Pacote
da Destruição. Só mais um “Cavalo de
Troia” contemporâneo...
Por
Alessandra Leles Rocha
Governos, economistas e outros
especialistas no setor já preveem um eventual entrave no comércio de várias commodities agrícolas, em especial o
trigo, que é base da alimentação mundial, por conta da guerra no leste europeu.
Por essa razão, outros países produtores, como é o caso da Argentina, já
começam a se organizar para atender as demandas.
No entanto, há uma preocupação
real, em relação aos eventuais eventos extremos do clima, que podem representar
um grave obstáculo para esse processo, em face dos impactos negativos que
possam causar sobre a produção, desde o plantio até a colheita e armazenamento.
Bem, se a humanidade ainda não se
deu conta de que caiu nas próprias armadilhas é necessário fazê-lo com urgência!
Especialmente governos, empresas e produtores agropecuários que insistem em
pensar e agir na contramão da realidade vigente.
Concordo que a agricultura, desde
sempre, convive diretamente com os elementos participantes da geografia física –
relevo, clima, vegetação e hidrografia. No entanto, por irrefletidas e
excessivas ações antrópicas sobre eles, agora, o planeta é confrontado pela
imprevisibilidade de fenômenos extremos e devastadores.
De modo que a guerra, nessa
história, é só mais uma “cereja do bolo”.
Mais um agravante no curso de problemas a serem administrados e resolvidos. Porque
se o bom senso e a razão baseados na Ciência não forem considerados
efetivamente, o mundo pagará pela insegurança alimentar, pela fome, pela miséria,
de toda uma população global.
E o ponto de partida dessa
revisão paradigmática está no fato de como é curioso perceber que todos os
esforços dedicados a ampliar as fronteiras de produção agropecuária, ao longo
do tempo, tornaram-se os seus principais inimigos.
Os constantes desmatamentos e
queimadas vêm impondo aos biomas uma destruição muito além da superficialidade,
exigindo cada vez mais processos químicos de recuperação e recomposição do
solo, os quais acabam sendo apenas parcialmente eficazes.
Afinal, a perda da cobertura vegetal
afeta a insolação sobre as áreas descobertas, alterando o movimento das
correntes de vento, da formação de nuvens e chuvas, da preservação da
microfauna e microflora presentes no solo; sem contar, que compromete a
absorção satisfatória dos processos químicos empregados. Um alto custo de
investimento, cuja perda por tais condições desfavoráveis impede a excelência dos
resultados esperados.
Você pode, então, questionar
sobre o fato de safras recordes computadas, com certa regularidade. Ora, é
simples! Há um aumento expressivo nesses investimentos para compensar o alcance
dos resultados. O que explica porque a produção de alimentos, especialmente
aqueles que compõem as commodities do
agronegócio, é tão cara e torna a aquisição desses produtos, para a grande
maioria da população, economicamente inviável.
De modo que as pessoas vêm sendo
cada vez mais privadas de um meio ambiente equilibrado; mas, também, de uma
alimentação capaz de satisfazer as suas necessidades biológicas. Nesse contexto
é que a produção de alimentos no planeta, há tempos, se transformou na mais
cruel e degradante linha da desigualdade.
Não só, porque ela enriquece
aqueles que já são ricos e que, portanto, podem investir cada vez mais alto nas
produções em larga escala (latifúndios); mas, porque ela adoece uma vasta
parcela da população mundial, seja pelos impactos ambientais por ela
promovidos, seja pelo excessivo uso de produtos químicos nas lavouras, seja
pela insegurança alimentar decorrente da insuficiência quantitativa e qualitativa
de alimentos.
Entretanto, como nada nessa vida
é para sempre, parece que o jogo está mudando. Gradativamente, o excesso de
certezas e convicções que sempre envolveu o imaginário de certos governos,
empresas e produtores agropecuários está se esvaindo como fumaça, no que se
poderia chamar de “lei do retorno”, promovida
pela resposta de todas as ações antrópicas praticadas até aqui.
Escassez hídrica pela insolação
demasiada, chuvas torrenciais e alagamentos, expansão de áreas erodidas (voçorocas
e ravinas), amplitudes térmicas abruptas, granizo, redemoinhos de fogo,
tornados, trombas d’água, nuvem de poeira; agora, são parte da
imprevisibilidade cotidiana de espaços urbanos e rurais.
Os quais contribuem
significativamente para acentuar as poluições químicas que alcançam o solo, o
ar, os cursos hídricos, em toda a extensão territorial; mas, também, para
dilapidar os volumes de produção, desconstruindo as perspectivas e as
expectativas de lucro e enriquecimento.
Pois é, o excesso de confiança os
traiu. Um belo dia, o limite apareceu e apontou para a realidade de sobrevivência
de quase 8 bilhões de seres humanos. Sim, porque não há ser vivo que sobreviva
sem água, sem alimento e sem abrigo.
E é diante dessa perspectiva que
a humanidade se encontra, ou seja, morrer de sede, de inanição e/ou de ausência
de habitação, por consequência direta das ações antrópicas sobre o Meio
Ambiente e a impossibilidade de consolidação de uma Economia Verde.
Portanto, culpar a guerra no
leste europeu sobre uma eventual insuficiência de alimentos no mundo significa
buscar um “bode expiatório” para aplacar
negligências, postergações, descasos, incompetências e tantas outras cegueiras sociais,
que se arrastam ou se escondem há séculos.
Ao subverter a lógica das prioridades em nome do ter, do poder, do enriquecer, a humanidade se permitiu cair em total vulnerabilidade. O que, agora, lhe ameaça, lhe retira a paz e o sono, desestabiliza a sua ordem e o seu equilíbrio, é fruto genuíno da sua maneira torta de pensar, de viver, de se organizar, de enxergar além dos limites, ...; enfim, da sua ganância, da sua ambição, dos seus “pacotes da destruição” 1. Mais uma vez, escolhas... Consequências... Desdobramentos...