quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Pandemias, violências, eventos extremos do clima... A Educação em risco.


Pandemias, violências, eventos extremos do clima... A Educação em risco.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Que a COVID-19 trouxe um impacto negativo importante para a Educação em todo mundo, ninguém duvida. Milhares de crianças e jovens tiveram seu processo de aprendizagem não apenas interrompido nos períodos de isolamento social, propostos por diversos países em nome da segurança sanitária; mas, também, comprometido em razão da inacessibilidade e/ou carência de alfabetização e letramento digital e da necessidade de abandono escolar por conta da sobrevivência cotidiana.

Algo que vem, portanto, mobilizando governos, Organizações Não-Governamentais (ONGs), entidades ligadas à Educação, especialistas e educadores a pensar e criar estratégias para mitigar os efeitos desses desdobramentos e suas repercussões no desenvolvimento das próprias sociedades.

No entanto, esse é apenas um lado de um prisma de obstaculizações que a Educação é obrigada a enfrentar no seu dia a dia. A pandemia do Sars-Cov-2 e suas variantes, em face da sua realidade tsunâmica, que interrompeu abruptamente a vida das pessoas, alterando as suas dinâmicas nos aspectos mais elementares, dado o seu caráter global, permitiu extrair as camadas de problemas emergidos, com certa facilidade.

Acontece que, de repente, a partir dessa experiência avassaladora tornou-se muito mais perceptível as razões que impedem o fluxo do desenvolvimento educacional, principalmente, em países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, cujas realidades carregam inúmeras vulnerabilidades e desafios socioeconômicos. Sob esse aspecto, então, eu chamo a atenção para as violências e os eventos climáticos extremos. 

Infelizmente, milhões de crianças e jovens não podem desfrutar do seu processo de ensino-aprendizagem adequadamente, por falta de um ambiente seguro e pacífico. A excessiva manifestação das violências físicas, psíquicas e emocionais, que acontecem em todos os lugares da contemporaneidade, não se resume a afastar os alunos das escolas, porque elas estão enraizadas além desses muros, criando bloqueios e resistências diversas que impedem os alunos de aprender, de apreender e de manifestar o seu conhecimento.

As violências impõem um constante retrocesso no caminhar da vida escolar. O aluno fica sempre sob a iminência de um acontecimento ruim. Seja em casa. Seja na rua. Seja no caminho da escola. Seja dentro da escola. Porque o cotidiano contemporâneo está atravessado pelas violências que explodem de uma hora para outra, em qualquer lugar, por qualquer motivo.  Principalmente, nas regiões mais carentes e desassistidas. Então, é como se ele desse um passo à frente e outros dez para trás, resultando, no fim das contas, em um eterno imobilismo.

Até que se chega a um momento em que tudo se torna, de um jeito ou de outro, trivializado pela sociedade. Então, os eventos extremos do clima surgem para mostrar, na verdade, que não há nada de normal, ou de banal, na interrupção e/ou no comprometimento educacional. Cidades arrasadas por vendavais, tornados, enchentes, incêndios florestais, longos períodos de estiagem, frio extremo, representam condições involuntárias de inacessibilidade educacional para os alunos.

Dependendo das circunstâncias, o tempo de reconstrução e reestabelecimento da organização socioeconômica dessas localidades é imprevisível. De modo que os alunos são privados do ensino presencial e, muitas vezes, do ensino à distância, porque os serviços de telecomunicações foram interrompidos. Portanto, são rupturas drásticas, traumáticas, difíceis que impactam diretamente nas relações educacionais, na formação sociocultural e intelectual do cidadão.

E de olho nos prognósticos a respeito desses eventos climáticos extremos, a tendência natural é que eles venham cada vez mais intensos, mais frequentes, mais aterrorizantes. O que aponta para uma fragilização cada vez maior do processo de ensino-aprendizagem, especialmente, dentro dos modelos que têm sido colocados em prática. Um sinal de que, antes que as conjunturas se recrudesçam de maneira definitiva, é fundamental estabelecer novos paradigmas educacionais capazes de evitar o colapso do conhecimento para as futuras gerações.

Talvez, um deles esteja na proposição de modelos de ensino que se baseiem na autonomia do aluno, para que ele desperte para a construção do seu conhecimento com uma menor dependência do professor e da escola. Que ele seja orientado e estimulado a reconhecer no seu cotidiano, nas suas experiências humanas, elementos que o levem a identificar potenciais fontes de informação e aprendizado. Filmes, desenhos animados, séries, documentários, livros, revistas, jornais, os quais ele possa extrair elementos capazes de tecer a sua rede de conhecimento.   

Afinal de contas, se aprende muito na escola; mas, também, na vida. Então, quando ele é impedido ou interrompido no seu processo educacional tradicional, isso cria uma série de lacunas que desorganizam a sua aprendizagem. Então, ele não avança. Ele retrocede. Tudo porque ele está condicionado a ser guiado e orientado diretamente pelo professor, no ambiente escolar, com horários e atividades preestabelecidas. De modo que ele não tem a dimensão de que pode, também, aprender por conta própria, por caminhos e formas que ele considerar interessante.

Como escreveu Rubem Alves, “Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento nasce do afeto, nasce da fome. Não confundir afeto com beijinhos e carinhos. Afeto, do latim ‘affetare’, quer dizer ‘ir atrás’. É o movimento da alma na busca do objeto de sua fome. É o Eros Platônico, a fome que faz a alma voar em busca do fruto sonhado” 1.  

Isso precisa, então, ser apresentado a ele. Não só para melhorar a sua autoestima, demonstrando que ele pode continuar aprendendo em situações de inacessibilidade escolar; mas, que esse processo pode ampliar os seus conhecimentos. É importante ressaltar que, no caso das crianças até o ensino fundamental I, a participação familiar nessa construção é muito importante; sobretudo, para fornecer orientação e segurança para elas. Em uma contação de história, por exemplo, a família pode perguntar a ela o que ela entendeu, o que ela achou mais interessante, quais personagens ela gostou e porquê.   

Vê-se, portanto, que os desafios em relação à Educação estão extrapolando as discussões logísticas, orçamentárias, didáticas e pedagógicas, para adentrar a seara da participação e da mobilização social. O que pode interferir e obstaculizar o ensino-aprendizagem, mais severamente, não está necessariamente condicionado ao próprio sistema; mas, as ações e decisões que a própria sociedade se abstém ou negligencia, como é o caso das violências e dos eventos extremos do clima.

Se a Educação, portanto, tem se mostrado insuficiente, ineficiente, obsoleta, uma parte importante disso nos diz respeito. Não dá para negar. Não dá para fingir que não sabe. Não dá para cruzar os braços. Immanuel Kant já dizia que “O homem não é nada daquilo que a educação faz dele”. Desse modo, não há progresso sem a educação. Não há desenvolvimento sem a educação. Não há ciência sem a educação.

Simplesmente, porque “Pessoas que sabem as soluções já dadas são mendigos permanentes. Pessoas que aprendem a inventar soluções novas são aquelas que abrem as portas até então fechadas e descobrem novas trilhas. A questão não é saber uma solução já dada, mas ser capaz de aprender maneiras novas de sobreviver” (Rubem Alves – Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e suas regras).  



1 Rubem Alves: A arte de produzir fome (2002). Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u146.shtml