua imagem e dignidade. Em qualquer lugar do
mundo, em que os cidadãos tivessem essa consciência, isso jamais chegaria a
acontecer porque eles próprios não admitiriam. Pensemos, então, a respeito!
1 https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/07/18/bolsonaro-reune-embaixadores-para-repetir-sem-provas-suspeitas-ja-esclarecidas-sobre-urnas.ghtml
3 https://g1.globo.com/politica/blog/valdo-cruz/noticia/2022/07/18/embaixadores-sao-alertados-por-seus-paises-para-nao-reforcarem-tese-de-bolsonaro-em-reuniao-sobre-urnas.ghtml