segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Independência, Democracia e seus relativismos


Independência, Democracia e seus relativismos

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Às vésperas do feriado de 7 de setembro, em que se comemora a independência brasileira da Metrópole Portuguesa, em 1822, comecei a refletir além desse recorte, tendo em vista que muito vem se discutindo, no país e no mundo, sobre Democracia.

De modo que em um primeiro momento, parece mesmo existir um gatilho dessa data para eventuais reflexões democráticas; mas, com mais atenção é possível perceber que Independência e Democracia navegam, desde sempre, sob certo relativismo.

Não vejo o cidadão brasileiro questionar as bases em que se deu essa independência; mas, isso é muito importante. Independência pressupõe autonomia, autossuficiência, liberdade de ser e de agir conforme as próprias decisões. Mas, uma passada de olhos breve pelas páginas da história nacional para se perceber que essa decisão mudou o regime de governo e não, as suas práxis de governança.

A República instituída, então, nunca deixou de exalar o perfume colonial que sempre caracterizou o país. Tanto que não foi difícil, vez por outra, aqui e ali, verificar que as ingerências externas, frutos de uma crônica dependência econômica internacional, continuassem a direcionar os rumos brasileiros no cenário global.

Portanto, não pode haver espanto que essa estrutura tenha delineado, muito bem, os traçados que vieram fundamentar a Democracia brasileira. Tanto que a fragilidade que reside na manifestação dessa ideologia política, aqui no Brasil, não é necessariamente temporal.

Distante da plena participação popular, segundo proclamam os princípios democráticos, as questões político-sociais brasileiras estiveram sempre sob a influência dos grupos dominantes, notoriamente reconhecidos pelo seu poder e riqueza. Tomando como base o exercício do voto, essa constatação fica evidente.

Mulheres, sob a anuência do pai ou do marido, só puderam exercer o voto, por exemplo, em 1932. Durante os períodos ditatoriais no país, 1937-1945 e 1964-1985, a abrangência da participação política dos brasileiros ficou restrita. Houve a extinção dos partidos existentes para a criação de um bipartidarismo, no qual se poderiam eleger apenas deputados estaduais, federais e vereadores; o que significava que os cargos majoritários não poderiam ser eleitos de forma direta. Assim, somente o chamado “sufrágio universal”, restituiu a todos os cidadãos, sem distinção de quaisquer naturezas, o exercício do voto, em 1988.

Pode-se, então, dizer que daí emergiu o potencial polarizador do país, na medida em que esse processo sócio-histórico, inevitavelmente, conduziu a população a construção de perspectivas diferentes sobre a Independência e a Democracia brasileira. Os discursos e narrativas, em torno dessas questões, mostraram-se divergentes para um denominador comum, o que impossibilitou a sociedade de mensurar satisfatoriamente eventuais ganhos e prejuízos a respeito.

Assim, as desigualdades se tornaram o fiel da balança para a elaboração desses conceitos dentro da pirâmide social do país. Não se trata, portanto, de uma interpretação semântica em relação à Independência e à Democracia; mas, de como elas têm afetado cada pilar da pirâmide social brasileira, ao longo desses mais de 500 anos.

Para alguns, elas são o sopro reafirmativo de regalias e privilégios seculares. Para outros, elas jamais alcançaram uma efetividade real, tornando-se contraditórias a si mesmas.  Porém, esse desequilíbrio impede a todos de entender que deveriam, a partir da realidade contemporânea, buscar uma ressignificação para elas.

O que explica porque, até aqui, mazelas e desastres sociais insistem em se repetir, como se o tempo estivesse preso às memórias. Afinal de contas, para uma mudança de paradigmas e de atitudes seria necessário apropriar-se do verdadeiro protagonismo cidadão, no qual a Independência se traduz em liberdade, em autonomia, em autoralidade, e a Democracia, em exercício de responsabilidade, de comprometimento, de civilidade.

Mas, será que o brasileiro já chegou a pensar sobre isso, alguma vez? Penso que não. A brutalidade do colonialismo sobre nós foi tão avassaladora que o tempo só fez cristalizar os resultados, impedindo-nos de esquecer nossas origens e construir o próprio futuro.

Por isso, há uma tendência natural em deixar tudo como está, entregar nas mãos do destino ou de qualquer “salvador da pátria” a promessa de dias melhores, para não se submeter ao desafiador compromisso de enxergar a vida como ela é, de ter que ser independente, de fazer valer à Democracia. Não é à toa que muitos congratulam as “lentes cor de rosa”, a idealização, a realidade paralela, ...

Afinal, tudo isso parece mais aprazível para quem foi ensinado a pensar que “A diferença entre uma democracia e uma ditadura consiste em que numa democracia se pode votar antes de obedecer às ordens” (Charles Bukowski – escritor estadunidense nascido na Alemanha). Então, já passou da hora de rever esses conceitos!