Eu
prefiro ser...
Por
Alessandra Leles Rocha
Nada mais antinatural do que o
conservadorismo. Afinal, viver é um movimento de transformação, de evolução, de
ressignificação. Ninguém permanece o mesmo ao longo da vida; pois, vamos
mudando em forma e em conteúdo.
Não há ser humano que não seja
impregnado por acontecimentos, experiências, conhecimentos ao longo da sua existência,
trazendo uma coletânea de novas perspectivas e considerações a respeito de si
mesmo e do mundo.
Veja, cada ciclo de 24 horas é marcado
por diferenças e novidades, em maior ou menor escala. Enfim, a velha metáfora
do livro em branco a ser escrito traduz, portanto, a mais pura verdade sobre a
incompatibilidade humana ao conservadorismo.
Sendo assim, por que motivos
acreditar que defender a conservação de hábitos, costumes, comportamentos,
ideias, é realmente válido, hein?
Bom, todo esse apego, essa resistência,
não muda o curso da vida. A Terra continua a girar e os dias a se configurar,
segundo as influências das conjunturas. Então, o que se esconde por trás desse
pensamento? Indivíduos conservadores acreditam na ilusão de que podem ter o controle
das rédeas do mundo em suas mãos.
E a ideia do controle está
intimamente relacionada à ideia de poder, que é algo ambicionado por muitos. Ao
defender certas pautas, os conservadores buscam, pela manipulação das opiniões,
criar estratégias de fortalecimento do controle social, o qual lhes assegura a
manutenção de seus interesses político-econômicos.
Conservadores querem, no fundo,
manter as suas idealizações em relação à dinâmica do mundo, a fim de minimizar,
ao máximo, eventuais perdas que possam interferir nas suas regalias e privilégios.
Infelizmente, eles não entendem o mundo na ótica do bem-estar coletivo, em que
todos se beneficiam das melhorias, dos avanços, das conquistas.
Para eles tudo poderia permanecer
marcado e demarcado pelas linhas das desigualdades, que não haveria problema
algum. Afinal de contas, foi sob esse roteiro que suas linhagens genealógicas
vieram tecendo uma história de “sucesso”,
de “destaque”, de “enriquecimento”, de “glória”.
Mas, o que isso quer dizer de
fato? Quer dizer que eles não se constrangem ou perturbam, por exemplo, com a existência
e/ou o recrudescimento da pobreza e da miséria, ou das manifestações explícitas
do racismo e quaisquer outras formas de preconceito, discriminação e intolerância,
ou das inúmeras formas de exploração da mão-de-obra no mercado de trabalho.
Tudo, porque a sua ética é que
deve moldar a moral da sociedade, a fim de que uma pseudoestabilidade possa ser
capaz de resistir às investidas revolucionárias e progressistas. E isso é tão
sério, tão grave, que já consegue extrapolar limites até, então, impensados.
Se por um lado, a sociedade se encanta
e inebria com a profusão de novidades high
tech, frutos do desenvolvimento e do progresso científico e tecnológico,
por outro, ela lidera uma vigorosa marcha negacionista no campo da saúde
pública, mais precisamente, da imunização a diversas doenças.
Apegados à ideia de que é melhor
para o ser humano construir suas bases imunológicas a partir das próprias doenças,
milhões de pessoas estão abdicando do direito de imunização e favorecendo a
disseminação de diversos patógenos pelo mundo.
Sem contar, o grau de exposição
aos riscos de sequelas importantes e, em muitos casos, da letalidade, considerando
que cada organismo responde de maneira bastante específica ao contato com
determinada doença.
Valendo-se dos recortes contemporâneos,
os conservadores excluem dos seus discursos e narrativas o fato de que a inexistência
de vacinas no passado não só levou a ocorrência de epidemias; mas, também, a um
número expressivo de mortos e sequelados.
O enviesamento da sua
contabilidade aponta apenas para os que se beneficiaram da sorte para
sobreviver ilesos às doenças, como se sua teoria negacionista fosse realmente consistente
e justificável.
Aliás, a estratégia deles é
exatamente essa, ou seja, recortar da história o que lhes interessa, deturpar a
interpretação e disseminá-la vigorosamente como verdade inconteste. Afinal, o conservadorismo
não oportuniza o contraditório, em nenhuma circunstância, dada a sua consciência
sobre a fragilidade argumentativa que dispõe.
Na verdade, tudo isso não passa
de uma estratégia para se esquivar do confronto com a realidade. O conservadorismo
atua invertendo a lógica, a importância, a significância dos elementos constituintes
da vida.
Nesse sentido, presas a esse
passado idealizado e venerado, essas pessoas querem acreditar que estão isentas
de resolver os problemas que lhes surgem diante dos olhos, todos os dias, como
se eles não existissem ou fossem inexpressivos. Os conservadores não sabem;
mas, também, não pretendem aprender a lidar com a imprevisibilidade, com o
imponderável.
Quem assistiu ao filme “O Sorriso
de Mona Lisa” (Mona Lisa Smile), de 2003 1,
tem a exata dimensão desse processo; sobretudo, quando se observa a personagem
Nancy Abbey (Marcia Gay Harden), a professora de “etiqueta e boas maneiras” da Wellesley College, em Massachussetts
(USA).
Não é à toa, então, que se torna
cada dia mais bizarro olhar para o mundo e perceber, aqui, ali e acolá, a
presença de gente imbuída em reafirmar as crenças, os valores e as convicções
de caráter conservador.
Simplesmente, porque é como se tivéssemos
abertos um portal no tempo e nos fosse permitido olhar através dele para um
passado que pensávamos estar guardado nas páginas da história. Não há como
aderir tais ideias ao contexto que se tem agora.
São muitas as variáveis impossibilitando
se reescrever a vida em cima de transformações já consolidadas, a começar pelo número
de gerações que se sucedem ao longo tempo e trazem consigo uma vastidão de
informações, de conhecimentos, de perspectivas.
Assim, como diz a canção, “Prefiro ser / Essa metamorfose ambulante /
Eu prefiro ser / Essa metamorfose ambulante / Do que ter aquela velha opinião / Formada
sobre tudo [...]” 2. Não por conta da
fluidez contemporânea, da instabilidade natural dentro da qual estamos imersos;
mas, porque essa é uma forma muito mais equilibrada e sensata de sobreviver as
adversidades, que tendem sempre a impor ajustamentos, tantas vezes, amargos e difíceis.
Então, se você se permite seguir
o fluxo natural da vida, você se permite minimizar os sofrimentos, as angústias,
as frustrações, porque você aprende a encontrar algo de bom que te conforte nas
conjunturas. Stephen Hawking dizia que “A
inteligência é a capacidade de adaptação à mudança”.
Talvez, seja hora de utilizar
melhor nossa inteligência; pois, “Do
hábito da resignação nasce sempre a falta de interesse, a negligência, a indolência,
a inatividade e quase a imobilidade” (Giacomo Leopardi – poeta e ensaísta
italiano), que nada mais é do que a essência do conservadorismo.