Reflexões
outonais...
Por
Alessandra Leles Rocha
Às vésperas do início do outono,
não poderia deixar de trazer essa reflexão. Ainda que as mudanças climáticas
sejam uma realidade, considerando o fato de que as estações do ano acontecem em
razão da inclinação da Terra em relação ao Sol, certas características se
mantêm.
A redução das temperaturas no
período da manhã e da noite. O desfolhar das árvores, causando-lhes um aspecto um
tanto quanto sombrio. Dias cinzentos e sisudos. O convite silencioso ao movimento
nos armários, em busca de roupas apropriadas para aquecer os corpos. Mudanças no
cardápio alimentar, com pratos e bebidas capazes de esquentar a própria alma. Enfim...
Mas, não é por essa visão clichê
do outono que resolvi escrever. Relembrando uma antiga canção da Legião Urbana
que diz “[...]que mentir pra si mesmo é
sempre a pior mentira [...]” 1, lá
vai o Brasil abdicando do uso de máscaras. Será que o país se soltou do
planeta? Ou será que o Sars-Cov-2 e suas variantes desapareceram como em um
passe de mágica?
Pelo o que eu saiba, nem uma
coisa e nem outra. Por aqui a COVID-19 continua matando, pelo menos em tese,
mais de 400 pessoas/dia. Digo “em tese”,
porque há tempos os dados divulgados não transmitem a certeza e a confiabilidade
necessária para superar a desconfiança que paira desde o início da pandemia sobre
a sua subnotificação.
Além do mais, notícias recentes
dão conta de que o “Aumento de casos de
Covid faz a China confinar milhões de habitantes” 2
e que a “Alta da Covid em países da
Europa e da Ásia vira alerta de que a pandemia não acabou” 3.
Ora, mas nem precisava disso! O
simples fato de existirem pessoas se recusando a vacinar, países que não
alcançaram ainda o mínimo de imunização, rupturas totais ou parciais dos
protocolos de segurança sanitária (uso correto de máscaras, álcool em gel ou
higienização frequente das mãos com água e sabão), retomada de eventos com
inevitável aglomeração de pessoas. ... Tudo isso mantém o vírus circulante e
mutante por aí.
Mas você deve estar se
perguntando o que uma coisa tem a ver com a outra? Comecei falando do outono e
depois pulei para a COVID-19. Bem, querendo ou não, as características do
outono favorecem diretamente a permanência em locais fechados, com menos
circulação de ar, dadas as baixas temperaturas e eventuais chuvas que ocorrem
nesse período, o que se se torna um “prato
cheio” para uma série de doenças, incluindo a COVID-19.
Essa é a época do resfriado, da
gripe, da sinusite, da pneumonia, do sarampo, da rubéola, da caxumba e tantas
outras, porque a tríade formada pelas quedas de temperatura, baixa umidade do
ar e aumento da poluição faz com que esses agentes infectocontagiosos,
transmitidos por gotículas respiratórias, sejam dispersados principalmente em
ambientes fechados e/ou superfícies (maçanetas, corrimãos, assentos públicos
etc.).
Basta um espirro. Uma tosse. Uma
mão contaminada. Um lenço jogado inadvertidamente no chão. ... O que significa
que quanto mais doenças estiverem circulando, pior será a demanda por serviços
de saúde. Sejam eles de baixa, média ou alta complexidade, dependendo do caso.
Assim, se estamos cientes de um
movimento negacionista em relação à Ciência e às Vacinas, o qual não se resume
apenas à prevenção da COVID-19; bem como, de uma incompletude mundial da
imunização populacional, das rupturas totais ou parciais dos protocolos de
segurança sanitária, das aglomerações eventuais ou programadas e das próprias condições
climáticas do período, como pensar na possibilidade de abdicar do uso de máscaras?
Estamos “pagando pra ver”, desafiando
gratuitamente a morte?
Entendo que, em muitos casos, o
peso da Economia é que dita esses comportamentos, a fim de criar uma atmosfera
de tranquilidade para retomada da dinâmica dos meios de produção e consumo. Êpa,
então, por que a China, a segunda maior economia do mundo, decidiu isolar
totalmente 13 cidades e adotar lockdown parcial
para diversas outras? Por que o Reino Unido, a Áustria, a Holanda, a Grécia, a Alemanha,
a Suíça e a Itália, também, estão sendo cautelosos diante do cenário de
ampliação no número de casos, hein?
A verdade que o Brasil recusa
aceitar é que vidas humanas são sempre prioridade. O restante do cotidiano
apenas orbita ao seu redor. Sem pessoas não há economia, não há governo, não há
progresso, não há nada em nenhum lugar do mundo.
Além disso, as doenças não
escolhem vítimas por perfil, haja vista a pandemia do Sars-Cov-2 e suas
variantes. Matou ricos. Matou pobres. Matou gente em hospitais públicos. Matou gente
em hospitais privados. Não escolheu gênero, raça, religião, escolaridade,
profissão, nada.
Olhando para o mundo, os dois
últimos anos trouxeram uma fragilização à dinâmica das relações socioeconômicas
inimaginável, cuja recuperação tende a demorar décadas para encontrar algum equilíbrio.
Afinal, considerando o fato de que o mundo sempre transitou por conflitos, por
instabilidades políticas, por jogos de poder e interesse e por desigualdades inomináveis,
qualquer mínimo acréscimo de turbulência é fatal.
E, agora, temos pandemia, temos
guerra no leste europeu, temos mais 3 milhões de refugiados para acomodar com
dignidade no mundo, temos uma desaceleração da economia global, enfim... não se
precisa de mais problemas para administrar. Daí a preocupação desses países!
Portanto, não é hora de viver um roteiro
ficcional. Protocolos de segurança sanitária, tais como o uso correto de
máscaras, álcool em gel, higienização frequente das mãos com água e sabão e
vacinação, são o mínimo de contribuição decente que o cidadão pode oferecer ao
seu país.
Essa recusa, essa resistência de
cunho ideológico, é de total infantilidade.
Fazer apologia à estupidez, à ignorância, não resolve nem um décimo dos
problemas sérios que o Brasil enfrenta nesse momento, os quais atingem em
cheio, aproximadamente, 94% da população.
Ao contrário, ela legitima de
maneira equivocada um movimento de anticidadania, o qual amplifica e perpetua a
estagnação e o retrocesso do próprio país. Portanto, “Que as mentiras alheias, não confundam as nossas verdades” (Caio
Fernando Abreu – escritor brasileiro), em nenhum outono, em nenhum tempo da
vida, que esteja para chegar.
1 Quase sem
querer (Eduardo Dutra Villa Lobos; Marcelo Augusto Bonfa; Renato da Silva
Rocha; Renato Manfredini Junior) - https://www.youtube.com/watch?v=lk_EXr9xEr0