quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Erro de cálculo ou excesso de confiança?


Erro de cálculo ou excesso de confiança?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Essa é a pergunta que qualquer cidadão deveria fazer nesse momento, sobre a viagem da comitiva governamental brasileira à Rússia. Nos tempos da escola, sempre se dizia que pertencer ao grupo das chamadas “influências negativas” não era um bom negócio, dados os rótulos depreciativos que poderiam advir dessa relação.

Mas, o que acontece no caso brasileiro é que o seu próprio comportamento diplomático tem criado obstáculos e afastamentos nos círculos democráticos internacionais, lançando o país à condição de pária.  De modo que não se tem muitas oportunidades de figurar entre os players geopolíticos mais importantes a fim de firmar uma imagem de certa influência e destaque entre eles.

Algo que se viu, por exemplo, na reunião do G20, em Roma, no ano passado, quando o presidente brasileiro não só não participou da foto oficial do evento, como não teve uma agenda de compromissos e discussões bilaterais como seria de se esperar.

De modo que não lhe restou muitas opções, a não ser tentar uma aproximação com governos que teriam algum ponto de convergência com o seu. Desde que o governo dos EUA, que ele tinha em tão alta conta, passou para nova governança, ele acabou, então, se entregando a uma eventual simpatia com governos notoriamente autoritários, como Arábia Saudita, a Hungria e a Rússia.

Aliás, é uma surpresa essa aproximação com os russos, tendo em vista toda a estereotipização e estigmatização promovida pelo atual governo, em relação ao comunismo/socialismo. Afinal de contas, ainda que a Rússia tenha abolido o regime partidário único, desde o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), tornando-se uma República Federativa respaldada por um modelo próprio que tenta parecer uma democracia, na medida em que defende a separação de poderes, dispõe de uma constituição que assegura certos direitos e liberdades individuais, na prática se tem notícia de que o autoritarismo e a ingerência, que existiam no referido regime, permanecem conservados.

Mas, o que o governo brasileiro quer é criar uma aura de visibilidade internacional para inflamar a sua claque. Fazer parecer que está na crista da onda. Fazendo e acontecendo por aí. Mesmo que tudo, na verdade, se resuma a uma meia dúzia de fotografias ao lado de outros chefes de governo, não se importando muito que sejam de esquerda, ou autoritários, ou impopulares. Afinal de contas, ele já se habituou a viver de Pós Verdades, as quais fazem a alegria dos seus seguidores.

A grande questão é que para alcançar a tal fotografia, ele se dispôs a pagar um preço que, talvez, nem ele próprio saiba quão alto é. Porque depois de vociferar para os quatro cantos a sua aversão pelo “comunismo” e desenvolver com afinco esse sentimento nos seus apoiadores mais radicais, como não deixá-los com várias pulgas atrás da orelha ao vê-lo cumprindo o primeiro compromisso oficial da viagem, que foi a homenagem no túmulo do soldado desconhecido, um comunista que combateu durante a Segunda Guerra Mundial.

Será que eles vão engolir que “os fins justificam os meios”? De repente, todo aquele discurso anticomunista foi por água abaixo. Ora, o que torna tudo ainda mais intrigante nessa história é que o presidente brasileiro tem evitado exibições públicas ao lado de governantes com posição ideológica de esquerda, os quais ele intitula “comunistas”, como uma forma de recrudescer as suas convicções e, de repente ... Rússia. Como assim?

Não creio que o peso do bloco econômico dos BRICS, em que ambos fazem parte conjuntamente com a China, a Índia e a África do Sul, tenha tanto poder de desconstrução ideológica. Ou porque no campo da importação, nós somos o 6º parceiro na escala dos russos, importando US$530 milhões. E nas exportações brasileiras, eles representam o nosso 25º parceiro, resultando em US$232,5 milhões. O que significa que dependemos muito mais dos produtos deles do que eles dos nossos.

Afinal, somos dependentes deles quanto a adubos e fertilizantes (65%), carvão (21%), laminados planos de ferro ou aço (4,2%), produtos para indústria de transformação (3,5%) e outros produtos diversos (6,3%). De modo que se não tecermos esses laços comerciais, teremos sérios problemas para dar sequência a nossa produção, especialmente, na agricultura que ainda é o carro chefe da nossa balança comercial.

Convenhamos que, mesmo assim, negociações comerciais não precisam necessariamente da presença do chefe de governo, bastariam os ministros das respectivas pastas interessadas e seus assessores, ou os próprios empresários, para tal.

Sabemos que no mundo real das relações diplomáticas, a dialogia acontece predominantemente pela força dos interesses e não apenas das ideologias e convicções. Só que nesse caso, o que mais pesou nessa breve incursão ao leste europeu foi a falta de apreço e convites de países democráticos.

Foi isso o que levou o atual governo brasileiro a estender a mão para os não democráticos e, assim, mitigar o constrangimento de um isolamento diplomático em pleno ano eleitoral. Tanto que nem uma iminência de conflito na região os impediu de manter o plano de viagem de pé. Mas, será isso o suficiente para consolidar uma imagem eleitoreira próspera? Só o tempo dirá. Aguardemos.