Quisera
que fosse só um pesadelo
Por
Alessandra Leles Rocha
Tragédias anunciadas são
exatamente isso. Elas tecem o seu enredo com o tempo, conscientes do desfecho
que irão apresentar. Desde que mundo é mundo, catástrofes naturais sempre
fizeram parte da história.
A
erupção de Pompéia, em 79 d.C.; o terremoto de Antioquia, em 526 d.C.; o
terremoto Shaanshi, na China, em 1556; o tsunami em Lisboa, em 1755; o furacão
de São Calixto, no caribe, em 1780; a erupção de Krakatoa, na Indonésia, em
1883; a enchente do Rio Amarelo, na China, em 1887; a inundação do rio Amarelo,
na China, em 1931; o ciclone de Bhola, na Índia, em 1970; o terremoto de
Tangshan, na China, em 1976; o terremoto de São Francisco, em 1906; o terremoto
e a tsunami no Oceano Índico, em 2004; o furacão Katrina, nos EUA, em 2005; o
terremoto no Haiti, em 2010; o terremoto e tsunami no Japão, em 2011; são alguns
exemplos.
Eles servem para mostrar que as
discussões em torno do uso e ocupação do solo, não devem ser desprezadas ou
negligenciadas, para que seja possível estabelecer uma relação com o Meio
Ambiente harmônica e pacífica. Mesmo considerando que, nem sempre, o ser humano
vai conseguir um êxito pleno nessa convivência, pois a natureza tem lá, as suas
peculiaridades.
No entanto, permanece como
princípio fundamental analisar e considerar os limites impostos por ela, a fim
de se evitar ou, pelo menos, minimizar os impactos de uma tragédia. Porque o somatório
de fatores naturais e artificiais existentes no planeta, tende naturalmente a
sofrer eventuais processos de acomodação e/ou estabilização de alta intensidade
e de maneira brusca, dificultando, muitas vezes, a própria previsibilidade desses
fenômenos.
Acontece que os desdobramentos e consequências
decorrentes da urbanização, da industrialização, da ampliação de demandas agropecuárias
e outros consumos, ou seja, de ações antrópicas, têm levado o planeta a um
movimento de transformação e desequilíbrio das suas condições naturais muito
acentuado e acelerado.
De modo que os acontecimentos que
antes tinham um caráter esporádico vieram se intensificando em forma, em
conteúdo, em força e em frequência, impondo uma grave realidade de dificuldades
para recompor ou reconstruir os prejuízos.
Trata-se de uma configuração que
vem sendo discutida, desde 1968, com o chamado Clube de Roma, quando um “grupo de 30 profissionais empresários,
diplomatas, cientistas, educadores, humanistas, economistas e altos
funcionários governamentais de dez países diversos se reuniram para tratar de
assuntos relacionados ao uso indiscriminado dos recursos naturais do meio
ambiente em termos mundiais”1.
Afinal, os reflexos desse modelo
socioeconômico vigente há 50 anos, já davam sinais de uma exaustão ambiental
muito rápida e de consequências para a humanidade imprevisíveis, as quais poderiam
ir desde a escassez de recursos naturais renováveis e não renováveis; mas,
também, do acirramento das catástrofes ambientais.
Pena, que a força dos interesses econômicos
continuou se sobrepondo aos dados e avisos da Ciência, como se a natureza é que
tivesse que se curvar e se ajustar ao desenvolvimento e ao progresso mundial.
Passados meio século desde esse
primeiro fórum ambiental, todos os que o sucederam vêm trazendo notícias e estatísticas
cada vez piores e desalentadoras para o planeta e para a sobrevivência humana.
Ontem, depois de uma torrente de tragédias
naturais experimentadas por diversas cidades, de diferentes estados
brasileiros, Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, foi arrasada por aproximadamente
260 mm de chuva em seis horas ininterruptas 2.
A cidade foi pega, literalmente,
de surpresa pela fúria das águas. O cenário que ficou, quando a chuva cessou,
foi de terra arrasada. Até o momento, os números dão conta de 39 óbitos, tendo
em vista de que ainda não se sabe exatamente quantos desaparecidos existem 3.
Portanto, nada mais do que uma tragédia
anunciada. Primeiro, porque já é de conhecimento público o fato de que os
eventos climáticos extremos estão recrudescendo, dados os impactos negativos
recorrentes sobre os diferentes ecossistemas do planeta.
Segundo, porque o velho hábito de
postergar os estudos de uso e ocupação do solo, a fim de priorizar as obras de
infraestrutura das cidades, que são extremamente importantes para a prevenção
de catástrofes, continua vigorando.
A ideia de que esse tipo de obra “não rende votos”, infelizmente,
permanece pulsando no país. Como um verdadeiro ranço histórico nacional. Razão pela
qual, muitos gestores acabam desviando os recursos destas para outros setores,
ou elaborando projetos sem prazo, sem consistência e que nunca chegam a lugar
algum, ou realizando medidas paliativas inconsistentes e insatisfatórias,
apenas para se mostrarem menos inativos diante do problema.
Sem contar que, durante muito
tempo, quis se acreditar que os mais vulneráveis e desassistidos é que estariam
expostos a tais infortúnios. Coisas de uma aporofobia nacional latente!
Pois é, vê-se, agora, que não é
bem assim. A cidade de Petrópolis, assim como tantas outras recentemente, foi
inteiramente impactada. Áreas nobres. Áreas periféricas. Tudo foi avassaladoramente
varrido pelas águas. Comércios. Escolas. Centro histórico. Terminais de ônibus.
Ruas. Avenidas. Praças. Enfim...
Mais uma vez, a trivialização, a banalização,
a naturalização das tragédias, pela própria sociedade, cria um conformismo que
não só deteriora a qualidade de vida da população, ao permitir que ela viva em
constante sobressalto diante das intempéries; mas, cronifica um modelo de
política que gira em torno de promessas que são sempre as mesmas, porque não se
tem a intenção de solucioná-las.
Não é à toa, que a cada novo
ciclo de catástrofes naturais, como o que está acontecendo desde o final de
2021, no Brasil, os veículos de informação e comunicação se deparam com o
depósito em camadas de escombros e desalentados, porque a gravidade de cada episódio
é tamanha, que não encontra tempo, nem vontade política e, nem tampouco,
recursos para lhe pôr um fim adequado. Então, há sempre restos materiais e
imateriais de outras tragédias presentes nos cenários devastados.
A pergunta que não quer calar é:
até quando? Até quando o Brasil vai insistir em confrontar destrutivamente o
Meio Ambiente? Em colaborar de todas as maneiras possíveis para a irreversibilidade
das mudanças climáticas?
O país está se esfacelando a
olhos vistos. Escassez hídrica em algumas regiões. Enchentes torrenciais em
outras. Temperaturas oscilando dissonantes aos parâmetros conhecidos. ... Tudo
fora de lugar. Tudo de cabeça para baixo. Enquanto isso, os prejuízos se
avolumam e desafiam a sustentabilidade socioeconômica nacional e a credibilidade
no contexto internacional.