sexta-feira, 18 de março de 2022

Reflexões outonais...


Reflexões outonais...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Às vésperas do início do outono, não poderia deixar de trazer essa reflexão. Ainda que as mudanças climáticas sejam uma realidade, considerando o fato de que as estações do ano acontecem em razão da inclinação da Terra em relação ao Sol, certas características se mantêm.  

A redução das temperaturas no período da manhã e da noite. O desfolhar das árvores, causando-lhes um aspecto um tanto quanto sombrio. Dias cinzentos e sisudos. O convite silencioso ao movimento nos armários, em busca de roupas apropriadas para aquecer os corpos. Mudanças no cardápio alimentar, com pratos e bebidas capazes de esquentar a própria alma. Enfim...

Mas, não é por essa visão clichê do outono que resolvi escrever. Relembrando uma antiga canção da Legião Urbana que diz “[...]que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira [...]” 1, lá vai o Brasil abdicando do uso de máscaras. Será que o país se soltou do planeta? Ou será que o Sars-Cov-2 e suas variantes desapareceram como em um passe de mágica?

Pelo o que eu saiba, nem uma coisa e nem outra. Por aqui a COVID-19 continua matando, pelo menos em tese, mais de 400 pessoas/dia. Digo “em tese”, porque há tempos os dados divulgados não transmitem a certeza e a confiabilidade necessária para superar a desconfiança que paira desde o início da pandemia sobre a sua subnotificação.

Além do mais, notícias recentes dão conta de que o “Aumento de casos de Covid faz a China confinar milhões de habitantes” 2 e que a “Alta da Covid em países da Europa e da Ásia vira alerta de que a pandemia não acabou” 3.

Ora, mas nem precisava disso! O simples fato de existirem pessoas se recusando a vacinar, países que não alcançaram ainda o mínimo de imunização, rupturas totais ou parciais dos protocolos de segurança sanitária (uso correto de máscaras, álcool em gel ou higienização frequente das mãos com água e sabão), retomada de eventos com inevitável aglomeração de pessoas. ... Tudo isso mantém o vírus circulante e mutante por aí.

Mas você deve estar se perguntando o que uma coisa tem a ver com a outra? Comecei falando do outono e depois pulei para a COVID-19. Bem, querendo ou não, as características do outono favorecem diretamente a permanência em locais fechados, com menos circulação de ar, dadas as baixas temperaturas e eventuais chuvas que ocorrem nesse período, o que se se torna um “prato cheio” para uma série de doenças, incluindo a COVID-19.

Essa é a época do resfriado, da gripe, da sinusite, da pneumonia, do sarampo, da rubéola, da caxumba e tantas outras, porque a tríade formada pelas quedas de temperatura, baixa umidade do ar e aumento da poluição faz com que esses agentes infectocontagiosos, transmitidos por gotículas respiratórias, sejam dispersados principalmente em ambientes fechados e/ou superfícies (maçanetas, corrimãos, assentos públicos etc.).

Basta um espirro. Uma tosse. Uma mão contaminada. Um lenço jogado inadvertidamente no chão. ... O que significa que quanto mais doenças estiverem circulando, pior será a demanda por serviços de saúde. Sejam eles de baixa, média ou alta complexidade, dependendo do caso.  

Assim, se estamos cientes de um movimento negacionista em relação à Ciência e às Vacinas, o qual não se resume apenas à prevenção da COVID-19; bem como, de uma incompletude mundial da imunização populacional, das rupturas totais ou parciais dos protocolos de segurança sanitária, das aglomerações eventuais ou programadas e das próprias condições climáticas do período, como pensar na possibilidade de abdicar do uso de máscaras? Estamos “pagando pra ver”, desafiando gratuitamente a morte?

Entendo que, em muitos casos, o peso da Economia é que dita esses comportamentos, a fim de criar uma atmosfera de tranquilidade para retomada da dinâmica dos meios de produção e consumo. Êpa, então, por que a China, a segunda maior economia do mundo, decidiu isolar totalmente 13 cidades e adotar lockdown parcial para diversas outras? Por que o Reino Unido, a Áustria, a Holanda, a Grécia, a Alemanha, a Suíça e a Itália, também, estão sendo cautelosos diante do cenário de ampliação no número de casos, hein?

A verdade que o Brasil recusa aceitar é que vidas humanas são sempre prioridade. O restante do cotidiano apenas orbita ao seu redor. Sem pessoas não há economia, não há governo, não há progresso, não há nada em nenhum lugar do mundo.  

Além disso, as doenças não escolhem vítimas por perfil, haja vista a pandemia do Sars-Cov-2 e suas variantes. Matou ricos. Matou pobres. Matou gente em hospitais públicos. Matou gente em hospitais privados. Não escolheu gênero, raça, religião, escolaridade, profissão, nada.

Olhando para o mundo, os dois últimos anos trouxeram uma fragilização à dinâmica das relações socioeconômicas inimaginável, cuja recuperação tende a demorar décadas para encontrar algum equilíbrio. Afinal, considerando o fato de que o mundo sempre transitou por conflitos, por instabilidades políticas, por jogos de poder e interesse e por desigualdades inomináveis, qualquer mínimo acréscimo de turbulência é fatal.

E, agora, temos pandemia, temos guerra no leste europeu, temos mais 3 milhões de refugiados para acomodar com dignidade no mundo, temos uma desaceleração da economia global, enfim... não se precisa de mais problemas para administrar. Daí a preocupação desses países!

Portanto, não é hora de viver um roteiro ficcional. Protocolos de segurança sanitária, tais como o uso correto de máscaras, álcool em gel, higienização frequente das mãos com água e sabão e vacinação, são o mínimo de contribuição decente que o cidadão pode oferecer ao seu país.

Essa recusa, essa resistência de cunho ideológico, é de total infantilidade.  Fazer apologia à estupidez, à ignorância, não resolve nem um décimo dos problemas sérios que o Brasil enfrenta nesse momento, os quais atingem em cheio, aproximadamente, 94% da população.

Ao contrário, ela legitima de maneira equivocada um movimento de anticidadania, o qual amplifica e perpetua a estagnação e o retrocesso do próprio país. Portanto, “Que as mentiras alheias, não confundam as nossas verdades” (Caio Fernando Abreu – escritor brasileiro), em nenhum outono, em nenhum tempo da vida, que esteja para chegar.