quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Máscara: o dilema do momento


Máscara: o dilema do momento

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Muito bochicho por conta da liberação do uso de máscaras em diversas cidades brasileiras; mas, polêmicas à parte, antes de qualquer decisão é fundamental tecer algumas considerações a respeito. Esta não é só uma questão objetiva, no que tange às medidas preventivas contra a COVID-19; mas, principalmente, uma questão subjetiva, decorrente do sentimento de liberdade e poder de escolha.

Vejamos que, bem antes da Pandemia, a máscara já era comumente usada nos países asiáticos, por conta da poluição. Temos o hábito de nos esquecer de que o ar, especialmente nos centros urbanos, é constituído não só por poluentes perigosos; mas, por inúmeros vírus, bactérias, fungos e outros elementos biológicos infectantes. Daí a ideia de construir uma barreira física ser tão relevante.

Trata-se de um hábito muito simples de ser incorporado ao cotidiano das pessoas e um excelente colaborador para reduzir a incidência de surtos e epidemias na população. Segundo a Organização Mundial da Saúde, “A gripe continua sendo um dos maiores desafios de saúde pública do mundo. A cada ano, estima-se que haja 1 bilhão de casos de influenza. Dessas ocorrências, de 3 a 5 milhões são graves, provocando de 290 a 650 mil mortes por doenças respiratórias relacionadas” 1.

Bom, mas aí você pode pensar que no caso da gripe há vacina. Acontece que para diversas doenças disseminadas pelo ar através de gotículas contaminadas há vacinas; mas, na contramão disso, há um movimento antivacinas correndo o mundo e criando Fake News para dissuadir as pessoas a não se imunizarem.  Desse modo, as máscaras ajudam a pensar sobre o fato de que quem vê cara nem sempre vê a doença.

Afinal, cada vez mais vivemos sob o regime de aglomerações voluntárias e involuntárias no cotidiano. O que significa que milhares de pessoas que circulam entre nós podem, mesmo sem saber, carregar o vírus da gripe, ou do resfriado, ou da poliomielite, ou do sarampo, ou da catapora, ou da caxumba, ou da rubéola. Ou a bactéria da tuberculose, ou da coqueluche, ou da difteria, ou da pneumonia, ou da meningite, ou da hanseníase.

De modo que a máscara é um agente preventivo e protetor, quando usada corretamente. Além disso, nas entrelinhas dessa história encontra-se o fato de que a eficácia desse tipo de medida reduz o número de pessoas doentes e, por consequência, os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com internações, tanto em leitos de enfermaria quanto em leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Portanto, as máscaras, dentro do conjunto de medidas preventivas básicas, ou seja, higienização frequente das mãos com água e sabão ou álcool em gel, imunização quando se dispuser de vacina para aquele determinado agente infectocontagioso e controle na exposição a ambientes aglomerados e com baixa ventilação, são um instrumento de controle de gastos na saúde pública.

No entanto, apesar de tudo isso ser muito fácil de se compreender e aplicar, temos um movimento, quase que insano, em nome da liberação do uso de máscaras. A razão disso é muito simples, a máscara é um símbolo da Pandemia e o desgaste natural decorrente desses quase dois anos de convivência estreita com o vírus Sars-Cov-2 e com todas as perdas que ele desencadeou faz com que as pessoas queiram acreditar que o pior já passou e a guerra foi, enfim, debelada.

É muito difícil para o ser humano admitir que está sob o jugo de um inimigo invisível aos seus olhos. A Pandemia colocou o homem de joelhos diante da sua insignificância, o fez perceber que ele não pode tudo, que ele não resolve tudo, que há limites a serem respeitados. Para alguns isso é compreensível; mas, para outros não. Gera fúria. Gera raiva. Gera indignação. Gera afronta. E vimos isso com clareza, em diversos momentos, em diversos espaços sociais.

Acontece que retirar a máscara não muda os fatos, não altera a conjuntura real dos acontecimentos. A Pandemia só acaba quando o vírus deixa de circular livremente pelo mundo, quando a quase totalidade da raça humana estiver com o protocolo de imunização completo. E qual é o prognóstico para essa situação? Ninguém sabe. Há países que ainda não dispõem de nenhuma dose de vacina, que não têm recursos suficientes para comprá-las ou porque encontram resistência de seus governantes em adquiri-las.  

Então, quando retiramos as máscaras aqui é como se nos descolássemos do mundo, como se nos resumíssemos a nossa própria bolha territorial. Só que isso não é possível. Somos parte integrante e integrada de um mundo globalizado e dentro de um contexto de deslocamentos intensos.

Portanto, isso não passa de uma tentativa desesperada de exacerbar uma superioridade que não se sustenta, que não tem fundamento. Como se não tivéssemos entendido e vivenciado o avassalador acontecimento da pandemia do mesmo modo que os demais seres humanos ao redor do planeta.

Mas, não é só isso. Pensando na citação de Oscar Wilde de que “O homem é menos ele mesmo quando fala de sua pessoa. Mas deixe que se esconda por trás de uma máscara, e então ele contará a verdade”, talvez seja esse o fardo tão pesado que o faz querer se livrar da máscara o quanto antes.  

Ora, ela o induz a despir-se da persona que transita socialmente e sobre a qual ele tem controle.  O que significa que com a máscara ele se vulnerabiliza, ele se coloca humano, menos herói, menos infalível, menos imortal; algo que ele não quer ou não deseja admitir.

No fim das contas, a questão não são as máscaras, ou as vacinas, ou as medidas de higiene, ... o que causa tanto desconforto e exasperação nos indivíduos. Trata-se do fato de que “Todo problema começa quando as pessoas esquecem que são humanas” (Oliver Wolf Sacks – neurologista inglês). Porque somente reconhecendo a humanidade uns nos outros é que se torna possível exercitar a compreensão de que “Um mundo meramente feliz não é suficiente; deve ser um mundo que tenha alguma chance de sobrevivência” (Burrhus Frederic Skinner – psicólogo norte-americano).