O
assunto é sobre Educação. Só Educação.
Por
Alessandra Leles Rocha
Educação é coisa séria. Menos no
Brasil. Tanto que criaram mais uma cortina de fumaça, usando a Educação como
pano de fundo. Então, muita calma minha gente! O fato de a regulamentação do
projeto que aprova a educação domiciliar – Homeschooling
1, pela Câmara dos Deputados, em
Brasília, na verdade não passa de mais uma invenção de moda, como tantas
outras.
Antes de gritar, de xingar, pare
e olhe para o país. Com atenção e foco, ok?! Alguém realmente acredita que essa
ideia vai pegar, que isso realmente vai sair do papel? O projeto começa a fazer
água de saída, quando olhamos para os estratos sociais brasileiros. Educação domiciliar
demanda estrutura logística, começando por ter um espaço dentro de casa para
construir esse ambiente de aprendizagem e conhecimento.
Sejamos, no mínimo, razoáveis
para admitir que diante de simples tarefas escolares já é difícil manter a
atenção da criança dentro de casa. É televisão, é videogame, é celular, é o
vizinho chamando, é lanchinho toda hora, é preguiça, é soneca, ...
Então, imagina só, ter que captar
a atenção para aprender todos os conteúdos da escola! Homeschooling não é uma atividade revisional de conteúdo, é uma
proposta de educação, de ensino e de aprendizagem em ambiente domiciliar.
Depois, que pais ou responsáveis estão
realmente disponíveis para ensinar? Que pais ou responsáveis estão dispostos a abdicar
do seu tempo livre (quando ele existe) para exercer à docência? Que pais ou responsáveis
são realmente preparados pedagogicamente para esse trabalho, hein? Que pais ou responsáveis
dominam todos os conteúdos do ensino fundamental 2,
hein?
Porque nem os próprios professores
conseguem jogar nas onze! Quando muito, os professores têm competência para
exercitar o ensino dentro de matérias afins, como por exemplo, ciência, química
e física, ou física e matemática, ou geografia e história, ou língua portuguesa
e língua estrangeira.
Mas, o arcabouço completo da
grade curricular prevista para o Ensino Fundamental I e II 3é
quase impossível encontrar alguém. Sem contar que isso custa caro. Professores
particulares não seguem a planilha de valores de hora/aula estabelecidos pelos
sindicatos ou pelo governo.
Eles (as) “vendem” a sua força de trabalho pelo preço calculado sobre o tempo
de dedicação, o deslocamento até a residência do aluno, a preparação dos conteúdos,
o desenvolvimento e correção das atividades.
Além disso, uma família, por
exemplo, que tenha dois filhos em idades escolares diferentes, provavelmente,
demandarão professores diferentes, em horários e dias diferentes.
Sem contar que se torna, segundo
o projeto aprovado, necessário formalizar essa opção de ensino junto a escolas
credenciadas, a fim de que o (a) aluno (a) seja matriculado e possa realizar os
exames de avaliação do ensino que ele (a) recebe em casa. Afinal, o Estado
brasileiro ainda é quem determina a aprovação e o aproveitamento educacional
dos alunos.
O que significa que o estudo em
casa está longe de ser uma proposta para trazer mais economia para as famílias em
tempos de uma crise tão severa. Como se vê o Homeschooling não está dissociado de matrícula, nem de mensalidade,
nem de material escolar, ... Pois existirão obrigações a serem cumpridas dentro
de ambiente escolar, como é o caso das avaliações.
Em suma, a ideia da educação
domiciliar representa mais uma iniciativa de reforçar regalias e privilégios
dentro de uma bolha social diferenciada. Acontece que isso não muda muito da
realidade que já existe. Os pretensos alunos ao Homeschooling são aqueles que já se encontram em um ambiente
escolar acessível a uma parcela muita ínfima da população brasileira.
Tratam-se daqueles que já dispõem
de uma educação repleta de cientificismo e tecnologização que ultrapassa as
fronteiras nacionais para dialogar com outras instituições do mesmo nível dentro
e fora do Brasil.
Esses alunos estão, portanto,
anos luz de distância das carências, das fragilidades, das inconsistências, dos
problemas reais que afligem a educação brasileira, e que afetam o ensino
aprendizagem de mais de 90% da população nacional.
Se as entrelinhas da ideia
partiram de alguma semente aporofóbica, só posso dizer que não era necessário. As
discrepâncias educacionais seculares, que existem no Brasil, já afastam
automaticamente os estratos sociais, colocando cada um com seu cada um.
Nem mesmo os instrumentos socioeconômicos
que visam contemplar certos alunos com bolsas de estudo, não desfazem o ranço histórico
da discriminação, da segregação, da humilhação, do constrangimento, que os atinge
diariamente. Ao contrário, nos ambientes escolares elitizados e elitistas os
diferentes nem sempre conseguem resistir e seguir em frente, porque a pressão
da opressão é descomunal.
Portanto, discutir o Homeschooling é só mais uma estratégia perversa
para não tornar a Educação brasileira o que ela realmente deve ser, precisa
ser, ou seja, um instrumento de cidadania, de dignidade, de oportunidade, de
acesso, de desenvolvimento, de progresso, de igualdade, de liberdade, de
fraternidade.
O que foi aprovado é só mais uma
gota do veneno destilado pelas pessoas que nutrem nas veias a aporofobia e
quaisquer outras formas de preconceito, de intolerância, de discriminação, de
segregação.
É só mais um modus operandi do encapsulamento individualista contemporâneo para
que se formem legiões de brasileiros condicionados pela ideia de ter tudo
somente para si, incapazes de demonstrar um traço sequer de solidariedade, de
empatia. Apenas, egoísmo em estado bruto.
Assim, diante desse breve
apanhado, a pergunta a se fazer é: esses cidadãos do futuro, gestados por esse
tal “Homeschooling”, irão mesmo sobreviver
as demandas sociais do século XXI, XXII, ...? Eles têm alguma chance? Saberão trabalhar
em equipe? Saberão compartilhar ideias e projetos? Saberão dialogar de maneira
franca e objetiva? Saberão conviver? Saberão coexistir? Ou teremos ilhas humanas
dispersas à deriva?
Olhando, então, com total atenção
para a realidade contemporânea, tais perguntas me fazem lembrar das palavras de
Maria Montessori, criadora do “Método
Montessori” 4. Ela que pensou e
formulou um sistema educacional baseado na formação integral do jovem, se
encaixa perfeitamente nessa reflexão, quando diz que “As pessoas educam para a competição e esse é o princípio de qualquer
guerra. Quando educarmos para cooperarmos e sermos solidários uns com os
outros, nesse dia estaremos a educar para a paz”. Portanto, a discussão a
se fazer não é sobre educação domiciliar. É, somente, sobre Educação.
1 https://g1.globo.com/educacao/noticia/2022/05/18/homeschooling-entenda-o-que-propoe-o-projeto-em-discussao-no-congresso-sobre-ensino-domiciliar.ghtml
3
Área
de linguagens (Língua Portuguesa, Artes, Educação Física, Língua Inglesa), área
de matemática (Matemática), área de ciências da natureza (Ciências, Química,
Física), área de ciências humanas (Geografia, História) e Ensino Religioso.