terça-feira, 8 de março de 2022

E agora? Como será o amanhã?


E agora? Como será o amanhã?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

As Revoluções Industriais que vieram prometendo, mundos e fundos, para a humanidade, também, vieram tecendo uma dependência terrível em relação aos combustíveis fósseis – petróleo, carvão mineral e gás natural.

A tal ponto, que nem mesmo a crise do Petróleo nos anos 70, quando se descobriu que as reservas do produto eram finitas, explodindo em uma hipervalorização do mesmo no mercado internacional, fez a humanidade rever a questão.

Tanto a diversa produção industrial quanto a vida cotidiana haviam sido condicionadas a girar, principalmente, em torno de produtos e de derivados de petróleo. Gasolina, diesel, óleos lubrificantes, GLP, produtos asfálticos, querosene, chiclete, plásticos, tecidos (como o náilon e o poliéster), corantes, conservantes, flavorizantes, brinquedos, borracha sintética, esmaltes de unha, produtos de limpeza, filme fotográfico, giz de cera, balões de festa, ...

Então, o que parece uma praticidade incorporada ao cotidiano, com o tempo foi mostrando não só o seu custo financeiro, em decorrência dos constantes reajustes no preço dos barris; mas, os custos socioambientais.

Os quais incluem não só a dificuldade de degradação desses resíduos no meio ambiente e os eventuais acidentes com navios de transporte e plataformas marítimas de extração do produto; bem como, as doenças decorrentes do contato direto com esses produtos e subprodutos, tais como patologias cardiovasculares e respiratórias, alergias e neoplasias.

No entanto, isso também não fez a humanidade rever a questão. Aliás, é importante ressaltar que pesquisas científicas, fóruns internacionais, cúpulas governamentais e não governamentais, e tantos outros esforços em demonstrar e alertar sobre os caminhos transitados pela humanidade, em relação aos combustíveis fósseis, foram (e ainda são) frequentemente realizados e documentos, a partir deles, discutidos e assinados por diversos países.

Acontece que, o mundo já é um refém do sistema socioeconômico proposto pelas Revoluções Industriais, de modo que a geração de riqueza, poder e influência política advindos dele tornaram-se os argumentos primordiais para a tomada de quaisquer decisões a respeito.

Contudo, a tendência natural dos problemas é piorar e com o uso dos combustíveis fósseis não é, e nem seria, diferente. Então, a medida em que as conjunturas se tornaram mais desafiadoras foi inevitável buscar e aceitar medidas mais restritivas a eles e outras substituíveis.

Porém, sem comprometer demasiadamente o seu papel preponderante nos processos de produção mundial e na dinâmica cotidiana das sociedades. Isso significa que as alternativas propostas emergiram muito timidamente e com pouca participação e contribuição na resolução efetiva dos problemas, alguns, inclusive, já secularmente cronificados.

Mas, como dizem por aí, nada melhor do que um dia após o outro, porque desse movimento pode despontar uma surpresa, um elemento imponderável. Então, ele surgiu. Uma pena que seja pela figura de uma guerra, cujas proporções ainda não se pode mensurar exatamente; mas, que já causam tensões e rupturas socioeconômicas importantes no cenário da diplomacia internacional.

A invasão da Ucrânia pela Rússia está tendo, portanto, um impacto direto na questão dos combustíveis fósseis, pelo fato de que os russos são os maiores exportadores de gás natural e o segundo na exportação de petróleo, no planeta.

Isso significa que “o setor energético representa perto de dois terços de toda a renda da Rússia (63%). Mais da metade da população (53%) vive de salários ou pensões do governo. O gás e o petróleo acabam botando a sociedade de pé” 1.

Aliás, foi com a tomada da Crimeia pela Rússia, em 2014, que se despertou uma consciência nos europeus, no que diz respeito a redução da dependência do gás natural russo; entretanto, nada que fosse verdadeiramente impactante nas relações entre as partes.

Mas, agora, e especialmente com a decisão dos EUA em proibir a importação de petróleo russo e derivados 2 em seu país, as movimentações já acenam uma eliminação dos produtos combustíveis de origem russa por parte de outros países.

No entanto, isso cobrará um preço de toda a população mundial; afinal, “o mundo não pode prescindir do petróleo ou gás russo. A Rússia exporta mais de 8 milhoes de barris por dia de petróleo bruto e produtos refinados. Não há como substituir este volume”, nem mesmo, “mobilizando a Arábia saudita 100% e os Emirados 100% se consegue encher entre dois e três milhões de barris por dia” 3.

Mas, a insuficiência combustível é só a ponta do iceberg. O grande x dessa questão está no fato de que o planeta se permitiu viver atrelado à dependência dos combustíveis fósseis, mesmo diante de todos os alertas, todos os avisos, todos os dados científicos.

Hoje, a questão é a Rússia; mas, quaisquer que fossem os produtores a sofrerem sanções desse tipo, o mundo estaria sob impacto direto. Porque a vida, bens e consumos orbitam esse universo, em razão de que praticamente tudo o que utilizamos contém combustível fóssil, ou seja, nada foi feito para mudar esse cenário.  

O que significa que as consequências desastrosas a serem sentidas no contexto das relações diplomáticas, sobretudo quanto ao comércio exterior, não podem ser atribuídas exclusivamente à Guerra na Ucrânia e às sanções impostas aos russos.

Houve negligência, houve imprevidência, houve descaso, em relação ao desenvolvimento de um modelo econômico socioambientalmente sustentável, o qual trouxesse uma perspectiva inovadora para os diferentes sistemas de produção.  

A verdade é que a humanidade aceitou ser e permanecer refém dos combustíveis fósseis, pelo fato das cifras trilionárias que eles sempre ofereceram. Ninguém jamais se preocupou ou se atentou para os riscos, os perigos, os imprevisíveis que pertencem às dinâmicas do mundo.

Assim, as atuais sanções impostas à Rússia, nessa guerra, simplesmente, foram a gota d’água no sentido de desnudar as ambições que sempre foram uma fonte combustível para as Revoluções Industriais, em todos os tempos e lugares.  Daí, então, se descobriu da pior forma que tanta resistência, tanto esforço, tanto conflito, tanta ganância, no fim das contas resultará em nada, considerando que as mudanças de rota e de paradigmas sinalizam no horizonte próximo que serão mesmo inevitáveis.