sábado, 12 de fevereiro de 2022

O Ser Humano; As Doenças...


O Ser Humano; As Doenças...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Os vírus sempre estiveram e estarão entre nós, isso é fato. Por isso, dada a sua invisibilidade eles nos colocam sob um nível de vulnerabilidade extrema, o que exige uma disposição ao cuidado, a vigilância, a precaução, também extrema. Acontece que os avanços das ciências e tecnologias biomédicas, ao longo dos séculos, trouxe uma aura de certa segurança e conforto para lidar com determinadas patologias virais.

Considerando-se que para algumas já existem vacinas e medicamentos, muita gente sai por aí, pensando que está tudo bem, que o pior está sob controle, que se ficarem doentes há recursos disponíveis para contornarem a situação. Acontece que não é bem assim que a banda toca. Aliás, estamos acompanhando minuto a minuto o desenrolar da pandemia do Sars-Cov-2 e suas variantes, para termos tanto a dimensão da importância das vacinas na mitigação dos casos graves e gravíssimos, quanto à contínua escalada da letalidade por grupos negacionistas ou por indivíduos altamente debilitados.

De modo que os avanços científicos e tecnológicos merecem sim, ser celebrados e reverenciados, mas é fundamental não perder o foco sobre o fato de que os vírus ainda detêm um controle importantíssimo sobre a dinâmica das doenças por eles provocadas. Simplesmente, porque ao assumirem o controle das células humanas para a sua reprodução, a forma como o organismo hospedeiro irá responder a esse ataque, dadas as suas condições clínicas, pode trazer consequências e desdobramentos inesperados e/ou impossíveis de reversão pelos recursos das ciências e tecnologias biomédicas disponíveis.

Então, lendo duas matérias publicadas a respeito do vírus HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), publicadas este mês 1, considerei oportuno trazer uma reflexão, tendo em vista de que desde a década de 1980, ele já infectou “79,3 milhões [55,9 milhões – 110 milhões] de pessoas”; bem como, matou “36,3 milhões [27,2 milhões – 47,8 milhões] de pessoas por doenças relacionadas à AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida)” 2. No entanto, não fossem as eventuais matérias publicadas pelos veículos de informação e comunicação, em geral, a sociedade não repercute mais as discussões a respeito dessa epidemia.

Porém, o HIV está aí, a AIDS está aí. Segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), “em 2020, havia 37,7 milhões [30,2 milhões – 45,1 milhões] de pessoas vivendo com HIV. 36 milhões [28,9 milhões – 43,2 milhões] de pessoas adultas. 1,7 milhão [1,2 milhão – 2,2 milhões] de crianças (0 a 14 anos). 53% das pessoas que vivem com HIV são mulheres e meninas. 84% [67% - >98%] de todas as pessoas vivendo com HIV conheciam seu status para HIV em 2020. Cerca de 6,1 milhões [4,9 milhões – 7,3 milhões] de pessoas não sabiam que estavam vivendo com HIV em 2020”.

Portanto, é fundamental esclarecer que não apenas entre profissionais do sexo e sua clientela, gays e outros homens que fazem sexo com homens, pessoas usuárias de drogas; mas, todo e qualquer indivíduo pode estar exposto ao contato inadvertido com sangue e fluidos corporais contaminados com o vírus. Já pensou, por exemplo, em quantas clínicas clandestinas que existem fazendo procedimentos médicos diversos, sem o menor rigor e controle sanitário? Ou que basta um equívoco no controle de hemoderivados de um banco de sangue, em qualquer lugar do planeta, para que pessoas sejam eventualmente contaminadas?

Infelizmente, não é possível ter o controle absoluto da prevenção. Cada um deve e precisa fazer a sua parte nesse processo. Daí a necessidade, da discussão, do diálogo, da conscientização sobre todas as camadas que envolvem a infecção pelo HIV e o desenvolvimento da AIDS. Afinal, “ao contrário de outros vírus, o corpo humano não consegue se livrar do HIV. Isso significa que uma vez que você contrai o HIV, você viverá com o vírus para sempre” 3. Sem contar que o HIV abre as portas do organismo para outras infecções oportunistas, tais como a Pneumocistose, a Histoplasmose e a Tuberculose.

Vale destacar que “em 2019, no Brasil, foram estimados 96 mil novos casos incidentes de tuberculose (TB); dos quais 11.000 ocorreram entre pessoas vivendo com HIV. Para o mesmo ano, houve 6.700 mortes por tuberculose. Destas 4.900 foram entre pessoas com sorologia negativa para HIV e 1.800 entre pessoas que viviam com HIV” (UNAIDS / estatísticas). E esta é uma doença extremamente contagiosa, porque se dá pelo contato direto com o doente, ou seja, através da fala, espirro, tosse, objetos pessoais /roupas / utensílios contaminados, ingestão de leite / carne bovina / derivados contaminados.

De modo que o silêncio, a banalização e/ou a negação de qualquer doença é um dos caminhos mais curtos para a construção de um cenário epidêmico; quiçá, pandêmico. Porque a vida no contexto social implica necessariamente em uma convivência e coexistência com pessoas diversas. As quais, na maioria das vezes, não se conhece em profundidade seus comportamentos, hábitos, costumes e práticas. E todo ser humano é um carregador de patógenos em potencial, que ele leva de um lugar para outro sem saber, tendo em vista que os agentes infectocontagiosos dispõem de períodos de incubação antes de manifestarem a doença.

Portanto, cada vez mais não temos espaço para descuidos, para negligências, para comportamentos irresponsáveis. Estamos, desde sempre, imersos em um ambiente repleto de inimigos invisíveis, vigilantes e à espreita para nos pegar desprevenidos e nos atacar. Alguns já notoriamente conhecidos, outros a se conhecer, enfim. Alguns com tratamento disponível, outros não. O que significa um flertar com a morte, dadas as atuais conjunturas. E isso não tem a menor graça. Não faz o menor sentido.

Mas, considerando o fato de que milhões de pessoas estão sendo deixadas à mingua, morrendo de fome, de sede, de desassistência, de doenças como a AIDS, a Tuberculose, a Sífilis, o Câncer  e, até mesmo, a COVID-19, enquanto os mais ricos e poderosos voltam os seus olhos para o céu, em busca de um novo planeta para “experimentar, colonizar, civilizar e ‘humanizar’” 4, de fato, nada mesmo faz sentido. Porque mudar de lugar, de geografia, de espaço, não extingue quaisquer problemas. Na medida em que o ser humano é quem os produz, é quem dispõe da nobre engenhosidade de configurá-los.

Portanto, talvez, seja hora de recobrar a razão, de assumir as responsabilidades sobre o agora, de enfrentar os desafios nada poéticos desses tempos caóticos contemporâneos. O HIV e todos os demais agentes infectocontagiosos continuam vitimando as pessoas, como se nada estivesse acontecendo; assim como, todas as mazelas sociais também o têm feito. E o que faz a humanidade? Banaliza. Trivializa. Invisibiliza. Nega. Até que, de repente, se vitimiza como um último refúgio para se dissociar da sua própria inação e negligência, para se livrar da sua voluntária irresponsabilidade diante e com a vida.