Eis
que o tal “Comunismo” pode ser útil...
Por
Alessandra Leles Rocha
Imagino que deva estar dando nó
na cabeça de muita gente, por aí, os discursos enviesados do governo federal brasileiro
em torno do comunismo. Recentemente, tentaram emplacar, inclusive, uma comparação
esdrúxula entre o comunismo e o nazismo, que foi rapidamente contestada,
rechaçada e devidamente esclarecida por quem entende do assunto.
Assim como alguns acreditam que “Elvis não morreu”, por aqui parece que
tem muita gente vivendo as sombras da Guerra Fria e vociferando esquisitices do
tipo “comunista come criancinha”. Ai,
ai, ai! É o fim da picada! Esse comportamento
ultrapassa as raias da alienação e da doutrinação descabida, para cair na vala
comum da estupidez declarada.
Afinal, não precisa ir muito
longe. Basta apenas ter cursado o ensino Fundamental II e frequentado
direitinho as aulas de geografia e história, lido os textos do livro, feito as
tarefas de casa e comparecido aos exames de avaliação, para ter adquirido o conhecimento
devido, a respeito. Porque quem seguiu esse roteiro básico não tem coragem de sair
falando tanta bobagem infundada.
Mesmo porque, embora países como
a China, Cuba, Rússia, Laos, Vietnã e Coreia do Norte sejam associados à
ideologia comunista, cada um faz uso desse ideário de maneira muito própria. De
modo que, no fim das contas, o que se vê nesses países é uma tendência acentuada
muito mais ao socialismo do que ao comunismo. Afinal, a presença do governo é
marcante em todos eles, ainda que configurada segundo seus próprios interesses.
Além disso, em relação a
distribuição da produção, alguns a fazem de acordo com as necessidades
individuais, outras segundo a contribuição do cidadão, e ainda há locais em que
uma mescla desse processo acontece. A estratificação social permanece presente;
mas, com a existência de um rigoroso imobilismo. E quanto a propriedade
privada, em alguns lugares ela foi banida na sua totalidade, em outros ela
ficou restrita aos bens pessoais, e ainda há locais em que ela vem ocupando
cada vez mais espaço; mas, sob intensa vigilância e controle estatal.
O que continua o mesmo, desde
sempre, é o fato de que ambas as doutrinas, Comunismo e Socialismo, colocam a
desigualdade social como elemento central das suas discussões, o que contraria
diretamente a visão capitalista que orbita em torno da acumulação de bens e
riquezas, mesmo que à custa de uma desigualdade social abissal. Portanto, esse
é o ponto que sempre causou arrepios nos fanáticos simpatizantes da direita e
suas linhagens, o qual se acirrou ainda mais nos áureos tempos do mundo
bipolarizado.
Acontece que, à revelia de uns e
outros, o mundo não para de girar. E nesses rodopios, muita coisa mudou em
quase oito décadas; sobretudo, com o derretimento da tal “Guerra Fria”, a partir de 1989, quando o bloco denominado União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que foi liderado pela Rússia por
aproximadamente 40 anos, começou a se desagregar em repúblicas independentes.
Antes disso, em fins da década de
70, a China já acenava com a abertura econômica ao capital internacional, a fim
de vislumbrar a possibilidade de ocupar uma posição de destaque entre as superpotências
econômicas, políticas, tecnológicas, sociais e culturais do mundo.
Em relação à Cuba e a Coreia do
Norte, por razões distintas, elas foram as únicas que se mantiveram mais fiéis
as suas ideologias, dada a importância das suas lideranças nessa manutenção. Justamente,
por isso, é que suas relações no cenário internacional sempre encontraram um nível
de obstaculização extremamente desafiador, com uma convivência de limiares
elevados de tensão.
Mas, o elemento surpresa nessa
jornada, talvez, tenha sido o surgimento em 2011 do bloco econômico denominado
BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, cuja a importância pode
ser medida pelo fato de que “em 2010, o
PIB conjunto dos cinco países, totalizou US$11 trilhões, ou 18% da economia
mundial” 1. Pois é, capitalistas e comunistas
(socialistas) juntos. Quem diria, não é mesmo?! Mas, isso só acontece porque a
geopolítica não pode e não deve se apequenar diante da evolução do mundo, das
desconstruções e ressignificações paradigmáticas dentro dos diferentes campos diplomáticos
e comerciais.
No entanto, é lamentável que,
talvez, não esteja nesse contexto as intenções brasileiras com a viagem da
delegação para a Rússia, em franco momento de tensão diplomática com a Ucrânia,
Estados Unidos e seus aliados. “Tempos de
guerra” não são tempos para manifestações exacerbadas de cordialidade
diplomática repentina, e o Brasil arranha, com essa iniciativa, a sua histórica
posição de neutralidade no cenário internacional. Nenhuma das pautas
apresentadas para justificar tal empreitada parecem fortes o bastante para
sustentar um deslocamento dentro das atuais conjunturas 2.
Tudo a ser discutido, conversado,
negociado poderia esperar uma ocasião menos conturbada. A não ser o fato de que
teremos eleições no fim desse ano. De que o atual governante brasileiro não se
encontra à frente nas pesquisas de intenção de voto. Do fato de existir toda
uma discussão internacional em torno de uma possível interferência russa na
eleição presidencial nos Estados Unidos, em 2016, através de ataques hackers. Enfim, esta poderia ser uma
pauta paralela, entre tantos “paralelismos”
que já se viu emergir no governo brasileiro até aqui. Por enquanto, flutuando
no campo das conjecturas, das possibilidades; mas, de certo modo, alinhavada a
argumentos um tanto quanto plausíveis.
Bom, fato é que, no fim das contas, de repente o Comunismo (Socialismo) pode sair do status de vilão para mocinho pelas mesmas bocas que tanto o insultaram e o depreciaram. Tudo pela lei da conveniência. Afinal, entre os capitalistas daqui e os “comunistas” de lá, o ponto em comum são as nuances autoritárias que colorem os seus respectivos governos. Mais uma vez, o velho e desgastado argumento de Nicolau Maquiavel de que “os fins justificam os meios” ganha mais uma mão de verniz para ser posto em prática. Assim, se torna possível para qualquer um ratificar que, no fim das contas, “os fantasmas causam maior medo de longe do que de perto” (Nicolau Maquiavel – O Príncipe).