Para
retóricas vazias e delirantes ... ouvidos de mercador
Por
Alessandra Leles Rocha
Ah, seria uma maravilha se pudéssemos
num piscar de olhos ou num estalar de dedos tornar a realidade ajustada aos
nossos interesses e vontades! Mas, não é assim que acontece e a insistência em
se permitir agir dessa maneira, só deteriora e compromete ainda mais a
credibilidade dos discursos e narrativas manifestos, como se quem os fizesse
não tivesse nenhuma consciência, habilidade ou competência para fazê-lo.
Já disse outras vezes que a
Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 (COP26), que
irá acontecer entre 31 de outubro e 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia, não
tende a ser um palco para retóricas vazias e delirantes. Os problemas
socioambientais não estão mais no campo das perspectivas ruins, eles já são um
fato concreto, visível e assolador para a grande maioria dos 196 países que
estarão presentes no evento.
Em maior ou menor escala o equilíbrio
da dinâmica ambiental vem sendo rompido pelas ações antrópicas, as quais
respondem, então, sobre a dinâmica social, quase em um efeito boomerang. Por essa razão é que se torna
imprescindível debater sobre propostas exequíveis e economicamente viáveis,
dentro das condições apresentadas pela atual conjuntura pandêmica, para que os
esforços individuais e coletivos não sejam frustrados. Daí o fato dos desafios
serem muitos e complexos.
Então, diante da
apresentação do Programa Brasileiro de Crescimento Verde, ontem à tarde, a
perplexidade foi total. A toque de caixa o governo federal rascunhou uma série
de ideias descoladas da atual realidade do país e as apresentou como um
programa que será levado a Glasgow. Apesar de se criar um caráter multiministerial
para o referido programa, como precisa ser no campo da sustentabilidade
socioambiental, o fato de não se permitir guiar pelas estatísticas e dados
objetivos da conjuntura atual para sua construção deixou inúmeras lacunas e incongruências,
fragilizando a sua credibilidade.
Embora o Brasil tenha muito
potencial para se tornar um expoente relevante dentro do cenário global da
Economia Verde, as suas constantes investidas na contramão desse conceito esvaziam
as expectativas e perspectivas. Tomando como base de exemplo a situação da
Amazônia, “Em vez de absorver dióxido de carbono,
o sudeste da floresta tropical está se transformando gradualmente num emissor
de poluentes, de acordo com relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM)
divulgado nesta segunda-feira (25/10)” 1.
É preciso entender que as
ações antrópicas sobre os biomas brasileiros vieram se intensificando, nos
últimos três anos, de uma maneira brutal. Sem contar, todo o trabalho de
desconstrução e desmantelamento das estruturas institucionais de gestão e
fiscalização ambiental, que trazem os impactos negativos para além da fauna e
flora; mas, para outros aspectos socioambientais.
Haja vista o recente leilão
promovido pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), que
ofereceu 92 blocos para exploração de petróleo e gás natural e inclui áreas em
Fernando de Noronha e no Atol das Rocas, expondo a riscos a fauna e a microfauna
marinha. Por sorte, apenas 5 dos 92 blocos foram arrematados, todos na Bacia de
Santos, porque a mobilização da sociedade civil contra o leilão, com base em
argumentos socioambientais e jurídicos consistentes, dissuadiu os possíveis
interessados.
Além disso, os sucessivos
erros de condução da economia brasileira consolidaram uma crise que se torna
robusta a cada dia, o que dificulta permitir investimentos importantes para a
Economia Verde e realinhar o país dentro de uma política socioambiental
sustentável. Basta olhar para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
15 (IPCA-15), que é uma prévia da inflação, ele registrou 1,20% em outubro e
10,34% no acumulado de 12 meses. “Foi a maior taxa para o mês em 26 anos” 2.
Considerando que o otimismo
que havia sido projetado para o mundo no Pós-Pandemia se mostrou bem menos
realista do que o esperado, “o Brasil
corre o risco de ingressar em um cenário de estagflação, a combinação perversa
entre a estagnação do crescimento econômico, desemprego e inflação alta”.
Isso porque há a probabilidade de “crescimento
perto de zero no ano que vem e a inflação não caindo na velocidade esperada”;
posto que, “um desafio é o câmbio, um dos
principais responsáveis pela inflação brasileira. O dólar deve seguir acima de
5 reais (ou mais) em 2022, elevando os custos de produção em quase todos os
setores e o preço para o consumidor”3.
É; temos que reconhecer que
o Brasil errou. Errou feio. Se permitiu perder oportunidades diversas de
desenvolvimento e progresso. A opção por não exercitar correções e ajustes naquilo
que considerava desalinhado à sua governança para desconstruir e fazer do zero,
deu nisso. De modo que ele se perdeu no meio do caminho. Não sabe como corrigir
os próprios erros. Não sabe como recomeçar a partir de uma nova perspectiva. Não
sabe olhar para dentro e fora de suas fronteiras para traçar seus caminhos. Não
sabe fazer mea culpa e se enovela
cada vez mais no próprio constrangimento.
Sendo assim, essa realidade
que se exibe arrogante e insensata, diante de nós, traduz na prática exatamente
o que disse José Saramago, ou seja, “O egoísmo
pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas covardias do
cotidiano, tudo isso contribui para essa forma de cegueira mental que consiste
em estar no mundo e não ver o mundo, ou só ver dele o que, em cada momento, for
susceptível de servir os nossos interesses”. Então, se realmente pulsa algum
desejo de transformação, seja ela socioambiental ou socioeconômica, havemos de
não esquecer que “A única maneira de
liquidar o dragão é cortar-lhe a cabeça, aparar-lhe as unhas não serve de nada”
(José Saramago).