Máscara:
o dilema do momento
Por
Alessandra Leles Rocha
Muito bochicho por conta da
liberação do uso de máscaras em diversas cidades brasileiras; mas, polêmicas à
parte, antes de qualquer decisão é fundamental tecer algumas considerações a
respeito. Esta não é só uma questão objetiva, no que tange às medidas
preventivas contra a COVID-19; mas, principalmente, uma questão subjetiva,
decorrente do sentimento de liberdade e poder de escolha.
Vejamos que, bem antes da
Pandemia, a máscara já era comumente usada nos países asiáticos, por conta da
poluição. Temos o hábito de nos esquecer de que o ar, especialmente nos centros
urbanos, é constituído não só por poluentes perigosos; mas, por inúmeros vírus,
bactérias, fungos e outros elementos biológicos infectantes. Daí a ideia de
construir uma barreira física ser tão relevante.
Trata-se de um hábito muito
simples de ser incorporado ao cotidiano das pessoas e um excelente colaborador
para reduzir a incidência de surtos e epidemias na população. Segundo a
Organização Mundial da Saúde, “A gripe
continua sendo um dos maiores desafios de saúde pública do mundo. A cada ano,
estima-se que haja 1 bilhão de casos de influenza. Dessas ocorrências, de 3 a 5
milhões são graves, provocando de 290 a 650 mil mortes por doenças respiratórias
relacionadas” 1.
Bom, mas aí você pode pensar que
no caso da gripe há vacina. Acontece que para diversas doenças disseminadas
pelo ar através de gotículas contaminadas há vacinas; mas, na contramão disso,
há um movimento antivacinas correndo o mundo e criando Fake News para dissuadir as pessoas a não se imunizarem. Desse modo, as máscaras ajudam a pensar sobre
o fato de que quem vê cara nem sempre vê a doença.
Afinal, cada vez mais vivemos sob
o regime de aglomerações voluntárias e involuntárias no cotidiano. O que
significa que milhares de pessoas que circulam entre nós podem, mesmo sem
saber, carregar o vírus da gripe, ou do resfriado, ou da poliomielite, ou do
sarampo, ou da catapora, ou da caxumba, ou da rubéola. Ou a bactéria da
tuberculose, ou da coqueluche, ou da difteria, ou da pneumonia, ou da
meningite, ou da hanseníase.
De modo que a máscara é um agente
preventivo e protetor, quando usada corretamente. Além disso, nas entrelinhas
dessa história encontra-se o fato de que a eficácia desse tipo de medida reduz
o número de pessoas doentes e, por consequência, os gastos do Sistema Único de
Saúde (SUS) com internações, tanto em leitos de enfermaria quanto em leitos de
Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Portanto, as máscaras, dentro do
conjunto de medidas preventivas básicas, ou seja, higienização frequente das
mãos com água e sabão ou álcool em gel, imunização quando se dispuser de vacina
para aquele determinado agente infectocontagioso e controle na exposição a
ambientes aglomerados e com baixa ventilação, são um instrumento de controle de
gastos na saúde pública.
No entanto, apesar de tudo isso
ser muito fácil de se compreender e aplicar, temos um movimento, quase que
insano, em nome da liberação do uso de máscaras. A razão disso é muito simples,
a máscara é um símbolo da Pandemia e o desgaste natural decorrente desses quase
dois anos de convivência estreita com o vírus Sars-Cov-2 e com todas as perdas
que ele desencadeou faz com que as pessoas queiram acreditar que o pior já
passou e a guerra foi, enfim, debelada.
É muito difícil para o ser humano
admitir que está sob o jugo de um inimigo invisível aos seus olhos. A Pandemia colocou
o homem de joelhos diante da sua insignificância, o fez perceber que ele não
pode tudo, que ele não resolve tudo, que há limites a serem respeitados. Para alguns
isso é compreensível; mas, para outros não. Gera fúria. Gera raiva. Gera indignação.
Gera afronta. E vimos isso com clareza, em diversos momentos, em diversos espaços
sociais.
Acontece que retirar a máscara
não muda os fatos, não altera a conjuntura real dos acontecimentos. A Pandemia
só acaba quando o vírus deixa de circular livremente pelo mundo, quando a quase
totalidade da raça humana estiver com o protocolo de imunização completo. E qual
é o prognóstico para essa situação? Ninguém sabe. Há países que ainda não dispõem
de nenhuma dose de vacina, que não têm recursos suficientes para comprá-las ou
porque encontram resistência de seus governantes em adquiri-las.
Então, quando retiramos as
máscaras aqui é como se nos descolássemos do mundo, como se nos resumíssemos a
nossa própria bolha territorial. Só que isso não é possível. Somos parte
integrante e integrada de um mundo globalizado e dentro de um contexto de
deslocamentos intensos.
Portanto, isso não passa de uma tentativa
desesperada de exacerbar uma superioridade que não se sustenta, que não tem
fundamento. Como se não tivéssemos entendido e vivenciado o avassalador
acontecimento da pandemia do mesmo modo que os demais seres humanos ao redor do
planeta.
Mas, não é só isso. Pensando na
citação de Oscar Wilde de que “O homem é
menos ele mesmo quando fala de sua pessoa. Mas deixe que se esconda por trás de
uma máscara, e então ele contará a verdade”, talvez seja esse o fardo tão
pesado que o faz querer se livrar da máscara o quanto antes.
Ora, ela o induz a despir-se da
persona que transita socialmente e sobre a qual ele tem controle. O que significa que com a máscara ele se
vulnerabiliza, ele se coloca humano, menos herói, menos infalível, menos
imortal; algo que ele não quer ou não deseja admitir.
No fim das contas, a questão não
são as máscaras, ou as vacinas, ou as medidas de higiene, ... o que causa tanto
desconforto e exasperação nos indivíduos. Trata-se do fato de que “Todo problema começa quando as pessoas esquecem
que são humanas” (Oliver Wolf Sacks – neurologista inglês). Porque somente
reconhecendo a humanidade uns nos outros é que se torna possível exercitar a compreensão
de que “Um mundo meramente feliz não é
suficiente; deve ser um mundo que tenha alguma chance de sobrevivência” (Burrhus
Frederic Skinner – psicólogo norte-americano).