Independência,
Democracia e seus relativismos
Por Alessandra
Leles Rocha
Às vésperas do feriado de 7 de setembro, em
que se comemora a independência brasileira da Metrópole Portuguesa, em 1822,
comecei a refletir além desse recorte, tendo em vista que muito vem se
discutindo, no país e no mundo, sobre Democracia.
De modo que em um primeiro momento, parece
mesmo existir um gatilho dessa data para eventuais reflexões democráticas; mas,
com mais atenção é possível perceber que Independência
e Democracia navegam, desde sempre,
sob certo relativismo.
Não vejo o cidadão brasileiro questionar as
bases em que se deu essa independência; mas, isso é muito importante. Independência
pressupõe autonomia, autossuficiência, liberdade de ser e de agir conforme as próprias
decisões. Mas, uma passada de olhos breve pelas páginas da história nacional
para se perceber que essa decisão mudou o regime de governo e não, as suas práxis
de governança.
A República instituída, então, nunca deixou de
exalar o perfume colonial que sempre caracterizou o país. Tanto que não foi difícil,
vez por outra, aqui e ali, verificar que as ingerências externas, frutos de uma
crônica dependência econômica internacional, continuassem a direcionar os rumos
brasileiros no cenário global.
Portanto, não pode haver espanto que essa
estrutura tenha delineado, muito bem, os traçados que vieram fundamentar a
Democracia brasileira. Tanto que a fragilidade que reside na manifestação dessa
ideologia política, aqui no Brasil, não é necessariamente temporal.
Distante da plena participação popular,
segundo proclamam os princípios democráticos, as questões político-sociais brasileiras
estiveram sempre sob a influência dos grupos dominantes, notoriamente
reconhecidos pelo seu poder e riqueza. Tomando como base o exercício do voto,
essa constatação fica evidente.
Mulheres, sob a anuência do pai ou do marido,
só puderam exercer o voto, por exemplo, em 1932. Durante os períodos
ditatoriais no país, 1937-1945 e 1964-1985, a abrangência da participação política
dos brasileiros ficou restrita. Houve a extinção dos partidos existentes para a
criação de um bipartidarismo, no qual se poderiam eleger apenas deputados estaduais,
federais e vereadores; o que significava que os cargos majoritários não
poderiam ser eleitos de forma direta. Assim, somente o chamado “sufrágio universal”, restituiu a todos
os cidadãos, sem distinção de quaisquer naturezas, o exercício do voto, em
1988.
Pode-se, então, dizer que daí emergiu o potencial
polarizador do país, na medida em que esse processo sócio-histórico, inevitavelmente,
conduziu a população a construção de perspectivas diferentes sobre a Independência
e a Democracia brasileira. Os discursos e narrativas, em torno dessas questões,
mostraram-se divergentes para um denominador comum, o que impossibilitou a sociedade
de mensurar satisfatoriamente eventuais ganhos e prejuízos a respeito.
Assim, as desigualdades se tornaram o fiel da
balança para a elaboração desses conceitos dentro da pirâmide social do país. Não
se trata, portanto, de uma interpretação semântica em relação à Independência e
à Democracia; mas, de como elas têm afetado cada pilar da pirâmide social
brasileira, ao longo desses mais de 500 anos.
Para alguns, elas são o sopro reafirmativo de
regalias e privilégios seculares. Para outros, elas jamais alcançaram uma efetividade
real, tornando-se contraditórias a si mesmas. Porém, esse desequilíbrio impede a todos de
entender que deveriam, a partir da realidade contemporânea, buscar uma
ressignificação para elas.
O que explica porque, até aqui, mazelas e
desastres sociais insistem em se repetir, como se o tempo estivesse preso às
memórias. Afinal de contas, para uma mudança de paradigmas e de atitudes seria
necessário apropriar-se do verdadeiro protagonismo cidadão, no qual a Independência
se traduz em liberdade, em autonomia, em autoralidade, e a Democracia, em
exercício de responsabilidade, de comprometimento, de civilidade.
Mas, será que o brasileiro já chegou a pensar
sobre isso, alguma vez? Penso que não. A brutalidade do colonialismo sobre nós
foi tão avassaladora que o tempo só fez cristalizar os resultados,
impedindo-nos de esquecer nossas origens e construir o próprio futuro.
Por isso, há uma tendência natural em deixar
tudo como está, entregar nas mãos do destino ou de qualquer “salvador da pátria” a promessa de dias
melhores, para não se submeter ao desafiador compromisso de enxergar a vida como
ela é, de ter que ser independente, de fazer valer à Democracia. Não é à toa
que muitos congratulam as “lentes cor de
rosa”, a idealização, a realidade paralela, ...