As
batidas das asas de uma borboleta qualquer...
Por
Alessandra Leles Rocha
Bom, para ter eleições em
2022 é preciso, antes de tudo, ter um país e do jeito que coisa caminha... A
deterioração nacional está cada vez mais intensa e rápida. Não é mais estar à
margem do mundo; mas, de estar à margem de si mesmo. A opção de viver sob a
perspectiva de uma realidade paralela, ficcional, idealizada, custa caro e já
cobra seu preço cotidiano.
Não, a discussão não gira
em torno e restritamente à economia. Não é apenas a perda do poder de compra. Não
é apenas a inflação. Não são apenas os juros elevados. Não é apenas o baixo
crescimento do país. É tudo isso junto e repercutindo sobre a dinâmica da vida
social, impactando as possibilidades de ser e ter para satisfazer as demandas
do dia a dia.
Trata-se de uma dilapidação
gradual e enfática não somente dos direitos institucionais; mas, sobretudo, dos
direitos sociais. Ora, quando a economia vai mal é automático que todos os
demais campos da existência humana comecem a falhar. É a perda da capacidade de
custear o plano de saúde que empurra o cidadão para o Sistema Único de Saúde
(SUS). É a perda da capacidade de custear o ensino privado que lança o aluno
para a Rede Pública. É a perda da capacidade de custear o combustível do
transporte individual que obriga a mudança de deslocamentos para o transporte
público. ...
É a perda da capacidade de
custear que vai remodelando o perfil de vida do indivíduo. Sem que se deem
conta da profundidade desse movimento, as pessoas são obrigadas, em nome de uma
sobrevivência digna, a repensar, recusar, reduzir, reparar, reintegrar,
reciclar e reutilizar. O que significa se reinventar tanto do ponto de vista
prático, material e objetivo quanto teórico, imaterial e subjetivo.
Afinal, como tão bem
escreveu João Guimarães Rosa, “O correr
da vida embrulha tudo; a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. Ser capaz de
ficar alegre e mais alegre no meio da alegria, e ainda mais alegre no meio da
tristeza...” (Grande Sertão: Veredas).
E com a simplicidade dessas
palavras se tem um modo mais acessível de referenciar a chamada Teoria do Caos,
na qual o Efeito Borboleta se manifesta. Porque aqui e ali, o ser humano está
submetido à fenômenos diversos nos quais as pequenas mudanças provocadas
inicialmente podem desencadear alterações drásticas, profundas e imprevisíveis.
De modo que esse processo nos
impede de controlar a mudança no curso da nossa história e nos alerta sobre o
nosso papel no dia a dia individual e coletivamente. As decisões tomadas nos
últimos três anos, no Brasil, vêm promovendo uma sucessão sequencial de
problemas que já estão provocando desdobramentos negativos dentro e fora de seu
próprio território.
A falta de competência e de
habilidade na gestão aliada à displicência e total irresponsabilidade custaram
muito caro à nossa reputação e credibilidade no cenário mundial. Mas, não
bastasse isso, todos os dias surgem novas tensões, novos obstáculos, novos ruídos,
perturbando e desestabilizando quaisquer prognósticos de equilíbrio, como se o
país pudesse se dar ao luxo de viver na corda-bamba.
Metaforicamente, o Brasil
está em constante estado de apneia, pelo receio do que podem “as batidas das asas de uma borboleta
qualquer” repercutir sobre ele em diferentes direções, sentidos e
velocidades. Estamos somatizando, de maneira sobreposta e contínua, os resultados
caóticos de experiências malsucedidas. O que não deixa espaços e zonas de
conforto para administrar e resolver os problemas. Tudo fica para depois,
depois, depois, ... sem fim. Haja vista, por exemplo, a realidade operacional e
logística do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Pois é, não se trata de impaciência
das pessoas. A vida em si é impaciente. Ela depende desse movimento de pensar,
planejar, organizar, realizar, auxiliar, ... Não há uma fila de espera para dar
trato às demandas, tudo acontece simultaneamente. Razão pela qual a inação, a
alienação, o descompromisso, a postergação, não cabem quando o assunto é a
gestão da vida, seja de um ou de muitos.
No entanto, não me parece
que as pessoas percebam que toda essa conjuntura não é à toa, ela tem método, tem
planejamento, ainda que muitos de seus eventuais desdobramentos sejam imprevisíveis
e, até mesmo, incontroláveis. Porque “ os
cidadãos muitas vezes demoram a compreender que sua democracia está sendo
desmantelada – mesmo que isso esteja acontecendo bem debaixo do seu nariz” (Steven Levitsky – cientista político).
O olhar demasiadamente
perdido sobre as pessoas leva a se esquecer do alvo maior, mais amplo, que é o
país e, por consequência, seu regime político de governança. Então, eles não
conseguem compreender que “Uma das
grandes ironias de como as democracias morrem é que a própria defesa da democracia
é muitas vezes usada como pretexto para a sua subversão. Aspirantes a
autocratas costumam usar crises econômicas, desastres naturais e, sobretudo,
ameaças à segurança – guerras, insurreições ou ataques terroristas – para justificar
medidas antidemocráticas” (Steven Levitsky – cientista político).
Quando discutimos os
problemas e as relações sociais de maneira dissociada, como pequenos fragmentos
isolados e independentes, deixamos de reconhecer a existência de um todo indivisível,
que cria e fortalece uma identidade. Assim, deixa-se o caminho aberto e desguarnecido,
a tal ponto, que as pessoas se esquecem de temer “os profetas e aqueles que estão dispostos a morrer pela verdade, pois,
em geral, farão morrer muitos outros juntamente com eles, frequentemente antes
deles, por vezes no lugar deles” (Umberto Eco – escritor italiano).
Por isso, a grande
reflexão, nesse momento, se concentra em compreender que “mesmo quando tudo parece desabar, cabe em mim decidir entre rir ou
chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da
vida, que o mais importante é o decidir” (Cora Coralina – poetisa brasileira).