As
sombras dos silêncios dialógicos
Por
Alessandra Leles Rocha
Ultrapassando os limites de uma
mera impressão, as interações sociais estão cada vez mais dificultadas, em
grande parte, por um processo de obstaculização do diálogo e da pluralidade de
opiniões. Pois é, infelizmente uma grande maioria tem se sentido incomodada e
desconfortável com quaisquer apelos à sua consciência, que traga a verdade em
relação à sua falibilidade, aos seus eventuais erros e equívocos, à sua
condição humana natural.
Uma pena! Porque esse é o caminho
para a transformação. Para aquela metamorfose profunda que faz da lagarta feia
e repulsiva um ser alado pleno, de asas multicoloridas capazes de ganhar a imensidão
do céu. E não é vergonha nenhuma admitir a nossa incompletude, as nossas
imperfeições. Afinal, é a partir delas que se torna possível recomeçar,
refazer, reconstruir, reelaborar, com passos mais firmes, com mais consistência
reflexiva, com mais amplitude de sentidos.
As cascas, as aparências, os
rótulos, os preconceitos, nada disso nos define. O que somos ou podemos vir a
ser é abstrato e depende diretamente da nossa disponibilidade em se jogar na
história. Está guardada a sete chaves, dentro dos labirintos da nossa existência,
essa molécula de inquietude, de efervescência. E ela só sai de lá, quando provocada
por emoções, sentimentos e conjunturas que demandam da manifestação concreta
das suas ações. Trata-se do instante em que se descobre o que realmente nos
habita e nos dá forma e conteúdo. O que pode ser surpreendente e ameaçador ao
mesmo tempo.
Como estes são tempos estranhos,
que não querem grandes responsabilidades e compromissos, há uma tendência em
deixar tudo como está, adormecido, com ares de total superficialidade. De modo
que as pessoas se permitem vestir, cada vez mais, as suas personagens a fim de
se enquadrar e se compatibilizar com um senso comum preestabelecido. Poupa-se
energia. Evitam-se conflitos. Mas, nas profundezas do inconsciente lateja um
mal-estar não muito bem definido, que insiste sutilmente em perturbar.
Ora, tudo aquilo que não é
resolvido a contento fica por fazer. E de soluções em soluções “meia boca” o mundo se configura como
está. Um novelo emaranhado de problemas que se tensionam e amplificam consequências
ainda mais graves. Simplesmente, porque o ser humano se acovardou diante de si
mesmo, no que diz respeito a assumir as responsabilidades e as obrigações inerentes
à lealdade, a integridade, a verdade que devem marcar a sua própria identidade.
Por favor, vez e voz não é uma
outorga do mundo para esse ou aquele. Se queremos ter vez e voz precisamos
agir, nos colocar nessa condição, mesmo que seja difícil, dolorido,
angustiante. Parar de temer as incompreensões, os atritos, as
incompatibilidades, enfim... Porque ao nos recolhermos às nossas insignificâncias,
amedrontados e conflitados, só para não melindramos uns e outros, a única coisa
que conseguimos efetivamente é silenciar as transformações que queremos ver no
mundo.
Há uma citação de Mahatma Gandhi que
eu considero perfeita para desatar esse nó. Segundo ele, “As religiões são caminhos diferentes convergindo para o mesmo ponto. Que
importância faz se seguimos por caminhos diferentes, desde que alcancemos o
mesmo objetivo? Onde está o motivo para as brigas? ”. Essa reflexão cabe em
qualquer situação, porque o lamentável equívoco da humanidade é querer
construir uma homogeneização coletiva. Como se a solução dos problemas de maneira
pacífica e equilibrada só pudesse acontecer mediante uma igualdade total de
pensamento, de ponto de vista.
Cada vez mais, acirra-se a
necessidade de eleger o cerne dos problemas e trabalhar no sentido de resolver
esse objetivo. Ao se permitir ser controlado pelas vaidades do seu ego, o ser humano
perde muito tempo com futilidades e questões periféricas ao invés de agir com
praticidade e bom senso. O problema não está na pluralidade das opiniões; mas,
na resistência que dificulta extrair o denominador comum entre elas, a chave
que vai destravar e resolver o impasse.
Mas, para isso é fundamental
retomar o diálogo. Ninguém é maior ou menor. Somos constituídos e movidos por
diferenças de origem, de valores, de crenças, de interesses, ... e justamente,
por essa condição é que as contribuições distintas de habilidades, de competências,
de talentos, de personalidades, fortalecem e possibilitam manifestar a
inteireza dos diversos campos da existência humana.
No entanto, ao se permitir viver
a conta-gotas, a maioria se coloca na posição de não destoar muito, não
sobressair aos demais, não se colocar excessivamente vulnerável às circunstâncias,
o que no frigir dos ovos significa fazer da vida um grande muro de lamentações
e frustrações, o qual vai aprofundando os abismos que apartam as pessoas umas
das outras, criando legiões e legiões de donos de uma verdade rasa e
distorcida. Como escreveu Eduardo Galeano, “Vivemos
em plena cultura da aparência: o contrato de casamento importa mais que o amor,
o funeral mais que o morto, as roupas mais do que o corpo e a missa mais do que
Deus”.
Nesse sentido é que, no fim das
contas, sem perceberem os seres humanos estão favorecendo aos interesses mais
abomináveis do sistema, na medida em que estão desagregando as forças,
promovendo conflitos e rupturas, estabelecendo a dissonância que desfavorece à transformação.
Sem a capacidade dialógica a vida involui e não se chega a nenhum resultado
positivo. A raça humana está se permitindo perder a consciência de que “Não importa de onde eu vim, mas sim aonde
quero chegar” (Eduardo Galeano – jornalista e escritor uruguaio). Pensemos mais sobre isso.