Como
diz o dito popular, “Cautela e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém”
Por
Alessandra Leles Rocha
Entendo que são tempos difíceis;
mas, me incomoda certo movimento de “otimismo
motivacional”, o qual tende a fazer com que as pessoas analisem a realidade
sem a devida profundidade e reflexão.
Porque ainda que os números sejam
uma expressão exata da vida, eles podem sim, confundir e enganar os menos
avisados, quando não consideradas as variáveis que constituem a sua
interpretação.
Afinal, como dizia o poeta alemão
Friedrich Von Hardenberg Novalis, “Quando
vemos um gigante, temos primeiro de examinar a posição do sol e observar para
termos certeza de que não é a sombra de um pigmeu”.
Em recente relatório, o Fundo
Monetário Internacional (FMI) revisou para baixo a sua previsão de crescimento
global para 2022, considerando principalmente o fenômeno da inflação que tem
afetado de maneiras distintas diversos países. Mas, não é só isso.
É preciso entender que a economia
global vem se arrastando na esteira da pandemia e esta ainda não acabou. A heterogeneidade
que marcou a gestão pandêmica no mundo se mostra cada vez mais visível, quando
se comparam os números da imunização e se constata que há nações que não
receberam uma dose sequer da vacina, até o momento.
Portanto, o vírus permanece
circulando e em franca possibilidade de mutação, do surgimento de novas
variantes, expondo as pessoas aos eventuais riscos de contaminação e sequelas.
O que, de diferentes formas,
obstaculiza as relações sociais, especialmente, no campo laboral e comercial. Trata-se
do caso, por exemplo, da falta de componentes eletrônicos, os quais sustentam
as mais importantes cadeias produtivas na contemporaneidade.
Depois do surgimento da pandemia
houve uma desaceleração do ritmo produtivo dessas empresas de alta tecnologia,
por diversas razões, de modo que não apenas houve um encarecimento dos produtos
que dependem desses componentes, como também, uma dificuldade de comercialização
pela insuficiência de contêineres para o seu transporte.
E o mercado mundial entende que
essas questões constituem um desafio que não deve ser resolvido em curto espaço
de tempo, ou seja, o curso dessa desaceleração involuntária das indústrias em
todo o mundo só deve ser superado em 2023.
Então, tudo isso traduz a lógica
elementar da economia. Menos produção industrial. Menos consumo. Menos postos
de trabalho. Menos dinheiro circulando na economia. Menos produtos disponíveis e
mais caros, em razão da “lei da oferta e
da procura”.
Algo que nos faz tirar os olhos
do mundo e voltá-los para o cenário da nossa própria conjuntura, já impactada pré-pandemia
por desajustes de políticas anteriores somatizados.
Assim, ainda que nossa economia
seja ancorada pelo setor primário, que reúne as atividades agropecuárias e
extrativistas, consolidando um rol de commodities
importantes, tais como petróleo, laranja, soja, minério de ferro, café, carne
bovina e celulose, as exportações dependem diretamente da intensidade de
produção dos países compradores. Se há uma desaceleração lá fora, ela repercute
diretamente aqui.
Sem contar que, pelo fato das commodities serem bens de consumo
global, elas são comercializadas em bolsas de valores, cotadas geralmente em
dólar, o que as torna extremamente sensíveis as variações no câmbio e nas
políticas externas.
De modo que esse ajuste fino
depende de fatores como o panorama da produção em larga escala, da capacidade
de estocagem e transporte dessas commodities,
os níveis de industrialização e comercialização globais, e os padrões de
qualidade internacional.
Com base nessas e tantas outras
análises reflexivas sobre a atual conjuntura do mundo e, em particular, a
brasileira, é que mantenho a minha cautela sobre as notícias em relação ao
mercado de trabalho no país.
Segundo a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), o desemprego no Brasil atinge 14,1
milhões de pessoas, então, os dados divulgados ontem, 26 de outubro de 2021, pelo
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho
e Previdência, que apontam a geração de 313.902 empregos com carteira assinada
no mês de setembro, parecem longe de suprir a demanda.
Mesmo considerando que “Ao final de setembro de 2021, o Brasil tinha saldo de 41,875 milhões de
empregos com carteira assinada. Isso representa um aumento na comparação
com janeiro deste ano (39,624 milhões de empregos) e, também, com setembro de
2020, quando o saldo estava em 38,684 milhões”1.
Afinal, é preciso considerar que parte
desse número está sob “influência do
Programa Emergencial de Manutenção do emprego e da Renda, iniciado no ano
passado e reeditado em 2021”, ou seja, “os
empregadores, para obterem os benefícios do programa, têm de manter o emprego
do trabalhador por igual período de tempo da suspensão do contrato, ou redução
da jornada”2.
Além disso, 17 setores da
economia puderam aderir ao modelo de desoneração da folha de pagamentos, o que
significa a substituição da contribuição previdenciária de 20% sobre o salário
dos funcionários, por uma alíquota entre 1% a 4,5% sobre a receita bruta.
Inclusive, é importante ressaltar
que, em relação à desoneração, o projeto que a estenderia até 2026 encontra-se parado,
a aproximadamente um mês, na Comissão de Constituição e Justiça, da Câmara
Federal, aguardando votação em plenário.
O que tem provocado uma enorme
tensão e instabilidade, na medida em que isso impacta negativamente sobre
setores como as indústrias têxteis, calçadista, de proteína animal, de máquinas
e equipamentos, da construção civil, de comunicação e do transporte público, que
empregam cerca de 6 milhões de trabalhadores.
Segundo o sociólogo José Pastore,
que é Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Federação do
Comércio de São Paulo (Fecomercio SP), essa situação pode significar “que muitas empresas serão obrigadas
praticamente a dispensar empregados. São setores que ainda dependem muito da
mão de obra e da participação dos trabalhadores. Esses últimos tempos foram
marcados por muitos eventos adversos. Antes da pandemia, a gente já vinha num
processo recessivo. Com a pandemia, isso se agravou ainda mais. Então, sem a
desoneração, nós teríamos um quadro de emprego ainda muito mais grave do que
esse que nós temos hoje”3.
Além disso, o movimento de geração
de empregos com carteira assinada, que se tem no momento, já reflete uma
redução significativa no salário de admissão desses funcionários. Algo que,
também, não contribui para uma melhoria no cenário econômico nacional.
Tendo em vista que a redução salarial
implica na insuficiência da capacidade de compra e da sobrevivência, no
panorama dos altos juros e da inflação galopante; bem como, para afastar as
ameaças de intensificação do empobrecimento e da miséria extrema, no país.
Como afirmou a escritora e
ativista social norte-americana Helen Keller, “É um erro sempre contemplar o bom e ignorar o ruim, porque fazendo
isso os povos negligenciam os desastres. Há um otimismo perigoso do ignorante e
do indiferente”; por isso é que “O
pessimismo torna os homens cautelosos, enquanto, o otimismo torna os homens imprudentes”
(Confúcio – filósofo chinês). Talvez, seja esse o momento ideal, então,
para se pensar a respeito.