Não
importa...
Por
Alessandra Leles Rocha
Não importa se eram dezenas,
centenas ou milhares em apoio ao governo. Não importam as bravatas que se
ouviam a partir dos microfones do grande evento. O que realmente importa ficou
de fora, o país.
Em momento algum, as pautas que
regem a realidade brasileira foram sequer mencionadas pelo Presidente da República
e sua vasta legião de asseclas. Se ainda restava algum vestígio de dignidade ao
Brasil, o resultado do que aconteceu neste dia aponta que ele derreteu e suas consequências
e desdobramentos não tardam a emergir.
Como bons brasileiros, já deveríamos
saber que depois do carnaval sempre chega a quarta-feira de cinzas, com suas
ressacas físicas e morais. De modo que tudo volta de onde parou e, sendo assim,
batem à porta da frente uma crise hídrica descomunal, a iminência do racionamento
elétrico, a letargia da recuperação econômica, a lentidão do processo de vacinação
contra a COVID-19, a disseminação da variante Delta do Sars-Cov-2, os altos
índices de desemprego, a explosão do cenário de pobreza nacional, o pagar ou
não pagar os precatórios, ... e por aí vai. Tudo o que ficou devidamente
esquecido no 7 de setembro.
Afinal, as manifestações em “verde e amarelo” não tinham, desde o
início, pretensão alguma de falar ao país, assuntos tão fundamentais e do seu
interesse. Como já dito anteriormente, os discursos foram para os asseclas, que
vivem em bolhas impenetráveis de um outro Brasil.
Por isso, esbanjou-se de toda a
retórica antidemocrática disponível para inflamá-los contra pessoas,
instituições e decisões contrárias aos interesses pessoais do governo federal. Não
importando em reafirmar, mais uma vez, de maneira pontual e objetiva, todas as
afrontas que vem sendo deflagradas contra a Constituição Federal de 1988 e ao
Estado Democrático de Direito.
Pode-se dizer, então, que os
limites se esgarçaram definitivamente. A questão é que as repercussões em torno
dos discursos, inevitavelmente, extrapolam as fronteiras entre a ficção
exibicionista e a realidade nua e crua.
Entrarão em cena, portanto,
outros atores importantes para sinalizar o que de fato vai acontecer. É o caso,
por exemplo, do mercado financeiro, no qual acontecem as operações de
investimentos, e que depende, em grande parte, da estabilidade política para funcionar.
Querendo ou não, estamos no século XXI, no auge da Tecnologia da Informação e
Comunicação (TIC), em pleno campo globalizado das relações diplomáticas e
comerciais, ou seja, os olhos do mundo estão sobre nós.
Infelizmente, temos muito a
perder. A presença da Pandemia, nos últimos 19 meses, só fez agregar problemas
a todo um repertório já presente na estrutura brasileira; por isso, o bom
funcionamento da economia, a partir de um planejamento consistente e realista
do país, seria a chave para alavancar uma recuperação mais rápida dentro de uma
conjuntura adversa.
Mas, foi exatamente o contrário o
que aconteceu. Então, houve um impacto sobre todas as demais engrenagens da
administração pública que dependem de recursos para cumprir suas agendas e
mover a satisfação do rol de demandas da população. Daí a importância, de que
houvesse um cenário político equilibrado para auxiliar na atração de
investimentos e parcerias internacionais.
No entanto, o Brasil decidiu
trilhar sozinho o seu próprio roteiro e transitar na contramão das mais
importantes decisões globais, como no caso da Sustentabilidade Ambiental, do
Negacionismo Científico e de questões ligadas ao Mercado Comum do Sul
(Mercosul).
Tamanha animosidade e beligerância
na condução das suas relações diplomáticas e no campo do comércio exterior, então,
só faz lhe render desconfiança e baixa credibilidade no campo internacional,
obstaculizando eventuais interesses que poderiam ser extremamente benéficos nesse
momento.
Assim, em tempo real, pelo trabalho
das principais agências de notícias do planeta, todos acompanharam mais um novo
rompante de destempero emocional do governo brasileiro e uma remota possibilidade
de justificá-la.
Porque não se trata apenas desse
recorte; mas, do que ele representa diante da inação governamental em relação a
tudo o que precisa ser resolvido, na prática do cotidiano brasileiro, e não
está sendo. A impressão repassada é de um país vagando às cegas em meio as suas
responsabilidades e deveres constitucionais, consumindo recursos demasiadamente
e fazendo mal-uso deles, ao ponto de não resolver questões emergenciais, como
no caso da Pandemia.
Por isso, um imenso pesar envolve
muitos de nós. Querendo ou não houve sim, uma condescendência exacerbada, uma ilusória
tentativa dialógica, que se arrastou por tempo demais sem resultado algum.
A vasta experiência dos
representantes do Legislativo e do Judiciário nacional deveria ter-lhes
sinalizado de que “para mudar, o outo
precisa desejar a mudança”, e esse anseio, sempre, esteve inexistente. De modo
que a postergação de uma atitude mais contundente, objetiva, preventiva, vem
cobrando um preço social cada vez mais elevado. Haja vista os mais de meio
milhão de mortos pela COVID-19.
A ruptura com o decoro e a
liturgia do cargo, não é só uma falha político-comportamental, ela é o
esfacelamento do próprio país. É a emblemática visibilização do desrespeito a
si mesmo, na banalização do que isso significa em todas as vertentes da sua
estrutura social.
E desde quando a desordem é construtiva? Desde quando o desrespeito é sinal de poder? Desde quando?... Jamais. Cada passo nesse sentido só faz diminuir o Brasil no mundo, apequenar a sua grandeza, constranger o cidadão que não beija outra bandeira e não flerta com outra cultura. E tudo isso só acontece porque “O Brazil não merece o Brasil / O Brazil tá matando o Brasil...” (Querelas do Brasil – Elis Regina).