Erro
de cálculo ou excesso de confiança?
Por
Alessandra Leles Rocha
Essa é a pergunta que qualquer
cidadão deveria fazer nesse momento, sobre a viagem da comitiva governamental
brasileira à Rússia. Nos tempos da escola, sempre se dizia que pertencer ao
grupo das chamadas “influências
negativas” não era um bom negócio, dados os rótulos depreciativos que
poderiam advir dessa relação.
Mas, o que acontece no caso
brasileiro é que o seu próprio comportamento diplomático tem criado obstáculos
e afastamentos nos círculos democráticos internacionais, lançando o país à
condição de pária. De modo que não se
tem muitas oportunidades de figurar entre os players geopolíticos mais importantes a fim de firmar uma imagem de
certa influência e destaque entre eles.
Algo que se viu, por exemplo, na
reunião do G20, em Roma, no ano passado, quando o presidente brasileiro não só
não participou da foto oficial do evento, como não teve uma agenda de
compromissos e discussões bilaterais como seria de se esperar.
De modo que não lhe restou muitas
opções, a não ser tentar uma aproximação com governos que teriam algum ponto de
convergência com o seu. Desde que o governo dos EUA, que ele tinha em tão alta
conta, passou para nova governança, ele acabou, então, se entregando a uma
eventual simpatia com governos notoriamente autoritários, como Arábia Saudita,
a Hungria e a Rússia.
Aliás, é uma surpresa essa
aproximação com os russos, tendo em vista toda a estereotipização e estigmatização
promovida pelo atual governo, em relação ao comunismo/socialismo. Afinal de
contas, ainda que a Rússia tenha abolido o regime partidário único, desde o fim
da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), tornando-se uma
República Federativa respaldada por um modelo próprio que tenta parecer uma
democracia, na medida em que defende a separação de poderes, dispõe de uma
constituição que assegura certos direitos e liberdades individuais, na prática se
tem notícia de que o autoritarismo e a ingerência, que existiam no referido
regime, permanecem conservados.
Mas, o que o governo brasileiro quer
é criar uma aura de visibilidade internacional para inflamar a sua claque. Fazer
parecer que está na crista da onda. Fazendo e acontecendo por aí. Mesmo que
tudo, na verdade, se resuma a uma meia dúzia de fotografias ao lado de outros
chefes de governo, não se importando muito que sejam de esquerda, ou
autoritários, ou impopulares. Afinal de contas, ele já se habituou a viver de Pós
Verdades, as quais fazem a alegria dos seus seguidores.
A grande questão é que para
alcançar a tal fotografia, ele se dispôs a pagar um preço que, talvez, nem ele próprio
saiba quão alto é. Porque depois de vociferar para os quatro cantos a sua aversão
pelo “comunismo” e desenvolver com
afinco esse sentimento nos seus apoiadores mais radicais, como não deixá-los
com várias pulgas atrás da orelha ao vê-lo cumprindo o primeiro compromisso
oficial da viagem, que foi a homenagem no túmulo do soldado desconhecido, um
comunista que combateu durante a Segunda Guerra Mundial.
Será que eles vão engolir que “os fins justificam os meios”? De repente,
todo aquele discurso anticomunista foi por água abaixo. Ora, o que torna tudo
ainda mais intrigante nessa história é que o presidente brasileiro tem evitado
exibições públicas ao lado de governantes com posição ideológica de esquerda,
os quais ele intitula “comunistas”,
como uma forma de recrudescer as suas convicções e, de repente ... Rússia. Como
assim?
Não creio que o peso do bloco
econômico dos BRICS, em que ambos fazem parte conjuntamente com a China, a Índia
e a África do Sul, tenha tanto poder de desconstrução ideológica. Ou porque no
campo da importação, nós somos o 6º parceiro na escala dos russos, importando
US$530 milhões. E nas exportações brasileiras, eles representam o nosso 25º
parceiro, resultando em US$232,5 milhões. O que significa que dependemos muito
mais dos produtos deles do que eles dos nossos.
Afinal, somos dependentes deles
quanto a adubos e fertilizantes (65%), carvão (21%), laminados planos de ferro
ou aço (4,2%), produtos para indústria de transformação (3,5%) e outros
produtos diversos (6,3%). De modo que se não tecermos esses laços comerciais,
teremos sérios problemas para dar sequência a nossa produção, especialmente, na
agricultura que ainda é o carro chefe da nossa balança comercial.
Convenhamos que, mesmo assim, negociações
comerciais não precisam necessariamente da presença do chefe de governo,
bastariam os ministros das respectivas pastas interessadas e seus assessores,
ou os próprios empresários, para tal.
Sabemos que no mundo real das
relações diplomáticas, a dialogia acontece predominantemente pela força dos
interesses e não apenas das ideologias e convicções. Só que nesse caso, o que mais
pesou nessa breve incursão ao leste europeu foi a falta de apreço e convites de
países democráticos.
Foi isso o que levou o atual
governo brasileiro a estender a mão para os não democráticos e, assim, mitigar
o constrangimento de um isolamento diplomático em pleno ano eleitoral. Tanto
que nem uma iminência de conflito na região os impediu de manter o plano de
viagem de pé. Mas, será isso o suficiente para consolidar uma imagem eleitoreira
próspera? Só o tempo dirá. Aguardemos.