quinta-feira, 10 de março de 2022

Pacote da Destruição. Só mais um “Cavalo de Troia” contemporâneo...


Pacote da Destruição. Só mais um “Cavalo de Troia” contemporâneo...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Governos, economistas e outros especialistas no setor já preveem um eventual entrave no comércio de várias commodities agrícolas, em especial o trigo, que é base da alimentação mundial, por conta da guerra no leste europeu. Por essa razão, outros países produtores, como é o caso da Argentina, já começam a se organizar para atender as demandas.

No entanto, há uma preocupação real, em relação aos eventuais eventos extremos do clima, que podem representar um grave obstáculo para esse processo, em face dos impactos negativos que possam causar sobre a produção, desde o plantio até a colheita e armazenamento.

Bem, se a humanidade ainda não se deu conta de que caiu nas próprias armadilhas é necessário fazê-lo com urgência! Especialmente governos, empresas e produtores agropecuários que insistem em pensar e agir na contramão da realidade vigente.

Concordo que a agricultura, desde sempre, convive diretamente com os elementos participantes da geografia física – relevo, clima, vegetação e hidrografia. No entanto, por irrefletidas e excessivas ações antrópicas sobre eles, agora, o planeta é confrontado pela imprevisibilidade de fenômenos extremos e devastadores.

De modo que a guerra, nessa história, é só mais uma “cereja do bolo”. Mais um agravante no curso de problemas a serem administrados e resolvidos. Porque se o bom senso e a razão baseados na Ciência não forem considerados efetivamente, o mundo pagará pela insegurança alimentar, pela fome, pela miséria, de toda uma população global.

E o ponto de partida dessa revisão paradigmática está no fato de como é curioso perceber que todos os esforços dedicados a ampliar as fronteiras de produção agropecuária, ao longo do tempo, tornaram-se os seus principais inimigos.

Os constantes desmatamentos e queimadas vêm impondo aos biomas uma destruição muito além da superficialidade, exigindo cada vez mais processos químicos de recuperação e recomposição do solo, os quais acabam sendo apenas parcialmente eficazes.

Afinal, a perda da cobertura vegetal afeta a insolação sobre as áreas descobertas, alterando o movimento das correntes de vento, da formação de nuvens e chuvas, da preservação da microfauna e microflora presentes no solo; sem contar, que compromete a absorção satisfatória dos processos químicos empregados. Um alto custo de investimento, cuja perda por tais condições desfavoráveis impede a excelência dos resultados esperados.

Você pode, então, questionar sobre o fato de safras recordes computadas, com certa regularidade. Ora, é simples! Há um aumento expressivo nesses investimentos para compensar o alcance dos resultados. O que explica porque a produção de alimentos, especialmente aqueles que compõem as commodities do agronegócio, é tão cara e torna a aquisição desses produtos, para a grande maioria da população, economicamente inviável.

De modo que as pessoas vêm sendo cada vez mais privadas de um meio ambiente equilibrado; mas, também, de uma alimentação capaz de satisfazer as suas necessidades biológicas. Nesse contexto é que a produção de alimentos no planeta, há tempos, se transformou na mais cruel e degradante linha da desigualdade.

Não só, porque ela enriquece aqueles que já são ricos e que, portanto, podem investir cada vez mais alto nas produções em larga escala (latifúndios); mas, porque ela adoece uma vasta parcela da população mundial, seja pelos impactos ambientais por ela promovidos, seja pelo excessivo uso de produtos químicos nas lavouras, seja pela insegurança alimentar decorrente da insuficiência quantitativa e qualitativa de alimentos.

Entretanto, como nada nessa vida é para sempre, parece que o jogo está mudando. Gradativamente, o excesso de certezas e convicções que sempre envolveu o imaginário de certos governos, empresas e produtores agropecuários está se esvaindo como fumaça, no que se poderia chamar de “lei do retorno”, promovida pela resposta de todas as ações antrópicas praticadas até aqui.

Escassez hídrica pela insolação demasiada, chuvas torrenciais e alagamentos, expansão de áreas erodidas (voçorocas e ravinas), amplitudes térmicas abruptas, granizo, redemoinhos de fogo, tornados, trombas d’água, nuvem de poeira; agora, são parte da imprevisibilidade cotidiana de espaços urbanos e rurais.

Os quais contribuem significativamente para acentuar as poluições químicas que alcançam o solo, o ar, os cursos hídricos, em toda a extensão territorial; mas, também, para dilapidar os volumes de produção, desconstruindo as perspectivas e as expectativas de lucro e enriquecimento.

Pois é, o excesso de confiança os traiu. Um belo dia, o limite apareceu e apontou para a realidade de sobrevivência de quase 8 bilhões de seres humanos. Sim, porque não há ser vivo que sobreviva sem água, sem alimento e sem abrigo.

E é diante dessa perspectiva que a humanidade se encontra, ou seja, morrer de sede, de inanição e/ou de ausência de habitação, por consequência direta das ações antrópicas sobre o Meio Ambiente e a impossibilidade de consolidação de uma Economia Verde.

Portanto, culpar a guerra no leste europeu sobre uma eventual insuficiência de alimentos no mundo significa buscar um “bode expiatório” para aplacar negligências, postergações, descasos, incompetências e tantas outras cegueiras sociais, que se arrastam ou se escondem há séculos.

Ao subverter a lógica das prioridades em nome do ter, do poder, do enriquecer, a humanidade se permitiu cair em total vulnerabilidade. O que, agora, lhe ameaça, lhe retira a paz e o sono, desestabiliza a sua ordem e o seu equilíbrio, é fruto genuíno da sua maneira torta de pensar, de viver, de se organizar, de enxergar além dos limites, ...; enfim, da sua ganância, da sua ambição, dos seus “pacotes da destruição” 1. Mais uma vez, escolhas... Consequências... Desdobramentos...