segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Eis que o tal “Comunismo” pode ser útil...


Eis que o tal “Comunismo” pode ser útil...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Imagino que deva estar dando nó na cabeça de muita gente, por aí, os discursos enviesados do governo federal brasileiro em torno do comunismo. Recentemente, tentaram emplacar, inclusive, uma comparação esdrúxula entre o comunismo e o nazismo, que foi rapidamente contestada, rechaçada e devidamente esclarecida por quem entende do assunto.

Assim como alguns acreditam que “Elvis não morreu”, por aqui parece que tem muita gente vivendo as sombras da Guerra Fria e vociferando esquisitices do tipo “comunista come criancinha”. Ai, ai, ai!  É o fim da picada! Esse comportamento ultrapassa as raias da alienação e da doutrinação descabida, para cair na vala comum da estupidez declarada.

Afinal, não precisa ir muito longe. Basta apenas ter cursado o ensino Fundamental II e frequentado direitinho as aulas de geografia e história, lido os textos do livro, feito as tarefas de casa e comparecido aos exames de avaliação, para ter adquirido o conhecimento devido, a respeito. Porque quem seguiu esse roteiro básico não tem coragem de sair falando tanta bobagem infundada.

Mesmo porque, embora países como a China, Cuba, Rússia, Laos, Vietnã e Coreia do Norte sejam associados à ideologia comunista, cada um faz uso desse ideário de maneira muito própria. De modo que, no fim das contas, o que se vê nesses países é uma tendência acentuada muito mais ao socialismo do que ao comunismo. Afinal, a presença do governo é marcante em todos eles, ainda que configurada segundo seus próprios interesses.

Além disso, em relação a distribuição da produção, alguns a fazem de acordo com as necessidades individuais, outras segundo a contribuição do cidadão, e ainda há locais em que uma mescla desse processo acontece. A estratificação social permanece presente; mas, com a existência de um rigoroso imobilismo. E quanto a propriedade privada, em alguns lugares ela foi banida na sua totalidade, em outros ela ficou restrita aos bens pessoais, e ainda há locais em que ela vem ocupando cada vez mais espaço; mas, sob intensa vigilância e controle estatal.

O que continua o mesmo, desde sempre, é o fato de que ambas as doutrinas, Comunismo e Socialismo, colocam a desigualdade social como elemento central das suas discussões, o que contraria diretamente a visão capitalista que orbita em torno da acumulação de bens e riquezas, mesmo que à custa de uma desigualdade social abissal. Portanto, esse é o ponto que sempre causou arrepios nos fanáticos simpatizantes da direita e suas linhagens, o qual se acirrou ainda mais nos áureos tempos do mundo bipolarizado.

Acontece que, à revelia de uns e outros, o mundo não para de girar. E nesses rodopios, muita coisa mudou em quase oito décadas; sobretudo, com o derretimento da tal “Guerra Fria”, a partir de 1989, quando o bloco denominado União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que foi liderado pela Rússia por aproximadamente 40 anos, começou a se desagregar em repúblicas independentes.

Antes disso, em fins da década de 70, a China já acenava com a abertura econômica ao capital internacional, a fim de vislumbrar a possibilidade de ocupar uma posição de destaque entre as superpotências econômicas, políticas, tecnológicas, sociais e culturais do mundo.

Em relação à Cuba e a Coreia do Norte, por razões distintas, elas foram as únicas que se mantiveram mais fiéis as suas ideologias, dada a importância das suas lideranças nessa manutenção. Justamente, por isso, é que suas relações no cenário internacional sempre encontraram um nível de obstaculização extremamente desafiador, com uma convivência de limiares elevados de tensão.

Mas, o elemento surpresa nessa jornada, talvez, tenha sido o surgimento em 2011 do bloco econômico denominado BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, cuja a importância pode ser medida pelo fato de que “em 2010, o PIB conjunto dos cinco países, totalizou US$11 trilhões, ou 18% da economia mundial” 1. Pois é, capitalistas e comunistas (socialistas) juntos. Quem diria, não é mesmo?! Mas, isso só acontece porque a geopolítica não pode e não deve se apequenar diante da evolução do mundo, das desconstruções e ressignificações paradigmáticas dentro dos diferentes campos diplomáticos e comerciais.

No entanto, é lamentável que, talvez, não esteja nesse contexto as intenções brasileiras com a viagem da delegação para a Rússia, em franco momento de tensão diplomática com a Ucrânia, Estados Unidos e seus aliados. “Tempos de guerra” não são tempos para manifestações exacerbadas de cordialidade diplomática repentina, e o Brasil arranha, com essa iniciativa, a sua histórica posição de neutralidade no cenário internacional. Nenhuma das pautas apresentadas para justificar tal empreitada parecem fortes o bastante para sustentar um deslocamento dentro das atuais conjunturas 2.

Tudo a ser discutido, conversado, negociado poderia esperar uma ocasião menos conturbada. A não ser o fato de que teremos eleições no fim desse ano. De que o atual governante brasileiro não se encontra à frente nas pesquisas de intenção de voto. Do fato de existir toda uma discussão internacional em torno de uma possível interferência russa na eleição presidencial nos Estados Unidos, em 2016, através de ataques hackers. Enfim, esta poderia ser uma pauta paralela, entre tantos “paralelismos” que já se viu emergir no governo brasileiro até aqui. Por enquanto, flutuando no campo das conjecturas, das possibilidades; mas, de certo modo, alinhavada a argumentos um tanto quanto plausíveis.

Bom, fato é que, no fim das contas, de repente o Comunismo (Socialismo) pode sair do status de vilão para mocinho pelas mesmas bocas que tanto o insultaram e o depreciaram. Tudo pela lei da conveniência. Afinal, entre os capitalistas daqui e os “comunistas” de lá, o ponto em comum são as nuances autoritárias que colorem os seus respectivos governos. Mais uma vez, o velho e desgastado argumento de Nicolau Maquiavel de que “os fins justificam os meios” ganha mais uma mão de verniz para ser posto em prática. Assim, se torna possível para qualquer um ratificar que, no fim das contas, “os fantasmas causam maior medo de longe do que de perto” (Nicolau Maquiavel – O Príncipe).