Bem-vindos
à lei do retorno!
Por
Alessandra Leles Rocha
Ninguém em sã consciência
se opõe ao atendimento emergencial da imensa legião de vulneráveis que se
expande a cada dia no Brasil. Mas, deveriam se opor, com toda razão, ao fato dessa
ajuda vir dissociada de uma política pública bem estruturada e capaz de
promover o verdadeiro resgate de cidadania dessas pessoas, partindo tanto da
educação e qualificação quanto da geração de emprego e renda.
É claro que essa
transformação não acontece da noite para o dia. Entretanto, com um bom
planejamento e dinamismo na execução, os resultados positivos não tardam a
aparecer. Pena, que no Brasil ... tudo seja tão desgastante. Falta investimento.
Faltam projetos. Faltam recursos humanos. Falta vontade. Falta empenho. Falta...
E as mazelas desafiam o tempo, enquanto esgarçam os últimos fiapos de esperança
da população. Pois, aquilo que era para ser uma ação política afirmativa, no
fim das contas se molda em politicagem barata e de fim meramente eleitoreiro.
Mais um exemplo disso
estampa as manchetes dos veículos de comunicação e informação, o tal “Auxílio Brasil 2022”. Simplesmente o
governo federal quer capitalizar politicamente com a transformação do programa “Bolsa Família”, criado em 2003,
ampliando o valor remuneratório. Acontece que, nesses últimos quase três anos
de gestão, a verdade é que o governo “meteu
os pés pelas mãos” e gastou muito e mal os recursos públicos, ficando em
uma posição econômica bastante delicada em relação ao chamado “teto de gastos”.
Trata-se da Emenda
Constitucional n. º 95, cuja criação teve por objetivo evitar o crescimento da
relação dívida pública/Produto Interno Bruto (PIB) por meio da contenção das
despesas públicas, ou seja, demonstrar no cenário econômico nacional e
internacional o comprometimento responsável do governo federal, no sentido de não
gastar além da sua capacidade orçamentária.
No entanto, considerando
mais a visão política do que a administrativa e econômica, a atual gestão vem lutando
para desconstruir as bases desse regime fiscal. Por isso, há alguns dias o
mercado financeiro vive em constante sobressalto com a possibilidade de uma
eventual “licença para furar o teto”
e, assim, conseguir arcar com o ônus de um auxílio no valor de R$400.
Ocorre que nas
entrelinhas da ideia desse “Auxílio
Brasil 2022” está primeiramente o fato dele ser um programa assistencial de
caráter temporário, ou seja, a ser finalizado em dezembro do próximo ano. Depois
de todos os desdobramentos socioeconômicos advindos da pandemia, com
repercussões significativas dentro e fora do país, é impossível imaginar que tanto
as parcelas historicamente já vulnerabilizadas pelas desigualdades sociais
quanto aquelas que se incorporam em virtude dos recentes acontecimentos,
consigam se reorganizar financeiramente em tão curto espaço de tempo.
Além disso, ele não
traz quaisquer propostas adicionais de políticas públicas a serem implementadas
concomitantemente ao auxílio, para que pudesse existir uma possibilidade de
resgate de cidadania para esse contingente da população. Considerando as atuais
e recentes estatísticas do desemprego no país, sem acesso à educação, a qualificação
e as oportunidades de geração de emprego e renda, como sobreviveriam a partir
de 2023?
De modo que esse
gasto vultoso, que pretende ser operacionalizado a partir da ruptura com o “teto de gastos” não só não resolveria o
problema social urgente que vive o país; mas, também, deixaria um rombo extra às
contas públicas para a gestão federal que se inicia em janeiro de 2023. Segundo
o próprio Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas, publicado pelo
Ministério da Economia em setembro deste ano, a projeção para as contas
públicas em 2021 já é deficitária em R$139,4 bilhões. E a estimativa é de que esse
novo auxílio custe mais de R$60 bilhões aos cofres públicos, então...
Não é à toa o mal-estar
sentido pelo mercado financeiro, porque há tempos a economia brasileira tem um desafio
estrutural nas suas contas públicas. De modo que a espiral de problemas já
sinaliza uma desvalorização do real em relação ao dólar, o aumento da inflação
e dos juros, e a redução do crescimento econômico. Então, o abandono do “teto de gastos” abre um precedente perigosíssimo
para a estabilidade do país, em todos os sentidos. Como escreveu Italo Calvino,
“É como um poço sem fundo. Voltamos a
sentir o apelo do nada, a tentação de cair, de nos rejuntarmos a uma
obscuridade que nos convoca”.
No fim das contas, o
que se sente diante desses acontecimentos é uma compreensão bruta e dolorosa de
que “decepção contínua e desilusão, bem
como a natureza geral da vida, apresentam-se como previsto e calculado para
despertar a convicção de que nada vale nossos esforços, e nossas lutas, que
todas as coisas boas estão vazias e fugazes, que o mundo em todos os lados está
falido, e que a vida é um negócio que não cobre os custos...”[1]
(Arthur Schopenhauer – filósofo alemão). Isso, talvez, explique porque não haja
mais espaço para a graça e, nem tampouco, razão para gargalhar. Bem-vindos à lei
do retorno!
[1] SCHOPENHAUER, A. The world as will and representation. Dover Publications, 1969. p.574. v.2.