Mais
do mesmo...
Por
Alessandra Leles Rocha
Guardem as interjeições, porque
não há como disfarçar 1. O que o
Brasil exibe diariamente nas manchetes dos veículos de informação e comunicação
é apenas “mais do mesmo”. Pois é,
enquanto muitos se debruçam sobre o “disse
me disse” que envolve os pretensos candidatos à corrida eleitoral desse ano,
o país flui pela anormalidade torta que sempre fluiu.
Ora, por trás de todo e qualquer
problema há pessoas, seres humanos, de carne, osso e defeitos. De modo que,
desde sua instituição por aqui, o voto vem reproduzindo as distorções, os equívocos,
as tendenciosidades, os conchavos, ... enfim, o que há de mais podre nas relações
humanas, em termos da política nacional, ressalvadas raríssimas exceções.
O que significa que se mudam as
representações populares; mas, não se mudam as práxis. Tudo transita sempre
pela fórmula devastadora do fisiologismo, a qual apesar de conduzir à
materialidade de inúmeros crimes contra a administração pública, tais como a
corrupção, o peculato, a concussão e a prevaricação, não promovem
transformações robustas, o bastante, na opinião pública.
Durante certo tempo eu cheguei a
atribuir, um peso enorme de responsabilidade sobre esse fenômeno, à ignorância popular
decorrente de uma severa deficiência educacional, no que tange a ausência de
solidez do letramento cidadão. Mas, fui percebendo que ele não era o fiel dessa
balança e que a responsabilidade sobre tamanha irresponsabilidade advinha da
relativização dada aos desvios de caráter e de comportamento social presentes
na população brasileira.
Infelizmente, um país que
estabelece gradação aos seus delitos e crimes, só pode mesmo colher resultados
demasiadamente degenerados. Quando se parte do princípio de que a lei, por
aqui, não se aplica de maneira igual a todo e qualquer cidadão, a vida em todas
as instâncias é sim, lançada em uma vala comum de absurdos e deturpações. De modo
que, no fim das contas, ou a situação fica “o
dito pelo não dito” ou quem é punido é o pobre coitado que não tem vez e
nem voz nesse mundo, reafirmando a ideia de que “a corda sempre arrebenta do lado mais frágil”.
E não adianta, daqui e dali há
sempre alguém tentando tirar vantagem de alguma situação e/ou contemporizando
com diminutivos que tornam o fato ainda mais obsceno. Uma filinha dupla no trânsito. Um cafezinho
para o agente público em serviço. Uma mentirinha
para faltar no trabalho. Um agradinho para a professora aprovar o
filho. ... Como se tais comportamentos não
tivessem potencial suficiente para se trivializarem em um modus operandi essencialmente burlador do ordenamento jurídico nacional
“de fio a pavio”.
Mas eles têm. E o salto do micro
para o macro, nesse contexto, é rápido, muito rápido. Especialmente, porque os
representantes do povo são gente do povo. O que quer dizer claramente que eles
chegam aos altos escalões do poder já devidamente impregnados por esse
inconsciente coletivo, adulterado através de sucessivos maus comportamentos e
hábitos sociais. Portanto, eles conhecem o caminho dessas pedras!
Então, embora, nada disso seja
segredo para ninguém, a razão que faz esse movimento continuar fluindo é a existência
de um pacto velado, por parte da própria sociedade. Na medida em que ela não
quer ser pega e/ou punida nos seus diminutivos cotidianos, ela acaba fazendo “ouvidos de mercador” para o que já
ganhou proporções estratosféricas. Ela silencia. Ela se cala. Ela não aponta
para não ser apontada. Cria-se, então, um ciclo em que eles fingem que fazem,
os eleitores fingem que acreditam e o país se deteriora, escorrendo pelo ralo.
É desse jeito que a história
refaz as suas passagens mais deploráveis, como o voto de cabresto, a indústria da
seca, a indústria da fome, as obras faraônicas que não levam nada a lugar
nenhum etc.etc.etc. Muda-se o cenário, os atores, o período de exibição; mas,
os roteiros e as personagens são sempre as mesmas, a fim de garantir a
manutenção dos objetivos. Portanto, não há ineditismo nas nossas mazelas,
porque a população é, de algum modo, conivente com tudo isso.
Pode-se dizer que há alguma
expectativa em relação a esses acontecimentos. Não, no sentido de melhoria
efetiva para o país; mas, de alguma quirera dispersada ao imediatismo das
circunstâncias. Uma cesta básica. Um mísero reajuste salarial a ser carcomido
pela própria inflação, antes de fazer a alegria do trabalhador. Uma oferta de
emprego em tempos de tanto desemprego. Enfim...
E desse processo emerge uma
ferrugem que corrói a dignidade do país e obstaculiza o seu próprio desenvolvimento.
O país não é velho e atrasado porque tem mais de 500 anos. Ele é velho e
atrasado porque ele se permitiu atrofiar por essa ferrugem, que se renova
através das gerações a se sucederem dentro e fora do círculo político nacional.
Como se o país tivesse sido marcado a ferro por uma sina de total inação
cidadã.
Infelizmente, os erros, os
tropeços, os delitos e/ou os crimes, cometidos por certos cidadãos brasileiros
não eximem a coletividade do seu quinhão de responsabilidade. Portanto, não
lhes dá, nem ao menos, o mínimo direito de se indignar ou de ser enraivecer. Afinal de contas, no fundo, é pública e
notória a predisposição brasileira ao descumprimento das obrigações jurídicas e
institucionais estabelecidas, desde o micro ao macro das conjunturas sociais.
Os erros, os tropeços, os delitos e/ou os crimes, cometidos por certos cidadãos brasileiros não passam, na verdade, de um espelho que desnuda esse viés da identidade nacional. Dessa vez são uns, na próxima serão outros, e assim por diante. Eles são o resultado de uma eleição. Já ficou claro o quanto esse pacto tenebroso é democrático, ele está acima das siglas partidárias, das pseudoideologias, das pseudoconvicções, porque ele é um ranço identitário que sobrevive em uma parcela bastante representativa do povo brasileiro. Portanto, eu reitero: guardem as interjeições, porque não há como disfarçar.