quarta-feira, 23 de março de 2022

Mais do mesmo...


Mais do mesmo...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Guardem as interjeições, porque não há como disfarçar 1. O que o Brasil exibe diariamente nas manchetes dos veículos de informação e comunicação é apenas “mais do mesmo”. Pois é, enquanto muitos se debruçam sobre o “disse me disse” que envolve os pretensos candidatos à corrida eleitoral desse ano, o país flui pela anormalidade torta que sempre fluiu.

Ora, por trás de todo e qualquer problema há pessoas, seres humanos, de carne, osso e defeitos. De modo que, desde sua instituição por aqui, o voto vem reproduzindo as distorções, os equívocos, as tendenciosidades, os conchavos, ... enfim, o que há de mais podre nas relações humanas, em termos da política nacional, ressalvadas raríssimas exceções.  

O que significa que se mudam as representações populares; mas, não se mudam as práxis. Tudo transita sempre pela fórmula devastadora do fisiologismo, a qual apesar de conduzir à materialidade de inúmeros crimes contra a administração pública, tais como a corrupção, o peculato, a concussão e a prevaricação, não promovem transformações robustas, o bastante, na opinião pública.

Durante certo tempo eu cheguei a atribuir, um peso enorme de responsabilidade sobre esse fenômeno, à ignorância popular decorrente de uma severa deficiência educacional, no que tange a ausência de solidez do letramento cidadão. Mas, fui percebendo que ele não era o fiel dessa balança e que a responsabilidade sobre tamanha irresponsabilidade advinha da relativização dada aos desvios de caráter e de comportamento social presentes na população brasileira.    

Infelizmente, um país que estabelece gradação aos seus delitos e crimes, só pode mesmo colher resultados demasiadamente degenerados. Quando se parte do princípio de que a lei, por aqui, não se aplica de maneira igual a todo e qualquer cidadão, a vida em todas as instâncias é sim, lançada em uma vala comum de absurdos e deturpações. De modo que, no fim das contas, ou a situação fica “o dito pelo não dito” ou quem é punido é o pobre coitado que não tem vez e nem voz nesse mundo, reafirmando a ideia de que “a corda sempre arrebenta do lado mais frágil”.

E não adianta, daqui e dali há sempre alguém tentando tirar vantagem de alguma situação e/ou contemporizando com diminutivos que tornam o fato ainda mais obsceno. Uma filinha dupla no trânsito. Um cafezinho para o agente público em serviço. Uma mentirinha para faltar no trabalho.  Um agradinho para a professora aprovar o filho.  ... Como se tais comportamentos não tivessem potencial suficiente para se trivializarem em um modus operandi essencialmente burlador do ordenamento jurídico nacional “de fio a pavio”.

Mas eles têm. E o salto do micro para o macro, nesse contexto, é rápido, muito rápido. Especialmente, porque os representantes do povo são gente do povo. O que quer dizer claramente que eles chegam aos altos escalões do poder já devidamente impregnados por esse inconsciente coletivo, adulterado através de sucessivos maus comportamentos e hábitos sociais. Portanto, eles conhecem o caminho dessas pedras!

Então, embora, nada disso seja segredo para ninguém, a razão que faz esse movimento continuar fluindo é a existência de um pacto velado, por parte da própria sociedade. Na medida em que ela não quer ser pega e/ou punida nos seus diminutivos cotidianos, ela acaba fazendo “ouvidos de mercador” para o que já ganhou proporções estratosféricas. Ela silencia. Ela se cala. Ela não aponta para não ser apontada. Cria-se, então, um ciclo em que eles fingem que fazem, os eleitores fingem que acreditam e o país se deteriora, escorrendo pelo ralo.

É desse jeito que a história refaz as suas passagens mais deploráveis, como o voto de cabresto, a indústria da seca, a indústria da fome, as obras faraônicas que não levam nada a lugar nenhum etc.etc.etc. Muda-se o cenário, os atores, o período de exibição; mas, os roteiros e as personagens são sempre as mesmas, a fim de garantir a manutenção dos objetivos. Portanto, não há ineditismo nas nossas mazelas, porque a população é, de algum modo, conivente com tudo isso.

Pode-se dizer que há alguma expectativa em relação a esses acontecimentos. Não, no sentido de melhoria efetiva para o país; mas, de alguma quirera dispersada ao imediatismo das circunstâncias. Uma cesta básica. Um mísero reajuste salarial a ser carcomido pela própria inflação, antes de fazer a alegria do trabalhador. Uma oferta de emprego em tempos de tanto desemprego. Enfim...

E desse processo emerge uma ferrugem que corrói a dignidade do país e obstaculiza o seu próprio desenvolvimento. O país não é velho e atrasado porque tem mais de 500 anos. Ele é velho e atrasado porque ele se permitiu atrofiar por essa ferrugem, que se renova através das gerações a se sucederem dentro e fora do círculo político nacional. Como se o país tivesse sido marcado a ferro por uma sina de total inação cidadã.   

Infelizmente, os erros, os tropeços, os delitos e/ou os crimes, cometidos por certos cidadãos brasileiros não eximem a coletividade do seu quinhão de responsabilidade. Portanto, não lhes dá, nem ao menos, o mínimo direito de se indignar ou de ser enraivecer.  Afinal de contas, no fundo, é pública e notória a predisposição brasileira ao descumprimento das obrigações jurídicas e institucionais estabelecidas, desde o micro ao macro das conjunturas sociais.

Os erros, os tropeços, os delitos e/ou os crimes, cometidos por certos cidadãos brasileiros não passam, na verdade, de um espelho que desnuda esse viés da identidade nacional. Dessa vez são uns, na próxima serão outros, e assim por diante. Eles são o resultado de uma eleição. Já ficou claro o quanto esse pacto tenebroso é democrático, ele está acima das siglas partidárias, das pseudoideologias, das pseudoconvicções, porque ele é um ranço identitário que sobrevive em uma parcela bastante representativa do povo brasileiro. Portanto, eu reitero: guardem as interjeições, porque não há como disfarçar.