Não,
ela não é só um rostinho bonito!
Por
Alessandra Leles Rocha
É decepcionante pensar que, em
pleno terceiro milênio, o olhar lançado sobre as mulheres é ainda de uma
superficialidade total. Como se elas possuíssem apenas uma casca sem nenhum
conteúdo, o que justificaria sempre uma análise rasa e inconsistente a seu
respeito, resultando em uma aferição de eterna insuficiência.
Ora, não vão dizer que não é bem
assim, porque é. A todo instante, em cada ínfimo lugar do planeta, uma mulher é
“medida, pesada e julgada insuficiente” 1 pela sociedade. Fato é que, seja por
uma questão de crença nessa consideração que atribui à mulher uma inferioridade
ou inaptidão social, ou pela necessidade de uma afirmação da superioridade e
poder de dominação sobre esse grupo social, lá estão elas sempre sendo
colocadas no fim da fila das prioridades.
O que faz da vida da mulher um
desafio milenar. Afinal de contas, romper com o status da imagem, das aparências,
dos rostos e corpos, para colocar à prova as suas competências, habilidades e
talentos humanos é um exercício bastante árduo. É se posicionar na sociedade de
uma maneira que não é nada convencional aos padrões que se estabeleceram desde
os primórdios da história.
Porque ao fazer isso, elas
demonstram a sua total capacidade de ajustamento ao curso de desenvolvimento da
humanidade, ultrapassando as fronteiras e os limites de uma divisão social de
tarefas diretamente atreladas à manutenção do bem-estar cotidiano familiar.
O que, de certa forma, não só enaltece
a condição humana igualmente presente em homens e mulheres, reduzindo a meros
detalhes biológicos às diferenças existentes entre eles, como prova e comprova que
elas não são inferiores ou incapazes para as dinâmicas do contexto cotidiano.
E o que teria de ruim, ou de
absurdo, em tudo isso? Nada. Absolutamente nada. Mesmo porque, a vida não nos
chega com manual ou garantias. Tudo pode acontecer. De modo que as incertezas
são muito mais presentes do que as certezas para qualquer ser humano, seja
homem ou mulher.
Então, ao reconhecer que elas dispõem
de plenas condições de realização no âmbito social, isso contribui, e muito,
para a consolidação de uma consciência em torno da autonomia, da independência e
da autoralidade, que são extremamente úteis e importantes; sobretudo, nos
momentos de adversidade.
Ora, nem sempre os indivíduos podem
contar com o apoio e a assistência de um coletivo ao redor. Quantas mulheres não
se tornam arrimo de família por força das circunstâncias, hein? Quantas mulheres
não precisam se reinventar profissionalmente para garantir o sustento e a sobrevivência?
Quantas mulheres não precisam expandir seus conhecimentos para atender as
demandas especiais emergidas dentro da própria estrutura familiar? Quantas mulheres?
O problema é que, ainda, persiste
uma resistência a esse movimento como se ele não fosse algo natural e
decorrente das próprias conjunturas. São manifestações da sociedade que acabam
por amplificar e reafirmar todo um conjunto de desqualificações às mulheres,
punindo-as, até com certa severidade, como se estivessem infringindo eventuais códigos
sociais.
E essa é uma questão muito triste
e delicada, porque se torna possível perceber distintamente os equívocos discursivos
constituídos historicamente. É curioso como a sociedade, em pleno século XXI, ainda
se perturba, se incomoda, se irrita com a diversidade de papéis que as mulheres
se permitem assumir; mas, silencia diante de quaisquer manifestações de
objetificação feminina a partir das análises imagéticas, das aparências. O que
é uma pena, tendo em vista que é justamente desse processo, que advém toda a
carga de violências e de discriminações lançadas sobre as mulheres.
O pior de tudo é saber que esses
equívocos discursivos não partem somente, ou particularmente, dos homens como
muitos acreditam ou se valem para justificar certas barbáries. Eles têm o seu
quinhão nesse processo; mas, em razão do poder e da influência no mundo ainda se
concentrar em suas mãos, a sua participação pode ser menor.
Então, o que se percebe, até com
certa decepção, é o grau de fragilidade que existe na sororidade feminina. A disposição
de não julgar, de ouvir, de acolher, de respeitar, de se solidarizar, entre as
mulheres, é bastante relativizada dadas as construções dos valores, crenças e princípios
pelo inconsciente coletivo.
De certo modo, aqui e ali, muitas
encontram pretextos e desculpas para legitimar as suas posições antissororidade.
O que no fim das contas, culmina em uma exposição de quase execração feminina;
pois, retira delas a individualidade, a identidade, para lançá-las a uma sumária
e pejorativa homogeneização. Levando à construção de uma narrativa que as
transforma em uma massa de gente que pensa, fala, age, reage, se expressa, da
mesma forma. Quando não é verdade.
Mas, para que seja diferente,
para que os paradigmas sejam desconstruídos, é preciso enxergar as mulheres
como elas são, como seres humanos. Abstrair rótulos, estereótipos, preconceitos,
e tudo mais que possa impedir uma visão clara e objetiva a seu respeito. O que
elas desejam, almejam, desde sempre, são direitos humanos. Tanto que só existe
uma Declaração Universal de Direitos ... Humanos.
Se ela fosse aplicada a contento,
levada realmente a sério, muitas das mazelas que assistimos no mundo seriam
superadas. A começar por essa ideia estapafúrdia de “Guerra dos Sexos”, que não passa de mais um entre tantos
mecanismos nefastos de reafirmação de uma pseudodesigualdade entre os gêneros.
Nessas alturas do campeonato, o
que querem e precisam, mulheres e homens, é que se respeitem mutuamente e,
também, sejam respeitados na sua dignidade humana. No caso brasileiro, isso
significa agir segundo o artigo 6º da Constituição Federal de 1988 2.
Diante das conjunturas que se
apresentam, no país e no mundo, para alcançá-la será preciso unir esforços de
todos, sem distinção, arregaçando as mangas e se apresentando com suas
habilidades, competências e talentos.
Por isso, antes de torcer seu
nariz, de levantar o dedo em riste, de vociferar absurdos sobre e para as
mulheres, permita-se entregar a uma breve reflexão a partir das palavras de Virgínia
Woolf: “O que é uma mulher? Eu lhes
asseguro, eu não sei. Não acredito que vocês saibam. Não acredito que alguém
possa saber até que ela tenha se expressado em todas as artes e profissões
abertas à habilidade humana” 3. Assim,
creio que isso encerra qualquer dúvida ou discussão.
1 Referência ao
filme Coração de Cavaleiro (A Knight’s Tale), de 2001 – “Você foi pesado medido e considerado insuficiente”.
2
Artigo 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
(CF 1988).
3 WOOLF, V.; BARRETT, M. Women and Writing. Londres: Women’s Press, 1979. p.60.