O
velho saudosismo conservador...
Por
Alessandra Leles Rocha
É espantoso ver como o saudosismo
conservador se espalha pelo mundo, a partir de ideologias e teorias da
conspiração plurais. A iminência de guerra entre EUA e Rússia, em relação à
Ucrânia, deixa essa impressão bastante clara. Não, do ponto de vista de um revival frio e nostálgico da Guerra Fria e sua bipolaridade
global, por assim dizer; mas, pelo o que significaria para a Rússia um
movimento de reconsolidação da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS).
O fato de eles não quererem uma
aproximação mais estreita dos antigos países do bloco com os norte-americanos e
seus aliados é um sinal visível de que a Rússia não quer vozes dissonantes aos
seus discursos, narrativas e objetivos. Assim, pelo menos em tese, a melhor
opção vista por eles é trazer para a sua influência doméstica os antigos
partícipes do seu grupo. A questão é que passados mais de 30 anos desde a
dissolução da URSS, muita coisa aconteceu na geopolítica global.
A começar pelo próprio nível de
tensão e conflito com que se deram os processos de independência das repúblicas
constituintes do bloco soviético. O que teve um peso extraordinário sobre as
relações socioeconômicas na região, impulsionando, em muitos casos, para o
atraso e o empobrecimento locais. De modo que quaisquer tentativas de refazer o
caminho de volta, certamente, tendem a não encontrar muito respaldo dentro das
populações. Inclusive, porque essa é uma região que não enfrenta apenas discordâncias
políticas, mas uma pluralidade étnico-religiosa, que torna o consenso dialógico
ainda mais difícil.
Além disso, a dinâmica dos players internacionais trouxe para o
jogo geopolítico novos atores, com especial destaque para a China e com a ênfase
para o sucesso das relações comerciais. O que vem se tecendo nessas últimas décadas
é justamente um modelo de hegemonia com base nas novas tecnologias e na
ampliação das exportações de produtos de alto valor agregado. Invadir, pilhar,
conquistar espaços e pessoas em nome de ampliação de territórios, como maneira
de demonstrar o tamanho dos dominadores, ficou para trás. Estes são tempos em
que as influências são ditadas pelo êxito nos mercados consumidores e a
capacidade de gerar neles a sede de consumo.
Assim, enquanto as estruturas
diplomáticas trocam farpas, rusgas e esticam as cordas, o planeta, sobrevivente
aos desafios socioeconômicos impostos por pouco mais de dois anos de pandemia,
permanece atento aos sinais de mais problemas no horizonte. E como já se sabe,
conflitos bélico-militares são sempre agentes de profunda paralisia nas
relações comerciais internas e externas, o que representaria, na atual
conjuntura, mais um golpe fatal para países e mercados; sobretudo, os mais
vulneráveis. Nas guerras só os arsenais desfrutam do sucesso econômico. O restante
é só penúria e desolação.
Acontece que a partir da Segunda
Guerra Mundial, cada vez mais esses arsenais passaram a refletir a dimensão dos
avanços científicos e tecnológicos dos países. Apontando quem estava mais ou
menos a frente dos demais, quem era capaz de dispor de armamentos mais vanguardistas,
quem detinha tecnologias de maior potencial de efeito surpresa e letalidade. No
entanto, o tempo nivelou o jogo. A corrida pelas ciências e tecnologias colocou
mais atores na disputa, além de russos e norte-americanos. Equilibrando assim,
a disputa. Haja vista quantos países dispõem das velhas ogivas nucleares e
outras inovações de última geração.
O ponto em questão é que essa
corrida não parou por aí. Foi além, muito além. Os avanços científicos e tecnológicos
vêm despertando interesses cada vez mais diversos nas sociedades. Alavancado nos
hábitos e comportamentos que movem as engrenagens do consumo, gerando mais
riqueza e, por consequência, mais influência e poder. Essa é, portanto, uma
corrida frenética que obriga cada país a inovar e reinventar o conhecimento
cientifico e tecnológico ininterruptamente, garantindo a dianteira nos mercados
internacionais. Quem tem novidade sai na frente.
Por isso, não é só espantoso ver
como o saudosismo conservador se espalha pelo mundo; mas, como ele atrapalha o
mundo. Lamento, mas ele não cabe mais, não agrega mais, às novas conjunturas. Ele
é só o saudosismo conservador pelo saudosismo conservador. O fato de ele ainda
causar algum frisson, como estamos vendo,
é porque tudo o que se conhece, que já se experimentou, parece ser sempre um
caminho mais fácil e mais seguro. Só que não adianta. Os tempos são outros. A
geopolítica é outra. O comércio exterior é outro. Enfim... Isso sem contar, o
fato de que estamos em plena transição de uma realidade global para outra, em decorrência
de uma pandemia que ainda não acabou.
Eleanor Roosevelt já dizia que “Ninguém ganhou a última guerra nem ninguém
ganhará a próxima”. E de certo modo
ela tinha razão. Chega a ser ingênuo acreditar que esse saudosismo conservador
pode levar a algum sucesso, alguma conquista, algum benefício. Porque o mundo
veio aprendendo ao longo das décadas a viver e a conviver com transformações socioeconômicas
definitivas, não retornáveis. O cotidiano global, ressalvadas raríssimas exceções,
transita à luz de uma contemporaneidade efervescente, instável, que não se
contenta com menos ou com o mesmo. Ele quer mais. Ele aprendeu que pode aspirar
por mais. Ele só precisa que seus sonhos de consumo continuem existindo, sem
que nada nem ninguém se interponha nesse caminho.