O
peso do “invisível” sobre a vida
Por
Alessandra Leles Rocha
Muitos, talvez, não se recordem
da história do “Vale da Morte”, como
ficou conhecida a região do vale de Cubatão, no estado de São Paulo, por conta
dos altíssimos índices de poluição decorrentes do parque industrial ali
localizado. As chaminés em frenético movimento
de dispersão de fumaça tóxica, liberando toneladas de monóxido de carbono,
benzeno, óxido de enxofre e de nitrogênio, hidrocarbonetos e particulados
diversos, promoveram impactos socioambientais tão drásticos que ganharam
repercussão internacional.
Entre as décadas de 1970 e 1980,
a população do local conviveu com os impactos da insalubridade, dada a
fragilidade da legislação ambiental no Brasil e, por isso, dos mecanismos fiscalizatórios
e preventivos. Assim, “o ar de Cubatão no
início dos anos 80 era denso, possuía cheiro e cor. Segundo dados da Companhia
de Tecnologia de Saneamento Ambiental de São Paulo (CETESB), 30 mil toneladas
de poluentes eram lançadas por mês no ar da cidade, peixes e pássaros sumiram
da poluição de Cubatão, pois não havia condições naturais para sobreviverem e
nem para se reproduzirem” 1.
No entanto, o efeito mais cruel e
perverso veio do fato de que “entre
outubro de 1981 e abril de 1982, cerca de 1800 crianças nasceram na cidade,
destas, 37 já nasceram mortas, outras apresentavam graves problemas neurológicos
e anencefalia” 2. Eram chamadas de “cara de sapo” porque tinham uma cabeça
completamente achatada, sem cérebro. Decorrência da inalação constante da
poluição, que também promovia uma exacerbação dos casos de doenças
respiratórias na população local.
A mudança, porém, só começou a se
delinear de maneira mais satisfatória a partir da década de 1990, tendo em
vista um conjunto de mobilizações internacionais impulsionadas pela Organização
das Nações Unidas (ONU) e outras entidades e Organizações Não-Governamentais
(ONGs) ligadas as questões ambientais e de sustentabilidade. O que trouxe
melhora para os parâmetros de análise da poluição; mas, não uma solução
concreta para os problemas enfrentados, os quais Cubatão foi só mais um exemplo
dentre milhares espalhados ao redor do planeta.
E esse é o ponto-chave para a
reflexão. Quando as legislações ambientais se propõem a estabelecer limites toleráveis
para a população, o que elas acabam fazendo é criar uma resposta ambiental e
socialmente aceitável, ao invés de uma medida que proteja de maneira efetiva o
ser humano e o meio ambiente. Ora, as grandes plantas industriais, por exemplo,
operam diuturna e ininterruptamente, de modo que a exposição a esses poluentes ocorre
de maneira contínua e em grandes quantidades, tanto pelo ambiente quanto pela
população.
Assim, nesses casos, as escalas
ou medidas de tolerabilidade e de risco à saúde, quase sempre desconsideram a
heterogenia populacional. Sim, somos diferentes, constituídos por
especificidades naturais; mas, não é isso que importa para esse tipo de
análise. Tratam-se de aspectos como gênero, idade, raça, peso, altura, informações
nutricionais, presença ou não de comorbidades, tempo de exposição aos agentes
poluentes e tipo de poluente, que determinam as probabilidades de maior ou
menor letalidade e intercorrências à saúde das pessoas.
De modo que a maneira como são
analisadas essas referências, propostas pela legislação ambiental, tende-se a estabelecer
um enviesamento dos resultados e, por consequência, a construção de um panorama
errático para a aplicação de fiscalização e de controle ambiental, no campo das
atividades geradoras de impacto negativo. Colocando em risco, principalmente,
os segmentos mais vulneráveis e desassistidos da população. Afinal, quanto mais
biológica e socialmente fragilizadas estiverem as pessoas expostas
continuamente aos agentes poluidores, mais graves e letais podem ser as consequências
desse processo. Aliás, muitas das doenças surgidas nesse contexto apresentam
uma progressão lenta e duradoura, que se torna acentuada em razão da exposição incessante.
Não é à toa, portanto, que desde
a década de 1960 a humanidade se viu obrigada a enfrentar a reflexão sobre os
desafios socioambientais oriundos das Revoluções Industriais. Em quase três séculos
desde sua primeira geração, ocorrida na Inglaterra, na segunda metade do século
XVIII, o impacto das consequências foi se tornando cada vez mais impossível de
invisibilizar e de contemporizar. Gradativamente, as inúmeras promessas de
realização, sucesso, desenvolvimento e fortuna que encheram os olhos do mundo
foram sendo desconstruídas para dar lugar as reparações, indenizações, morticínios,
desequilíbrios e instabilidades socioambientais.
Um breve apanhado junto a
história, para se dar conta de que os grandes eventos de discussão ambiental
ocorreram em número bem menor do que as grandes fatalidades que eles tentam
evitar. Muitas delas, inclusive, inspiraram o cinema mundial a se basear para
construir grandes enredos e promover preciosas reflexões. A mais recente delas
é “Minamata” 3,
dirigida por Andrew Levitas e estrelada por Johnny Depp, Bill Nighy, Minami
Hinase e Hiroyuki Sanada, que trata do “Desastre
de Minamata” 4, quando essa cidade japonesa
foi envenenada por mercúrio lançado no mar por uma grande indústria química.
Esse foi um caso tão emblemático na
história mundial que “foi realizado um
tratado internacional com o objeto de oferecer proteção à saúde humana e ao
meio ambiente, sendo reconhecido o impacto do mercúrio e seus compostos. Em outubro
de 2013, aprovado o texto final da Convenção de Minamata, foi aprovado e assinado
por 92 (noventa e dois) países, incluindo o Brasil” 5.
No entanto, apesar da gravidade que representa a utilização do mercúrio teima a
acontecer de maneira inadvertida e indiscriminada, como nos garimpos ilegais
para extração de ouro.
Segundo o núcleo brasileiro da
Organização Não-Governamental World Wide Fund for Nature (WWF), “o bloqueio de uma carga de 1,7 toneladas de
mercúrio no porto de Itajaí, em Santa Catarina, em 29 de março de 2018, dá uma
ideia do tamanho do desafio que o Brasil enfrenta para cumprir a Convenção de
Minamata [...]. O destino seria, na verdade, o garimpo ilegal de ouro na
Amazônia, mostrou investigação do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Renováveis), responsável pelo controle nacional do comércio, da
produção e da importação de mercúrio metálico” 6.