Por
outro lado...
Por
Alessandra Leles Rocha
Não só é compreensível; mas, totalmente,
aceitável que uma expressiva parcela da população brasileira esteja se sentindo
“desprezada no canto do salão de baile,
sem que ninguém a convide para dançar”. E, talvez, pareça difícil, ou quase
impossível, mudar o entendimento acerca desse panorama porque estamos bem no
olho do furacão, no meio do desenrolar da história, de modo que essa condição
não nos permite uma clareza e objetividade necessárias para dar aos fatos o
lugar mais adequado e condizente. Daí a razão pela qual eu decidi trazer essa
reflexão.
Eu sei que o clima está tenso. Há
uma atmosfera pesada nos rodeando. O ar está irrespirável. A vida teima em
causar sucessivas inquietações e desconfortos. Nada parece estar no seu devido
lugar. Os dias tendem a passar sobre nós como verdadeiros rolos compressores. As
respostas, as soluções, os caminhos se apresentam nebulosos, confusos, distantes
e inacessíveis. Pelo menos, é assim que enxergamos e sentimos a dinâmica cotidiana
à flor da pele. Portanto, essa é a perspectiva da nossa realidade como elemento
participante e integrado nessa conjuntura.
E é justamente aí, que nos
perdemos em meio ao caos. Algo que para ele é um verdadeiro presente. Porque
ele sabe que assim não teremos condições de interferir nos seus planos. Tudo o que ele não quer é que olhemos para o
mundo, para vida, para o país, na condição de alguém que vê tudo a uma certa distância,
que não está diretamente envolvido nos acontecimentos, que pode pesar e
ponderar os fatos. Afinal, isso nos traria tranquilidade, equilíbrio, sensatez
para alimentar nossas esperanças, nossos sonhos, nossos planos, nossos amanhãs.
A perspectiva caótica induz o
pensamento a uma tendência de só enxergar o erro, o equívoco, o absurdo, porque
se fundamenta num ideário de que a vida flui em uma linearidade absoluta, que homogeneíza
as transformações, como se acontecessem todas ao mesmo tempo, a fim de que os
resultados pudessem ser celebrados sob uma inteireza perfeita. Ora, mas não é
assim que “a banda toca”! Antes
fosse, mas não é. A vida é regida por movimentos compassados e descompassados
que possibilitam construir o seu equilíbrio. Nada de “combos”, de pacotes fechados de coisas boas ou rins entregues na
porta de casa de uma vez só.
Enquanto nos distraímos absortos
com o caos, com as tragédias, com os despautérios, com as vergonhas, com os
movimentos retrógrados ..., em seu silêncio e discrição absoluta, a vida vai
tecendo as redes das suas metamorfoses, as quais resultarão em passos
importantes adiante. A evolução humana e social não é uma obra do acaso, nem
uma coincidência feliz, ela é processual, resultado de ações ao longo do tempo
que vão se somatizando, se agregando, se consolidando para alcançar um
determinado fim.
Talvez, pela falta do hábito de
realizar “balanços” periódicos da
vida, como fazem os comerciantes de vez em quando, perdemos de vista as
conquistas alcançadas em cada década e século da existência humana. Presos nas
perdas e prejuízos, temos a impressão de que só caminhamos para trás, de que
não houve avanços, só retrocessos. A consequência direta disso é que não se
percebe o tamanho da engenharia humana, da sua capacidade criativa e inovadora,
como se fôssemos habitados somente por uma tendência natural ao destrutivo, ao maléfico,
ao ruim.
A grande verdade é que tivemos conquistas
materiais e imateriais importantíssimas até aqui. Quebramos paradigmas. Trouxemos
os tabus para as mesas de discussão. Ressignificamos crenças e valores
obsoletos. Reanalisamos nossos princípios e condutas. As ruas se encheram de
manifestações por direitos humanos, por trabalho e dignidade, por igualdade,
por justiça, por acessibilidade, pela sustentabilidade ambiental, pelas
minorias, ... e o mais importante disso, elas estavam cheias, repletas da
diversidade humana como nunca se viu. Homens, mulheres, LGBTQIA+, idosos, crianças,
brancos, negros, indígenas, mestiços, enfim... E em cada lugar por onde esse
movimento passa, uma onda de desdobramentos se arrasta ao redor do mundo,
arrebatando mais seguidores, mais multiplicadores de ideias e ações.
O que demonstra, inclusive, que
houve conquistas nos campos da emoção e do sentimento. A própria sensação de
solidão, tão bem delineada como característica da contemporaneidade, quando bem
observada, se perde na vastidão dessa euforia, dessa comunhão coletiva, dessa
construção de empatia. Aliás, nessa jornada rumo ao arrefecimento da pandemia
da COVID-19, a necessidade do contato, do toque, do abraço, do beijo, da convivência
estreita no cotidiano, ressurgiu de maneira avassaladora. Como se as pessoas
tivessem redescoberto a importância de estar com outro, lado a lado, olhos nos
olhos, para sua sobrevivência, o seu bem-estar.
Então, quando as pessoas se dão
conta dessas questões há um fortalecimento natural, não somente de autoestima;
mas, sobretudo, na sua capacidade de superação das adversidades. Ter uma razão
para a qual lutar é o que move as pessoas. Entender que o lado bom da vida
ainda existe, que temos conquistas a comemorar, ... tudo isso é gatilho para
não esmorecer, para seguir adiante, para vencer os obstáculos, para colocar
cada ponto da vida no seu devido lugar. E a verdade é que precisamos dessa
percepção, cada vez mais, porque o momento está tendendo ao lado mal, pesado,
ruim, fazendo com que nos sintamos esgotados, demasiadamente cansados, de tudo,
em tempo integral.
Buscar uma nova sintonia para os pensamentos, as emoções, os sentimentos, é uma questão de sobrevivência. Mas é essencial compreender que “você pode sobreviver, mas sobrevivência não é vida” (Osho- guru indiano), porque sobreviver traz uma ideia que se limita a uma resignação dolorosa, a aceitação de uma vida de migalhas, de restos, de marginalização. Por isso, resistir tem que ser a nossa palavra de ordem. É através dela que reconquistaremos, diariamente, o sentido da vida. E para fazê-la saltar da teoria para a prática depende de nós, da nossa disposição, da nossa vontade. Assim, cada um deve exercer essa resistência a fim de que sua energia dissipada se reúna dentro do coletivo e retroalimente a grande força conjunta, a força da humanidade, no contínuo do tempo.