Limites
reais. Limites virtuais. Limites...
Por
Alessandra Leles Rocha
Bom, se havia alguma dúvida em
relação a todas as implicações oriundas da Pós-Verdade no mundo contemporâneo,
a Pandemia foi precisa em desfazê-la pela presença maciça das Fake News destinadas a negar
veementemente a Ciência e as vacinas e, por essa razão, contribuir para o
número aterrorizante de óbitos pelo Sars-Cov-2 e suas variantes.
Afinal de contas, criando e
modelando a opinião pública, segundo interesses específicos, a Pós-Verdade se
constitui em um dos mais importantes mecanismos de influência e ressignificação
de crenças, valores e emoções na contemporaneidade.
Algo, que sob outras formas e
contornos sempre existiu na humanidade; mas, que ganhou extrema visibilidade e
capacidade de disseminação e capilarização a partir das Tecnologias da
Informação e Comunicação (TICs). Basta um celular nas mãos para a Pós-Verdade
ganhar a estrutura de inúmeras Fake News disparadas simultaneamente para
milhares de pessoas.
Considerando que o volume de
informações por segundo é inevitavelmente superior à capacidade humana de ler,
filtrar e refletir a respeito dos conteúdos, grande parte acaba sendo absorvido
e reproduzido sem passar por quaisquer filtros de análise.
O resultado disso é o surgimento
de uma relativização da verdade factual para que a Pós-Verdade possa prevalecer
e constituir o substrato da formação de uma opinião tendenciosa, que transita
pelos vieses que convêm aos seus disseminadores.
Assim, interferir no processo de
elaboração do pensamento humano, para que cada indivíduo exerça a sua
capacidade crítico-reflexiva, tornou-se cada vez mais difícil. Primeiro, porque
os modos e comportamentos humanos estão demasiadamente relativizados. O que
significa que a sociedade vem padecendo um eterno conflito entre a ética (a
reflexão individual) e a moral (pautada no coletivo).
Segundo, porque a sociedade está
imersa nas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), a tal ponto que as
relações sociais; bem como, as relações econômicas e culturais acontecem na
dependência delas.
De modo que a própria
fragmentação da ética encontra no espaço virtual um modo de agregação de novos
núcleos, os quais passam a compor uma moral enviesada e estruturada a partir de
pontos em comum, para interagir. É o que se vê, por exemplo, nos movimentos de
polarização das mais diversas ideologias.
Nesse contexto, o simples fato da
existência de uma gigantesca pluralidade moral associada à utilização
indiscriminada das TICs vem abalando a sobrevivência de certos elementos
fundamentais à convivência humana, tais como o respeito, a capacidade
dialógico-argumentativa, a empatia e o senso de coletividade.
De modo que a resolução de
dilemas, problemas e conflitos tem estado cada vez mais inacessível,
desencadeando desdobramentos impensados tanto na ordem do objetivo quanto do
subjetivo.
Assim, o X da questão não é a
multiplicidade e/ou a diversidade do pensamento humano, como alguns podem
pensar. Não. Opiniões diferentes, pontos de vista diferentes, foram e sempre
serão bem-vindos ao desenvolvimento humano.
O que se coloca em discussão aqui
é a necessidade de denominadores comuns, pontos de equilíbrios, que derivam da
existência de limites intrínsecos ao ser humano e que promovem a construção de
uma moral balizadora para o coletivo.
Afinal de contas, ninguém sabe
tudo. Ninguém pode tudo. A importância de um, não anula a importância do outro
no mundo. Daí a necessidade do respeito,
da empatia, da resiliência.
Mas, quando esse processo se
torna, de certa forma, atropelado pela banalização das TICs, a sociedade perde
e se perde. Porque a facilidade de aderir a uma ideia sem precisar pensar,
falar, debater, ... a respeito, é muito cômoda.
E a Pós-Verdade tem sim, se
valido dessa abdicação intelectual e cognitiva, manifesta por uma imensa
parcela da população. De modo que o pensamento humano se tornou superficial, inconsistente,
imediatista e, ao mesmo tempo, trouxe a falsa ilusão de aceitação, de
pertencimento social.
Como disse Zygmunt Bauman 1, “Os
grupos de amigos ou a comunidades de bairro não te aceitam sem dar razão, mas
ser membro de um grupo no Facebook é facílimo. Você pode ter mais de 500
contatos sem sair de casa, você aperta um botão e pronto”.
Mas, o pior é que tanta
facilidade está se tornando altamente perigosa e letal. Cyber Violências. Negacionismos. Movimentos Extremistas. ... Interromper
esse nível de desorganização e desestruturação linguístico-comportamental do
ser humano não é uma questão simples e fácil de resolver, considerando as
conjunturas da própria contemporaneidade.
Daí a necessidade de repensar o
padrão moral de comportamento tecnológico e não tecnológico da sociedade, a fim
de obstaculizar os efeitos tóxicos, deletérios, danosos que eles vêm promovendo
nas relações sociais. Haja vista quanto o silêncio a esse respeito já matou e
tende a matar muito mais gente, por aí.
Talvez, seja hora de colocar as
relações humanas no topo das prioridades, na hora de consolidar as regras de
utilização das ferramentas de comunicação cibernéticas, a fim de evitar, ou no
mínimo mitigar, os primitivismos e as barbáries que têm se visto reverberar
pela internet.
Discursos e narrativas que
extrapolam a civilidade, a cidadania, a legislação, e transformam palavras em
expressões que variam do delito ao crime, não podem permitir flexibilizar a
ética a tal ponto de subtrair ou anular a moral existente. Pelo menos, assim,
diria a lógica, o bom senso.
Mas, será que os seres humanos já
tão absorvidos e condicionados a esse movimento estariam, de fato, dispostos a
romper com certas comodidades, certas regalias, certos privilégios trazidos
pelas TICs? Será que eles se dispõem a exercitar uma reflexão sobre os rumos da
moral contemporânea, a fim de lapidar a sua ética? Será que se permitiriam
reforçar os próprios limites a fim de impedi-los de invadir os espaços alheios?
Embora importantes, talvez, essas perguntas jamais sejam respondidas a contento. Entretanto, vale a pena colocá-las na roda, mais uma vez, para estimular a reflexão e quem sabe encontrar algum eco por aí.